Os desafios das low cost para os Açores

O novo modelo de acessibilidades aéreas para os Açores e a entrada das companhias low cost vai gerar importantes impactes sobre o turismo e a economia regional sobre os quais convém reflectir. Os impactos sobre o turismo nos Açores devem ser analisados a vários níveis.

Em primeiro lugar, ao nível da procura e sob o ponto de vista quantitativo, aumentará o número de turistas que chegarão à região. Mas aumentará a procura de transportes aéreos entre os Açores e o exterior (sobretudo Portugal continental) não apenas através da procura actual. As companhias low cost permitem a materialização da procura potencial (pent-up demand), ou seja, dos residentes que antes não podiam viajar, por as tarifas aéreas serem muito elevadas e que agora têm a oportunidade de o fazer.

Ainda do lado da procura e em termos qualitativos, alterar-se-á o perfil do turista. A segmentação será mais difícil, pois virão turistas com perfis muito diversos e com expectativas e necessidades diferentes e que podem desejar usufruir de experiências distintas ao longo da estada. Dar-se-á também uma mudança na composição da procura actual a favor de uma maior percentagem de turistas individuais, ou seja, que viajam sem comprar um pacote e que reservam online, o que considero positivo. Neste âmbito, o Observatório do Turismo dos Açores (OTA) possui uma importante base de dados com a evolução do perfil do turista que nos visita, obtido através de um questionário à satisfação dos turistas que visitam os Açores que será, nas partes comuns, harmonizado com o inquérito implementado pelo Turismo de Portugal ao abrigo de um protocolo de colaboração recentemente assinado pelas duas instituições.

Também a nível do perfil haverá um crescimento do segmento das famílias e grupos de amigos, com reservas online perto da data da partida.

Será, pois, necessário que a oferta turística responda, sobretudo através de estratégias de diferenciação e diversificação quer criando novas tipologias de alojamento, quer através da criação de novas actividades de animação e outros serviços.

A nossa diferenciação deve ser reforçada de acordo com as nossas vantagens comparativas, que não são apenas a natureza, mas a natureza aliada à cultura. Ainda sob o ponto de vista qualitativo, aparecerá a oportunidade de desenvolver novos produtos direccionados, por exemplo, para o segmento de mercado do turismo residencial ou para o mercado de turismo sénior. Mas, para isso, será necessário desenvolver ligações ponta a ponta com vários destinos na Europa, o que, aliás, irá acontecer com o voo semanal Ponta Delgada-Londres da Ryanair.  

 Um outro impacte será a oportunidade de aproveitar os canais de comunicação online à disposição das low cost, que atingem de forma privilegiada uma base muito alargada de potenciais turistas para a RAA. Portanto, a redução nos custos de promoção será óbvia.

As low cost também irão contribuir para mudar a imagem do destino, que ainda é percepcionado como um destino caro em comparação com outros destinos concorrentes, mesmo que só seja caro para clientes individuais.

Existe alguma incerteza sobre os efeitos nos preços do destino. Claro que se o transporte aéreo representava, até agora, uma significativa fatia do pacote para os Açores, a sua redução irá baixar o preço do pacote, embora este já seja, em muitos casos, competitivo para os operadores, que compram em bloco, auferindo de descontos de quantidade. Mas a incerteza reside nos efeitos sobre os preços dos restantes elementos do pacote, ou seja, sobre os preços da oferta no destino.

A este respeito o impacte será diferenciado, consoante a actividade, a tipologia e o horizonte temporal.

Assim, no curto prazo e no caso de uma grande fatia dos clientes dos hotéis dos Açores, que compram pacotes de viagem aos operadores, os preços já foram negociados há algum tempo, pelo que não mudarão nesta próxima estação. Para além disso, existe capacidade de alojamento instalada suficiente para acolher o aumento de turistas e essa capacidade será ampliada quer pela reabertura de certas unidades que trabalham sazonalmente, quer pela oferta paralela, que será de difícil controlo.

A curto prazo, os efeitos sobre os preços far-se-ão sentir sobretudo nas reservas online. No médio prazo o impacte sobre os preços será diferente consoante a tipologia de alojamento. No longo prazo haverá ajustamentos estruturais quer a nível da oferta, quer a nível dos preços, uma vez que não somos competitivos no rácio qualidade-preço.

Um outro tema que merece reflexão é o de saber se a capacidade instalada em termos de alojamento turístico na ilha de São Miguel e nos Açores em geral será suficiente para satisfazer aumentos rápidos na procura.

A este respeito a região necessitará de aumentar a oferta de camas, caso a operação low cost seja uma operação sustentada no médio e longo prazo. Como a elasticidade da oferta de alojamento é reduzida, isso levará algum tempo, pelo que é necessário começar agora. E alguns investimentos em curso provam que os investidores já incorporaram as expectativas criadas pelo novo modelo de acessibilidades aéreas. Assim, prevê-se um aumento de 1267 novas camas na ilha de São Miguel.

Em termos de desenvolvimento sustentável, as companhias low cost também lançam um desafio a um destino de natureza, como é o caso dos Açores, com ecossistemas frágeis.  Caso se dê um crescimento exponencial da procura, este não será instantâneo, o que dará margem às entidades responsáveis pelo turismo regional de implementarem políticas mais eficazes de gestão dos sítios visitados mais vulneráveis.

Por outro lado, actualmente uma fatia dos passageiros transportados pelas low cost provenientes de países desenvolvidos já possuem uma elevada consciência ambiental.

Atento às implicações deste novo cenário para o turismo regional, o Observatório do Turismo dos Açores pretende desenvolver um projecto de monitorização das low cost na região em parceria e ao abrigo de um protocolo de cooperação assinado com a ANA, Aeroportos de Portugal e com a participação de investigadores da Universidade dos Açores.

Concluindo, é um desafio para todos os parceiros (stakeholders) do destino, que é estimulante e que deve ser agarrado por todos, numa estratégia concertada de concorrência acompanhada de cooperação, pois os diferentes pontos de vista concorrentes devem ser discutidos numa ampla colaboração, com vista a atingir consensos.

Presidente do Observatório do Turismo dos Açores

Sugerir correcção
Comentar