Três jovens escritores às voltas com a criação

Pertencem à nova geração de escritores dos dois lados do Atlântico, sofrem a angústia da página em branco, mas souberam arranjar soluções, como escrever em dupla,

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Emilio Fraia, Karina Buhr e Norberto Morais na Livraria Cultura Robson Silva

Hitchcock esquecia-se sempre das histórias com que sonhava de noite. Um dia, o realizador decidiu que ia passar a apontar esses sonhos e ideias nocturnas num bloquinho que deixaria ao lado da cama. Assim iria conseguir lembrar-se dessas ideias maravilhosas nocturnas, que poderiam vir a dar grandes argumentos, no dia seguinte. Até àquela noite em que teve uma ideia incrível, acordou e não se lembrou mais dela. Mas tinha a salvação ao seu lado, o bloco de apontamentos, só que quando foi ver o que tinha rabiscado no papel durante a vigília, leu: “rapaz se apaixona por moça”.

Esta foi uma das histórias contadas pelo escritor brasileiro Emilio Fraia – considerado pela revista Granta, em 2012, um dos melhores jovens escritores brasileiros com menos de 40 anos – na sessão Mosaicos de histórias, os dois lados do Atlântico, a penúltima de Minha Língua, Minha Pátria. Vinha a propósito da dificuldade da escrita e das ideias que parecem geniais à primeira, e péssimas à segunda leitura.

O evento, organizado pelo PÚBLICO e pela Livraria Cultura numa parceria com o Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, tem reunido na Livraria Cultura Shopping Iguatemi, em São Paulo, escritores portugueses e brasileiros.

Sentados ao lado de Emilio Fraia, que nasceu em 1982 em São Paulo, estavam o português Norberto Morais, que nasceu em 1975, na Alemanha, e é autor do romance finalista do Pémio Leya O Pecado de Porto Negro, e a actriz, cantora e colunista da Revista da Cultura, a brasileira Karina Buhr, que nasceu em Salvador, em 1974.

Esta, que estava apontada como moderadora da sessão, acabou por fazer parte da conversa improvisada entre os três, já que acaba de lançar o livro Desperdiçando Rima e é uma das convidadas deste evento já confirmadas para próxima Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP). A poeta portuguesa Matilde Campilho, que encerra esta quarta-feira Minha Língua, Minha Pátria ao lado do poeta brasileiro Gregorio Duvivier, também já está confirmada na FLIP que se vai realizar de 1 a 5 de Julho.

Karina Buhr, por sua vez, aproveitou para contar a história de um baixista, seu amigo, que um dia sonhou com uma música. “Cancelou o ensaio para gravar aquela música maravilhosa que ele fez e, três dias depois, percebeu que era uma música de Jaco Pastorius!”

A autora, que está a lançar o seu primeiro livro, procura não pensar nas dificuldades da escrita, pois começa a ficar “uma coisa difícil” quando o faz. Até aqui,  a actriz que passou vários anos no Teatro Oficina a ler Os Sertões, de Euclides da Cunha, e a fazer a peça de teatro encenada por José Celso Martinez Correa, achava que não podia trabalhar com prazos. Mas descobriu que é o contrário, e assim, com prazo, faz mesmo, "só que no dia seguinte". Por isso, prefere não pensar e ir fazendo. “Mas tem dias em que fica a página em branco”, diz.

Para Emilio Fraia, autor da graphic novel Campo em Branco em parceria com DW Ribatski (Quadrinhos na Cia.) e com Vanessa Barbara, autor do romance O Verão do Chibo (Alfaguara), o tempo de escrita é uma coisa cada vez mais complicada. “Cada vez mais a vida chama você para muitos lugares. Tentar encontrar esses espaços de concentração e retomar esse fio com rapidez e com qualidade é um desafio. Claro que quando se volta a ler o que se escreveu consegue-se rever, enxergar aquilo de outra maneira e acrescentar outras camadas. Esta é uma questão bem contemporânea.”

Por sua vez, Norberto Morais gosta de criar, mas não gosta de escrever. Ao longo da sua vida de escritor (é autor de dois livros publicados, e de dezenas começados), aquilo que lhe custou mais a disciplinar foi o seu “traseiro”. Isto porque tem uma enorme dificuldade em estar sentado. “É estranho, escrever não me dá prazer, eu gosto de criar. Escrever é chato. Quando a escrita não está a correr bem, o traseiro é o melhor barómetro. Acontece o mesmo num espectáculo, quando ele nos começa a doer, sabemos que é porque o espectáculo não é bom. Para quem escreve, é a mesma coisa”, diz.

“Quando o traseiro começa a dizer que você tem de ir aos correios, ou tem de ir comer, é porque aquilo não está a fluir. Para mim, é como alguém que idealiza a casa dos seus sonhos. Essa pessoa pensa na casa com um telhado, um jardim, umas palmeiras... Essa parte é muito bonita enquanto se está a sonhar com aquilo, é a parte de criar. Depois, abrir os buracos, carregar cimento e tijolo, suar..., dessa parte não gosto. Da última parte, quando se termina o livro, dessa parte gosto. É a parte de decorar a casa, pôr um sofá, etc. Gosto de idealizar e de decorar a coisa. Agora de andar ao sol a acarretar cimento, disso não gosto.”

A seu lado, Emilio Fraia  que só agora está a trabalhar sozinho num livro de contos, porque tudo o que publicou antes, foi a meias  disse ao escritor português que havia uma solução para isto: “Escrever em dupla”. “Você vai dormir e no dia seguinte o seu livro cresceu um pouquinho mais. E também, quando alguém fala que não gostou de alguma coisa, você fala 'não fui eu, foi o outro'”. Gargalhadas na plateia.

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