A regulação em Portugal: uma reflexão adiada?

Estamos melhor com do que sem eles, mas deveríamos estar ainda melhor. São independentes? Os estatutos dizem que sim. Mas são nomeados pelo Governo. E não estão em todos os sectores onde deveriam estar. Ou será que estão em demasiados sectores? Intervêm de mais, ou a menos? As dúvidas sobre o tema da regulação são mais que muitas, mas a reflexão sobre o tema, parece continuar por fazer. Mesmo perante os casos mais recentes.

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Há a “percepção que alguma coisa está errada” no sector dos combustíveis Fernando Veludo/NFactos

“Não há em Portugal um consenso de que precisamos entidades reguladoras fortes, é contrário à nossa cultura de intervenção do Estado na economia e, do ponto de vista político, não interessa nem ao PS nem ao PSD”, diz Nuno Garoupa, economista e professor de Direito da Universidade de Illinois, lembrando que, quase à beira das eleições, não há propostas partidárias sobre os temas da supervisão e regulação.

O economista, presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) olha para a lei-quadro das entidades reguladoras (que abrange a ASF, CMVM, AdC, ERSE, Anacom, ANAC, IMTT, ERSAR, ERS) como o mero cumprimento de uma exigência da troika e diz que se vive, “desde 2005, por decisão política, um progressivo desmantelamento” dos reguladores. “Foi-se criando uma bola de neve de criação de reguladores menos activos e eles acomodaram”, diz. O advogado e professor de Finanças Públicas, Eduardo Paz Ferreira, fala mesmo numa “economia da acomodação” que tem existido e de uma opção por “não criar excessivas tensões”.

Há áreas em que a sua existência “é incontroversa”, como o sector financeiro, as telecomunicações ou a energia. Já a regulação na aviação civil, transportes, saúde e águas e resíduos suscita dúvidas: “São sectores que devem ser acompanhados, mas talvez na esfera da administração pública”, diz Paz Ferreira. Acredita que os reguladores inserem-se “num movimento em que desaparecem a política e a decisão política”. “É evidente que são úteis”, mas podem ser também “uma forma de o Governo se desresponsabilizar”, entregando decisões a “entidades que não estão legitimadas politicamente”, diz o professor de Direito.

Nuno Ruiz, advogado da sociedade Vieira de Almeida (VdA) e especialista em Concorrência e Direito Económico, recorda que a legislação europeia “prevê o ocaso da regulação”. Quando os mercados adquirem carácter concorrencial, “os reguladores sectoriais devem sair de cena e a AdC deve estar mais presente”. Apontando as telecomunicações como um dos exemplos em que “a concorrência é efectiva, mas a regulação subsiste”, o advogado da VdA (que tem como a cliente a PT Portugal) diz que os reguladores sectoriais “têm muitas vezes uma ideia imperfeita da concorrência e da competição” entre empresas e “preocupam-se em resolver pequenas coisas esquecendo-se que essas intervenções já não se justificam e podem ser mais prejudiciais do que positivas”. É nas questões da defesa do consumidor que a actuação tem de ser mais firme, “dado o sistemático desequilíbrio de forças entre os consumidores e os prestadores de serviços”, defende Nuno Ruiz.

Há lugar para todos?
“Arrancaram com força”, mas hoje, “se algumas fossem extintas, os consumidores não sentiriam a diferença”, garante Nuno Garoupa, que entende que a ERSE ou a Anacom poderiam “perfeitamente ser integradas numa AdC reforçada”: de um lado, os núcleos autónomos responsáveis pela regulação técnica, de outro, os juristas e economistas orientados para a protecção do consumidor. A fusão dos reguladores “foi uma reflexão que se fez em Espanha [onde existe um único regulador das telecomunicações, energia, audiovisual, sectores aeroportuário e ferroviário, postal e concorrência] e que aqui fazia falta”, defende.

Já Eduardo Paz Ferreira considera que a supressão das entidades sectoriais “é uma ideia muito simplista e simplificadora”. Áreas como as telecomunicações e energia levantam muitos problemas técnicos que “uma AdC só por si não resolve”, refere. Além de deixar sobre o mesmo chapéu entidades cujas atribuições extravasam em muito os temas da concorrência e consumo, a criação de um ‘super regulador’ obrigaria certamente a repensar o modelo de financiamento da AdC ­­- “uma originalidade” portuguesa, como lhe chama Paz Ferreira -, assegurado por transferências de todos os reguladores sectoriais. “Não deixa de ser estranho porque essas entidades cobram taxas que devem ser equivalentes aos serviços pelas quais são cobradas, mas que na realidade são superiores, como se vê dessa transferência para a AdC”, diz o advogado.

O estranho caso dos combustíveis
Há um sector que não é regulado, mas onde “toda a gente tem a percepção que alguma coisa está errada”, sintetiza Paz Ferreira. O mercado dos combustíveis foi alvo de várias análises pela AdC sem que alguma vez se tenham encontrado indícios de infracção. “É uma discussão muito antiga”, diz Nuno Ruiz, que em 2008 coordenou um estudo que apontava a existência de concertação de preços entre petrolíferas e nos postos de de gasolina. Nuno Garoupa não tem dúvida em nomear a introdução dos placards com preços nas auto-estradas como um dos exemplos em que “a intervenção da AdC foi negativa” e em que os contribuintes acabaram a pagar uma medida que “não serviu para nada”.

Como se medem então os impactos da regulação? A eficácia das medidas? Os custos e benefícios? “Não temos instrumentos, há alguns índices comparativos europeus em que Portugal nunca sai bem”, nota Garoupa. “Em Portugal trabalha-se pouco na avaliação das políticas públicas e da regulação”, lamenta Paz Ferreira. Há um défice de avaliação dos reguladores, mas também de fiscalização, acrescenta o catedrático, notando que “a fiscalização pelo Parlamento é relativamente fraca”.

E quanto à responsabilização? “É completamente inviável impor um modelo de responsabilização e exigência às entidades reguladoras quando este não existe para os agentes políticos”, diz o presidente da FFMS. Nuno Garoupa também critica a facilidade com que se circula entre partidos, sociedades de advogados e empresas de sectores regulados. São áreas muito técnicas, muito especializadas e por isso os reguladores vão buscar as pessoas às empresas. “E a coisa piora quando saem e voltam para as empresas com um grau de conhecimento ainda maior… andamos sempre às voltas”, diz Paz Ferreira. É um tema sobre o qual “nunca haverá descanso”, concorda Nuno Ruiz. Ao nível dos conselhos de administração, o problema só se resolveria se em vez de nomeações pelo Governo, os reguladores fossem escolhidos em “concursos internacionais” em que as competências técnicas dos vencedores fossem inquestionáveis, diz Nuno Garoupa. Quando se vão buscar pessoas de confiança política, “dá-se um mau sinal”. É “uma falácia” pensar-se que “os reguladores não têm ideologia”, nota ainda Eduardo Paz Ferreira, que acha que o facto de a nova lei-quadro impor limitações sobre os vencimentos nestas entidades decorre de “uma obsessão austeritária” que “restringe seriamente a liberdade” das entidades.

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