Igreja Católica quer ver aborto em debate na campanha eleitoral

Movimento de cidadãos defende que as mulheres que estão a pensar abortar devem ver antes as ecografias e pretende que os pais participem na decisão.

Foto
A deputada Teresa Caeiro disse que o objectivo é introduzir “equidade e justiça” no sistema Nelson Garrido

O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) acredita que haverá novidades em breve em relação à interrupção voluntária de gravidez (IVG) e defendeu que esta “deve ser uma prioridade política geral” e um tema em debate na próxima campanha eleitoral. “Não se pode esconder a cabeça na areia”, enfatizou em Fátima D. Manuel Clemente, no final da 186.ª assembleia plenária da CEP.

Sobre a lei do aborto, o cardeal patriarca de Lisboa considerou que o actual uso da legislação que despenalizou a IVG até às 10 semanas a pedido da mulher transforma-a, “às vezes, quase num meio de regulação de nascimentos”, com mulheres e recorrerem a ela “mais do que uma” vez “no prazo de um ano”. Uma realidade que tem sido “denunciada” nem tanto por “organizações confessionais”, mas “por cidadãos, por médicos, por pessoas ligadas ao mundo da saúde”.

“Não foi para isso que a lei foi feita”, lamentou D. Manuel Clemente, para quem, mais do que pensar já em mudanças da lei ou em novos referendos, importa trabalhar a questão ao nível das “convicções, nas consciências”.

Citado pela Agência Ecclesia, o presidente da CEP salientou ainda que “qualquer organismo político responsável tem que ter muito diante dos olhos os problemas que estão ligados à vida e à demografia”. Aludiu, a propósito, a algumas previsões que indicam que, “em meados deste século, Portugal terá seis milhões de concidadãos”, o que “não é um problema de somenos, tem de ser pensado, reflectido a sério, é um problema de sobrevivência”.

Na abertura da assembleia plenária, que reuniu os bispos durante quatro dias em Fátima, D. Manuel Clemente recordou ainda que, em iniciativa recente, foi possível juntar “50 mil assinaturas de cidadãos para que a Assembleia da República veja e reveja o que está e não está a ser feito neste campo”. “Foi tal o envolvimento dos subscritores, que algo de novo e positivo acontecerá certamente, no plano prático e legal”, antecipou.

O cardeal patriarca aludia à proposta legislativa do grupo de cidadãos “Pelo Direito a Nascer” que reclama mudanças na regulamentação da lei do aborto. A proposta da plataforma pelo "Direito a Nascer" passou, assim, a ter o apoio expresso da Igreja Católica, uma ajuda de peso para que o projecto de lei que deu entrada na Assembleia da República em Fevereiro último  possa vir aí a ser apreciado e, eventualmente, aprovado ainda nesta legislatura.

Este movimento de cidadãos garante que não quer mexer na lei do aborto, mas apenas na sua regulamentação e em aspectos de protecção da maternidade. Entre outras propostas, os subscritores da petição pretendem que a interrupção voluntária de gravidez (IVG) até às dez semanas deixe de ser gratuita, que as mulheres que estão a pensar abortar tenham um aconselhamento prévio por psicólogos e técnicos sociais e que elas possam ver e assinar as ecografias feitas para determinação do tempo de gestação. “A mulher tem que ter consciência do que está a fazer”, explicou a propósito ao PÚBLICO José Seabra Duque, da Federação Portuguesa pela Vida (FPV).

Seabra Duque acrescentou que a plataforma reclama ainda a criação de centros de apoio à vida e que pretende também que os médicos objectores de consciência possam participar nas consultas de aconselhamento e seguir as mulheres, ao contrário do que acontece actualmente. Os subscritores da petição querem igualmente que o pai seja chamado ao processo decisório de interrupção da gravidez e que as mulheres que abortem deixem de poder gozar licenças pagas a 100% pela Segurança Social.

Esta iniciativa legislativa de cidadãos, um mecanismo de participação política que permite que um projecto de lei com pelo menos 35 mil subscrições seja discutido e votado na Assembleia da República, foi anunciada a 4 de Outubro de 2014. A petição acabou por ser subscrita por 48.115 pessoas, entre as quais Marcelo Rebelo de Sousa e o ex-ministro Bagão Félix. Da comissão representativa da iniciativa fazem parte a presidente da FPV, Isilda Pegado, e o ex-reitor da Universidade Católica, Braga da Cruz.

A petição foi entregue em 18 de Fevereiro à presidente da Assembleia da República  e vai ser remetida para a Comissão Parlamentar de Saúde. Nos últimos dias, os representantes da plataforma têm estado a ser recebidos pelos vários grupos parlamentares. Já se encontraram com responsáveis pelo Bloco de Esquerda e pelo PS, esta sexta-feira encontram-se com o PEV e, para a semana, vão reunir-se com elementos do PSD/CDS. Os subscritores esperam que a proposta possa ser apreciada ainda nesta legislatura (até Setembro, no máximo).

Em 2007, em referendo, os cidadãos aprovaram a despenalização da IVG até às dez semanas de gestação, a pedido da mulher. Entre 2007 e 2013,  realizaram-se 122.470 interrupções voluntárias de gravidez em Portugal. Desde 2011 mantém-se a tendência de redução, o que tem sido interpretado como um sinal positivo pela Associação para o Planeamento da Família (APF), mas as organizações que se intitulam pró-vida discordam desta perspectiva e defendem que a IVG se transformou numa espécie de método de planeamento familiar e que é preciso por isso fazer alterações.

Entretanto, em Espanha, uma reforma da lei do aborto, que foi apresentada pelo PP para impedir que as menores possam interromper voluntariamente a gravidez sem consentimento dos pais, passou a primeira fase, ao ser recentemente aprovada por 184 votos a favor, 136 votos contra e quatro abstenções (de quatro deputados do PP, que defendem uma reforma mais profunda da legislação).

Mas os bispos espanhóis já manifestaram o seu desagrado pela “reformita” que o PP quer introduzir na lei sobre o aborto e pediram ao Tribunal Constitucional que se pronuncie “de uma vez” sobre o assunto. “Não mudou num ápice a postura da Igreja sobre o aborto. Não se pode legitimar a morte de um inocente e, portanto, a vida humana é inviolável”, explicou, em conferência de imprensa, o secretário-geral do episcopado, José Maria Tamayo.

Sugerir correcção
Ler 208 comentários