Ninguém me liga

É deprimente e triste de reconhecer. Uma pessoa escreve, fala, eventualmente diz alguns disparates, mas que raio, sempre vive na ilusão de que é merecedor de alguma atenção. Quando, como é o caso, se constata que o que se opina pouco (ou nenhum) valor tem, o “Eu” ressente-se com essa sensação de inutilidade. Citando de novo, bem dizia um antigo conselheiro do Tribunal Constitucional que eu bem escrevia, mas que ninguém me ligava. Mas eu continuei a teimar, vejo agora, numa atitude ditada pela ilusão, por uma qualquer miragem.

Por falar em inutilidades, entre tantos temas que hoje se podiam abordar – claro está que sem interesse –, como o da dispensa por motivos pessoais dos árbitros de futebol para serem nomeados para os jogos da I e II Ligas, o importante texto de reflexão do Comité Olímpico de Portugal, que viu a luz do dia no passado dia 30 de Março, ou mesmo os novos patamares de violência no futebol europeu e mundial, adiantarei apenas algumas simples frases sobre o recurso que, de acordo com noticiado, o Sporting vai interpor junto do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol. A decisão a impugnar é a do Conselho de Disciplina, da mesma federação, que sancionou o presidente desse clube com um mês de suspensão.

Em breve, este recurso é, como tenho vindo a dizer aqui e acolá, inútil, uma vez que aquele órgão, em todas federações desportivas, já não tem competência para apreciar, em termos amplos, os recursos de decisões do Conselho de Disciplina.

A 6 de Outubro do ano passado defendemos publicamente essa tese, no contexto do “Futebol em Debate” – Conferências do Centenário”, ciclo organizado pela FPF e Faculdade de Motricidade Humana. Um mês depois, aqui mesmo – “Alerta ao desporto federado” –, reafirmámos a nossa leitura. O que está, então, em causa?

Desde logo, um erro grosseiro e grave do Governo. Com a publicação decreto-lei n.º 93/2014, de 23 de Junho – que procedeu à reforma do regime jurídico das federações desportivas –, o Conselho de Justiça, de qualquer federação desportiva, viu as suas competências em matéria disciplinar bem limitadas. Com efeito, desde 21 de Outubro passado que tal órgão é, no domínio disciplinar, unicamente competente para conhecer dos recursos das decisões disciplinares relativas a questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares directamente respeitantes à prática da própria competição desportiva. Não é esse, manifestamente o caso.

Esta solução legal, criticável a diversos títulos, que vai perdurar, mesmo com a entrada em funções do novel Tribunal Arbitral do Desporto, conduziu a um resultado absurdo e que não teria sido difícil acautelar. Com efeito, uma vez que, quando haja TAD, os recursos das decisões do Conselho de Disciplina são para aquele imediatamente recorríveis – sem passar pelo crivo do Conselho de Justiça –, então diga-se isso não só na lei do TAD, mas também no regime jurídico das federações desportivas. Só que, ao agir assim o legislador, conduziu a que, enquanto não existe TAD, e as questões disciplinares permanecem vivas nas federações desportivas, não haja agora possibilidade de recurso interno (nem para o TAD, que ainda não existe). Logo, a interpor recurso, só para os tribunais administrativos. Bastaria, uma norma transitória que acautelasse esta situação.

O que vale é que ninguém me liga, pois hoje não posso jogar mão do fundamento do 1 de Abril. josemeirim@gmail.com

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