Propostas para baixar TSU deixam Segurança Social “refém” das Finanças

Especialistas criticam redução das contribuições e alertam que, ao substituir as receitas próprias do sistema por impostos, se está a “trocar o certo pelo incerto”.

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Bagão Félix, antigo ministro da Segurança Social. Foto: Carlos Lopes

A ideia de reduzir a Taxa Social Única (TSU) paga pelos trabalhadores e pelas empresas vai “descaracterizar ainda mais o sistema” de Segurança Social e deixá-lo “completamente refém” do Orçamento de Estado. Estes são os alertas deixados por alguns especialistas que, à partida, são avessos a cortes nas contribuições, semelhantes aos que são propostos pelo PS no relatório Uma Década para Portugal.

O antigo ministro da Segurança Social, António Bagão Félix, fez as contas e concluiu que o PS subestimou o impacto da redução da TSU suportada pelos trabalhadores (de 11% para 7%) e da TSU a cargo dos empregadores de pessoas com contratos permanentes (de 23,75% para 19,75%).

Nos cálculos que efectuou, o economista estima a redução de oito pontos percentuais (quatro da entidade empegadora e quatro do trabalhador, como propõe o PS) tirem ao sistema à volta de 3000 milhões de euros, no melhor dos cenários. E explica como chegou a este montante. Segundo Bagão Félix, a redução de um ponto percentual na TSU custa 420 milhões de euros, mas o valor considerado oscila à volta de 350 a 380 milhões, porque há trabalhadores de regimes específicos que pagam menos TSU. 

No relatório Uma Década para Portugal, os peritos do PS estimam que o impacto das duas medidas rondará os 1900 milhões de euros. No caso da TSU dos trabalhadores, que representa 1050 milhões de euros, o PS propõe que a medida seja compensada por cortes nas pensões futuras dos mesmos trabalhadores que agora beneficiam do alívio das contribuições e, por isso, diz que a medida é neutra para o sistema. Já o alívio da TSU das empresas custará 850 milhões de euros, mas será compensada pelas novas fontes de financiamento propostas, nomeadamente a consignação de parte da receita de IRC, o novo imposto sobre heranças e a taxa a cobrar às empresas com rotação excessiva de trabalhadores.

O problema, avisa Bagão Félix, é que se está a “trocar o certo pelo incerto” e a “dissolver a Segurança Social num mundo de incertezas”. “É dar a última machadada no sistema contributivo e previdencial”, alerta.

“A Segurança Social é um sistema autónomo, contributivo, que tem receitas próprias para financiar as prestações contributivas. Se a descaracterizamos ainda mais do que tem sido feito nos últimos anos, o sistema fica completamente refém da lógica orçamental do ministro das Finanças”, diz o ex-ministro, lembrando que, do ponto de vista do custos laborais o ganho é “reduzido” para as empresas.

Bagão Félix receia ainda que a intenção de aumentar o rendimento disponível dos trabalhadores em 4% entre 2016 e 2018 (o tempo em que a redução da TSU deverá ocorrer) possa virar-se contra os próprios trabalhadores.

A medida “vai condicionar qualquer aumento salarial nos próximos anos”. “Os patrões vão dizer: aumentos? Já têm. O Estado fê-los à custa da Segurança Social”, ironiza.

Jorge Bravo, professor na Universidade Nova, partilha das preocupações de Bagão Félix quanto ao financiamento do sistema. “Está-se a trocar uma fonte de financiamento própria, por uma fonte de carácter geral, que são os impostos, e que vai concorrer com outras áreas como a saúde e a educação”, nota.

Vai mais longe ao considerar que a redução da TSU dos trabalhadores proposta pelo PS “é o equivalente a um plafonamento das contribuições”, com a diferença de que “não há obrigatoriedade de aplicar esse valor em sistemas complementares”.

O economista alerta ainda que a proposta de fazer reflectir no valor das pensões este alívio da TSU implicará uma alteração da fórmula de cálculo ou então a introdução de um “factor corrector que faça o ajustamento”.

Jorge Bravo questiona também as estimativas de perda de receita apresentadas no relatório do PS, por recear que não estejam considerados os impactos na Caixa Geral de Aposentações (CGA). O documento não faz distinção entre o regime geral da Segurança Social e CGA, mas também não explicita se o alívio da TSU também abrange os funcionários públicos e os empregadores públicos. Na opinião deste especialista, qualquer redução das contribuições terá de abranger todos os trabalhadores.

A redução das receitas é também realçada pela professora do ISEG, Teresa Garcia. O problema, adverte, é que se estão a reduzir as receitas do sistema “sem ter retornos inquestionáveis do crescimento da actividade económica”.

 

  

 


E acrescenta que, em vez de se tomarem medidas “casuísticas”, o foco deve estar em medidas “vocacionadas para a criação de emprego”.

O PS quer reduzir a TSU suportada pelos trabalhadores e pelas empresas ao longo dos próximos anos em quatro pontos percentuais cada.

No caso dos trabalhadores, a medida será temporária e, num primeiro momento, visa responder às restrições de liquidez das famílias. No futuro, vai traduzir-se numa redução entre 1,25% e 2,6% no valor das pensões dos trabalhadores que beneficiarem dessa medida.

No caso das empresas, a ideia é que a redução dos custos se cinja aos contratos permanentes e também será aplicada de forma gradual. Mas ao contrário do que se prevê para os trabalhadores, a redução passaria a definitiva de 2018 em diante.

O objectivo das medidas é “estimular a procura interna” e aumentar a liquidez das famílias, alargando “as possibilidades de consumo, gerando procura e, por essa via, postos de trabalho” e, ao mesmo tempo, estimular a criação de emprego permanente e estimular a produtividade. A ideia dos economistas que fizeram o relatório para o PS é que o aumento do emprego e as melhorias da economia compensem os impactos destes cortes nos descontos.
 



 

 

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