Oposição e maioria digladiam-se: quem estragou mais a natalidade?

Maioria vai deixar passar todos os projectos de resolução e acusa PS de não apresentar propostas válidas. Oposição culpa o Governo pelas políticas dos últimos anos e pela baixa natalidade.

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Daniel Rocha

A porta-voz do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, contou nesta quarta-feira na Assembleia da República, no debate sobre a natalidade, a história de Patrícia, que estava grávida e foi despedida. “Patrícia não é caso único. Mulheres grávidas e em licença de maternidade são despedidas todos os dias num país em que a lei, teoricamente, as protege”, afirmou.

Uma das propostas do BE é precisamente “proteger o emprego das mulheres grávidas e em licença de maternidade, proibindo o despedimento em todo o tipo de contratos”. Querem “penalizar a sério os empregadores que não respeitam os direitos dos pais e mães, transformando o abuso laboral em contra-ordenação muito grave”. Referindo-se a uma das propostas da maioria, Catarina Martins contrapõe que “a negação de direitos básicos às grávidas não pode ser combatida com perda de subsídios públicos, que muitas empresas nem recebem, mas com pena de prisão”. A maioria quer impedir que as empresas condenadas por despedimento ilegal de grávidas, nos dois anos anteriores, possam beneficiar de quaisquer subsídios ou subvenções públicas.

Patrícia, contou a bloquista, “trabalhava há mais de cinco anos na loja de uma cadeia internacional de vestuário” e “engravidou”: “Enquanto estava de licença de maternidade, a empresa mudou o seu local de trabalho para outro estabelecimento, onde nunca tinha ido. A loja onde a colocaram fechou poucos dias depois e a Patrícia, grávida e a gozar a sua licença, foi despedida em virtude da extinção do posto de trabalho”.

“Claro está”, frisou a bloquista, “que o posto de trabalho, o que foi seu durante cinco anos e nunca tinha conhecido outro, se manteve” e foi “atribuído a alguém que não tinha filhos, nem esperava ter”. “Até ao dia em que essa mulher, também ela, queira ter uma criança. Aí será despedida por este grupo”, lamentou.

Catarina Martins não tem dúvidas: “O país está em cima de uma bomba relógio. O tique-taque que ouvem é o da crise demográfica que está a minar o presente de centenas de milhares de famílias e o futuro do país.”

Críticas à maioria
As propostas apresentadas pela maioria são também alvo das críticas do BE: “Quando olhamos para as propostas que a direita apresenta, vemos medidas que, na sua maioria, não são reais compromissos e que, na melhor das hipóteses, talvez respondam a uma minoria de famílias com maiores rendimentos. Fogem ao que conta.”

“Não nos peçam para fazer este debate branqueando todas as políticas que nos trouxeram a este ponto”, avisou Catarina Martins, que antes fizera o retrato do que na sua opinião têm sido os últimos anos de governação PSD/CDS-PP.

“Portugal é um país a encolher”, apontou a bloquista, lembrando que quanto terminar o debate, dentro de duas horas, haverá menos quatro pessoas a viver no país, devido à emigração e às crianças que não nascem.

Para Catarina Martins, há pessoas que não têm filhos “porque não têm emprego, porque as suas vidas profissionais são cada vez mais precárias e as expectativas de futuro” não lhes permitem “ter confiança para dar esse passo”. Referiu-se ainda ao facto de, “com salários a descer”, os casais não encontrarem “uma creche que não lhes cobre 20 ou 30% do salário médio”.

A bloquista critica “a direita que adora falar nas famílias” mas “acha que a vida concreta destas pessoas é independente do que vai acontecendo no país”. E apontou o dedo às “políticas que são seguidas”, ao estado da economia, “à desregulação do mercado laboral” e à “pressão crescente das empresas para as mulheres não exercerem os seus direitos”, o que “tem os seus custos”.

Lembrou ainda que “uma família com salário médio viu a sua carga fiscal aumentar 30%” e “perdeu direito ao abono de família”. Além disso, o “passe do autocarro das crianças mais do que duplicou” e “a conta da luz disparou”. A bloquista questionou: “Com os índices de pobreza a aumentar, principalmente entre as crianças, o que fez o Governo? Cortou o Rendimento Social de Inserção a dezenas de milhares de famílias com filhos. Os que o mantiveram, viram o valor médio de 94 euros por cada menor passar para 53 euros. Cinquenta e três euros. Muito menos do que custa a creche.”

O BE quer criar condições de apoio à primeira infância, que nunca existiram e são cada vez mais necessárias: “Em Portugal, a mensalidade das creches é mais alta do que as propinas da universidade e não há oferta pública”, afirmou a bloquista.

