Boko Haram já sequestrou mais de 2000 mulheres na Nigéria

Raptadas são usadas como cozinheiras, escravas sexuais ou combatentes, denunciou a Amnistia Internacional, num relatório que abrange 2014 e 2015.

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Refugiados da Nigéria que fugiram da violência do Boko Haram para o Chade PHILIPPE DESMAZES/AFP

Quando os homens do Boko Haram atacaram a sua aldeia, em Outubro do ano passado, Hawa Jibrie, nome fictício desta mulher de 24 anos, fugiu com os pais e três irmãos para as grutas das montanhas de Mandara, para tentarem chegar à fronteira da Nigéria com os Camarões. Mas foram perseguidos e acabaram por ser capturados, eles e um grupo de aproximadamente cem pessoas.

Os islamistas separaram os homens, levaram alguns para o cativeiro e decapitaram oito, incluindo um irmão de Hawa. Ela virou a cara para não ver. A mãe assistiu e acabaria por morrer nesse mesmo dia. Hawa, tal como a irmã, Esther, acredita que a mãe não resistiu ao choque. As mulheres foram levadas para uma casa. Quando Hawa chorava, batiam-lhe para se calar. Ao cabo de 20 dias conseguiu fugir.

A situação vivida pela família de Hawa – e muitos outros casos igualmente documentados pela Amnistia Internacional – confirma que o muito mediático caso das mais de 200 raparigas de Chibok, raptadas há um ano pelo Boko Haram, que correu mundo mas continua por resolver, está longe de ser um episódio isolado.    

Num relatório divulgado quando passa um ano sobre o rapto de Chibok, a organização de defesa dos direitos humanos, que entrevistou quase 200 testemunhas e vítimas de raptos, incluindo 28 mulheres que conseguiram fugir, recolheu dados sobre 38 casos de raptos colectivos feitos pelo Boko Haram e calcula que o número de mulheres e raparigas nigerianas sequestradas desde o início de 2014 é “sem dúvida superior” a dois mil.

Em meados de Fevereiro de 2015, o exército nigeriano, com o apoio de forças militares dos Camarões, Chade e Níger lançou uma ofensiva que lhe permitiu recuperar o controlo da maior parte das cidades que o grupo tinha ocupado no Nordeste. Milhares de pessoas recuperaram nessa altura a liberdade.

A maior parte das raptadas pelo Boko Haram são mulheres solteiras ou raparigas, forçadas depois a casarem-se com membros do grupo. Servem como cozinheiras, são vítimas de abusos sexuais, em parte dos casos recebem treino para participarem em acções armadas, por vezes contra as suas próprias aldeias, segundo as informações recolhidas pela organização de defesa dos direitos humanos.

“Eu estava num grupo de raparigas treinadas para disparar. Também fui treinada no uso de bombas e no modo de atacar uma aldeia”, contou Aisha Yusuf, 19 anos, raptada num casamento, juntamente com a irmã, a noiva e a irmã desta, em Setembro de 2014, e levadas para um campo de treino em Madagali. Passou ali quatro meses, num campo onde calcula que estivessem umas cem mulheres e 500 combatentes.

A violência sexual é proibida pela sharia, a lei islâmica, mas diversas mulheres entrevistadas pela Amnistia queixaram-se de terem sido vítimas, às escondidas, de abusos de combatentes do Boko Haram. “Fui violada várias vezes quando estava no campo. Às vezes eram cinco. Outras três, outras seis. Aconteceu durante todo aquele tempo. Era sempre à noite... Alguns eram da minha aldeia. Os que já me conheciam eram ainda mais brutos comigo”, contou Aisha, nome também fictício. Conseguiu fugir em Janeiro de 2015, com a ajuda de uma mulher que cozinhava para os islamistas.

Os relatos de violência abundam no relatório. Ainda que não seja possível ter a certeza dos números exactos, são muitos os testemunhos que apontam para a execução sumária de centenas de homens que rejeitam ou hesitam em juntar-se ao Boko Haram. Dois jovens ouvidos por investigadores da Amnistia contaram que, num único dia de Dezembro, quando o grupo tomou Madagali, no estado de Adamawa, terão sido executados pelo menos cem.

A Amnistia calcula que pelo menos 4000 pessoas tenham sido mortas pelo grupo islamista em 2014 e que o mesmo tenha acontecido a 1500 no primeiro trimestre de 2015. Desde o início da sublevação islamista, em 2009, foram mortas mais de 13 mil pessoas na Nigéria. Só entre Janeiro de 2014 e Março de 2015, ataques à bomba atribuídos ao grupo mataram mais de 800 pessoas. O  terror do Boko Haram deu também origem a mais de um milhão de deslocados.

“Estas execuções pavorosas, a violência sexual, o recrutamento de crianças-soldados são crimes de guerra que precisam de ser investigados”, disse, citado pela Reuters, o autor do relatório, Daniel Eyre.

 

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