Maioria deixa passar projectos de resolução directamente para comissões
Pela voz de Luís Montenegro, a maioria admitiu que em cima da mesa do Parlamento estão “contributos positivos de todos os partidos e que permitem aproximações em alguns pontos”. Por isso, logo no início da sua intervenção anunciou que a maioria está disponível para deixar que todos os projectos de resolução baixem directamente às comissões para que se elabore numa só resolução da Assembleia da República as propostas que tiverem apoio maioritário. Das 38 propostas de diplomas que estão a ser discutidos em plenário, 15 são projectos de resolução.

“Há um campo de convergência e de compromisso que é possível preencher; há contributos positivos de todos os partidos e que permitem aproximações em alguns pontos”, realçou Luís Montenegro, realçando que PSD e CDS “não temem o debate”. O social-democrata haveria de apelar à oposição que se ponha a “partidarice de parte”, defendendo que a promoção da natalidade tem que ser “um desígnio de todos os governos – do actual e dos que vierem a seguir”.

Montenegro foi desfiando as propostas da maioria reunidas em três resoluções e seis projectos de lei, realçando as de reposição dos 4º e 5º escalões do abono de família em 2016, a meia jornada para os funcionários públicos e a obrigação da educação escolar a partir dos quatro anos de idade.

O líder parlamentar do PSD foi especialmente duro para com o PS, que acusou de ter uma “visão completamente limitada” sobre a matéria e de ter ido “à gaveta, à última hora, buscar algumas propostas que já tinha apresentado”. Criticou sobretudo o facto de os socialistas “não se comprometerem com nada” ao não explicarem o que pensam das propostas dos outros partidos. “É cada vez mais um partido desenxabido, que não tem causas.”

Embora admita que a austeridade e a crise tivessem contribuído para o problema da natalidade, a deputada do CDS Inês Teotónio Pereira recusa as críticas da oposição, segundo as quais essas são as razões de fundo: “O problema da natalidade não é conjuntural.”

PS acusa maioria de show-off
A socialista Catarina Marcelino classificou o pacote de estímulo à natalidade da maioria de “estratégia dissimulada”, de “encenação” e de show-off por ter feito dezenas de audições sobre o assunto em diversas comissões, mas no final “a montanha pariu um rato” porque “as propostas que não agradavam à maioria foram ignoradas”.

A deputada defendeu também que o facto de a maioria apresentar algumas propostas de resolução para que o Executivo tome diversas iniciativas significa que “está a dizer ao Governo que é incompetente e que não cumpriu o que prometeu” no início da legislatura.

Mas foi Sónia Fertuzinhos quem provocou o maior burburinho no plenário quando ligou a baixa natalidade ao estado de crise em que o actual Governo colocou o país. “Se há uma lição que estes quase quatro anos confirmam é que destruir é fácil e rápido, reconstruir será infelizmente difícil e lento. Se há recessões profundas não há recuperações milagrosas”, vincou a deputada sob os protestos da maioria que iam gritando que foi o PS quem destruiu o país em termos económicos. Nas réplicas que se seguiram, todos os deputados da direita apontaram o dedo à governação socialista.

A socialista Elza Pais acusou o Governo de, depois de “três anos de destruição do tecido social”, vir “agora com um acto de contrição mal amanhado”. A deputada acusa a maioria de ter a “consciência pesada em relação à forma” com trata as famílias e as pessoas.

Elza Pais lembrou que a maioria passou três anos “a chumbar propostas de apoio às famílias”, a “introduzir instabilidade nas famílias”, a “destruir a escola pública”, a acabar com “os descontos nos passes escolares”, a obrigar “milhares de jovens cientistas” a emigrar”, a contribuir “a um ritmo alucinante” para o aumento da taxa de desemprego. Elza Pais insiste que o que falta é “emprego digno e decente para que as pessoas possam ter os filhos que querem ter”. "Este Governo agravou o problema da natalidade”, disse, acrescentando que o “debate não foi sério, nem consequente”.

PCP critica proposta de meio dia de trabalho
Na sua intervenção, a deputada Paula Santos, do PCP, criticou a proposta da maioria PSD/CDS que prevê que funcionários públicos com filhos ou netos até 12 anos possam trabalhar meio dia, recebendo 60% do salário. “Propor aos trabalhadores que prescindam de 40% do seu salário é um incentivo à natalidade? Mas quem é que pode prescindir de uma parte do seu salário?”, questionou.

Sobre a proposta da meia jornada, a deputada ecologista Heloísa Apolónia questionou a maioria: “Também vão impor às creches que aceitem só meio tempo?” A deputada dos Verdes acusou o PSD de ter fugido, durante o debate, ao problema das “condições de subsistência das famílias”, abordado por toda a oposição.

A bloquista Cecília Honório também criticou a proposta do meio dia de trabalho, com remuneração a 60%, dirigida a funcionários públicos, por considerar que “introduz uma dupla discriminação inaceitável”: “É uma medida para elas e para quem tem salários mais altos na função pública.” Cecília Honório considera mesmo a proposta “um recuo absolutamente inaceitável”. “A vossa vontade é porem as funcionárias públicas em casa”, acusou. E acrescentou: “Neste país ter filhos é um verdadeiro acto heróico, é preciso lutar contra tudo e contra todos.”

A comunista Paula Santos não tem dúvidas de que “a realidade concreta do país e das famílias demonstra que ter a família que se deseja não é para quem quer, é para quem pode”. Defendeu que “a concretização de políticas de incentivo à natalidade implica a ruptura com a política de direita” e que a baixa natalidade é “responsabilidade” de sucessivos Governos.

Em particular, a este Executivo a comunista dirigiu várias críticas: “O Governo, PSD e CDS-PP têm-se desdobrado em discursos políticos, manifestando as suas preocupações com a baixa natalidade. Mas este discurso não se coaduna com a prática governativa de PSD e CDS-PP.

As políticas concretas que implementaram nos últimos quatro anos não promoveram a natalidade”, afirmou Paula Santos, criticando, entre outras políticas, o corte de salários, a destruição de “milhares de postos de trabalho”, a promoção da precariedade, a emigração e o aumento da carga fiscal sobre os rendimentos de trabalho. “É assim que pretendem incentivar a natalidade, agravando as já difíceis condições de vida dos trabalhadores e das famílias?”, questionou.

A comunista Diana Ferreira também interveio no debate para lembrar que, entre outras medidas, o PCP propõe a criação do passe escolar, a gratuitidade dos manuais escolares, o apoio e a comparticipação a 100% em casos de infertilidade. E criticou o actual Governo: “Quem está preocupado com a natalidade não encerra escolas, não despede professores, não manda crianças para locais mais afastados”, disse, entre outras críticas às “políticas de direita”.

Verdes acusam Governo de políticas anti-natalidade
Também a deputada d’Os Verdes, Heloísa Apolónia, criticou o actual Governo, considerando que tem “muitas contas a prestar no desígnio da natalidade”. Entre outras críticas, Heloísa Apolónia acusou o actual Executivo de desregular “até mais não o horário de trabalho” e referiu-se ainda, entre outros exemplos, ao facto de os jovens ganharem autonomia “cada vez mais tarde”.

“Tudo isto nos obriga a ligar a taxa de natalidade” à “política de rendimentos”: “E o Governo não tem feito outra coisa senão retirar rendimentos às famílias. É uma política anti-natalidade”, vincou Heloísa Apolónia, acrescentando que a equipa de Passos Coelho "tem andado a dar machadadas atrás de machadadas" na natalidade.

O deputado comunista David Costa, tal como muitos outros deputados da oposição, insistiu que as políticas “de direita” que têm sido tomadas por este Governo não têm ajudado ao nascimento de crianças. David Costa elencou a precariedade, a instabilidade laboral, o desemprego. E sublinhou que o PCP propõe um Plano Nacional de Combate à Precariedade e à Contratação Ilegal que combata, entre outros aspectos, as formas de trabalho não declaradas, o trabalho temporário e promova os vínculos laborais duradouros.

A bloquista Helena Pinto considerou que um debate sobre natalidade é “sobretudo sobre direitos”. Uma das recomendações do BE ao Governo diz respeito à saúde, os bloquistas querem que o Serviço Nacional de Saúde assegure a “preservação de gâmetas de doentes que correm risco de infertilidade devido a tratamentos oncológicos”. Helena Pinto lamentou que não exista “uma política pública universal sobre esta matéria no nosso país”, defendendo que “deve existir”. “Não é só para quem tem dinheiro para isso”, frisou.

“Lágrimas de crocodilo” da maioria pela natalidade “não enganam ninguém”
O deputado do PCP, Jorge Machado, também criticou o facto de PSD e CDS terem passado “os últimos quatro anos a implementar políticas antifamília e antinatalidade” e que, por isso, “as lágrimas de crocodilo hoje vertidas” pela maioria “quanto à natalidade, já não enganam ninguém”. “PSD e CDS passaram quatro anos de desgoverno a impor sacrifícios às famílias, aumentaram os impostos, cortaram salários, atacaram prestações sociais e atacaram direitos conquistados”, acusou.

Para Jorge Machado, um dos aspectos “mais importantes” passa por “garantir uma rede de creches pública e a preços acessíveis e pela eliminação dos cortes e reforço do abono de família”. “O PCP entende que a actual rede de equipamentos de apoio à família revela, de modo claro, a desresponsabilização do Estado na área social, o que se comprova através do agravamento das desigualdades no acesso aos equipamentos em função do nível de rendimento das famílias e da região onde vivem”, afirmou, acrescentando que “os valores pagos pelas famílias para terem acesso às creches sejam incomportáveis”. “Uma família com rendimentos médios/baixos pode facilmente chegar a pagar duzentos ou trezentos euros por mês”, alertou.

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