PS diz que faltam meios na protecção de crianças, Governo promete reforço

No dia em que Mota Soares foi ao Parlamento, a deputada Idália Serrão denunciou as mais recentes orientações da Segurança Social: as CPCJ serão reforçadas com um técnico de apoio quando tenham mais de 300 processos de crianças. Até agora, garante, o apoio-extra chegava quando tinham 150.

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Comissões de menores dizem que não têm técnicos em número suficiente para lidar com processos de crianças Enric-Vives Rubio

O ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, Mota Soares, disse nesta quarta-feira, no Parlamento, que o Governo vai reforçar as comissões de protecção de crianças e jovens (CPCJ). E que há verbas para isso. Já Idália Serrão e Catarina Marcelino, deputadas do PS, disponibilizaram aos jornalistas um documento que, explicaram, atesta como as CPCJ estão a perder recursos para trabalhar.

No documento intitulado Critérios de disponibilização dos representantes e dos técnicos de apoio do Instituto de Segurança Social para o trabalho das comissões de protecção de crianças e jovens, que tem a chancela do ISS, lê-se que cada CPCJ pode contar com um técnico de apoio a tempo inteiro, quando tenha mais de 300 processos e com dois técnicos de apoio, quando tenha mais de 501. Havendo mais de 700 processos activos, podem ser três. As orientações, que admitem que possa haver “especificidades locais” que excepcionalmente “justifiquem soluções mais individualizadas”, foram emitidas para vigorar este ano nas 278 CPCJ existentes no continente. Idália Serrão garante que, até agora, os números eram outros.

O reforço com técnicos de apoio existia a partir do momento em que as comissões tinham para gerir mais de 150 processos de crianças em risco, afirma a deputada. Ou seja, cada técnico passa a ter muito mais processos a seu cargo. Questionado pelo PÚBLICO sobre o assunto, o ISS não respondeu.

A deputada, ex-secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação do PS, diz que a situação que se vive é de grande dificuldade. “Um técnico com 300, 500 processos? Que tem de falar com as famílias? Sinalizar as situações? Articular com o Ministério Público?...”

Garante, em declarações ao PÚBLICO, que o cenário descrito pelas CPCJ suscita muita preocupação. Na terça-feira, o presidente da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, Armando Leandro, ouvido na Comissão de Segurança Social e Trabalho, do Parlamento, e citado pela Lusa, também tinha deixado um alerta: “Neste momento não há possibilidade real de aumento de técnicos em número suficiente. Esta é uma realidade.”

Um dia depois, na mesma Comissão de Segurança Social e Trabalho, Mota Soares assegurou que o Governo vai reforçar as CPCJ. No âmbito dos fundos do Europa 2020 haverá 12,6 milhões de euros para “capacitação de técnicos das CPCJ e 9,1 milhões de euros para a qualificação do apoio institucional” a crianças e jovens em risco, declarou Mota Soares nesta quarta-feira.

Pretende também reforçar a rede de centros de apoio e aconselhamento parental, através de acordos de cooperação, sobretudo nos distritos onde as CPCJ têm mais processos de famílias a seu cargo, nomeadamente em Lisboa e Setúbal, disse o ministro.

71 mil crianças
As CPCJ têm necessariamente representantes do município e da Segurança Social e incluem ainda elementos do Ministério da Educação, instituições particulares de solidariedade e serviços de saúde. A maior parte dos elementos que integram a chamada “comissão restrita” das CPCJ (assim se designa o grupo de pessoas a quem compete intervir nas situações em que uma criança ou jovem está em perigo) estão lá a tempo parcial (cerca de 80%, segundo dados de 2013). Perto de metade exercem funções até sete horas por semana. Em 2013 as comissões restritas integravam 2565 elementos — qualquer coisa como nove por cada CPCJ.

O Relatório Anual de Avaliação da Actividade das CPCJ mostra que em 2013 estas estruturas lidaram com cerca de 71.567 crianças (mais 2560 do que em 2012). Uma parte dos processos (perto de 34 mil) vinha do ano anterior e 30.344 foram instaurados ao longo do ano. A 31 de Dezembro, continuavam activos mais de 37 mil. As comissões de Amadora, Sintra Oriental e Loures eram as que tinham mais (mais de 1500 cada).

Mota Soares garantiu no Parlamento que a representação da Segurança Social está devidamente assegurada: “Hoje o tempo de afectação dos representantes legais da Segurança Social é superior em 1287 horas face a 2011.” E reiterou a importância de estas estruturas serem pluridisciplinares.

Idália Serrão considera “uma contradição” o ministério ir agora formar pessoas para reforçar as comissões quando “em 2010 houve um concurso e formação de centenas de horas a 153 técnicos da Segurança Social, para trabalharem nas CPCJ”. A maior parte, nota, foram depois deslocados para outros serviços da Segurança Social”. Neste momento, “restam, desses 153, apenas 34 nas CPCJ”.

CPCJ preparam reunião
A deputada diz que todos os dias recebe queixas de quem no terreno tem de lidar com casos muito complicados de crianças e famílias. E diz que algumas CPCJ estão mesmo a organizar um encontro nacional para debater os problemas. “O ISS emitiu entretanto uma nota interna onde proíbe os técnicos da Segurança Social de participar nessa reunião” denuncia. Também sobre esta questão questionado pelo PÚBLICO o ISS não se pronunciou.

O PS marcou entretanto um debate de urgência no Parlamento sobre a situação das CPCJ que já foi agendado para 16 de Abril. Nestes debates deve estar presente um membro do Governo.

Na comissão parlamentar, Mota Soares anunciou ainda que o trabalho das duas comissões criadas em 2014 pelo Governo para rever o sistema de promoção e protecção das crianças e jovens em risco e o regime jurídico da adopção já está concluído. As conclusões deste trabalho permitirão que o Parlamento e o Governo possam avançar com a revisão da legislação existente, disse: “Uma primeira medida passa, inequivocamente, por dotar a Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em risco de autonomia financeira.”

Tal como já havia anunciado no Parlamento, no ano passado, Mota Soares disse também que vai ser compilada toda a legislação para criar um regime único do processo de adopção para acelerar todo o procedimento. “Queremos melhorar” todos os mecanismos da adopção “para que sejam mais lestos, para que não durem, preferencialmente, mais do que um ano na instrução do processo”. O Governo pretende, de resto, “instituir o acompanhamento pós-adopção, como recurso facultativo”. O ministro sublinhou que este é um apoio “que muitas famílias adoptivas reclamam”.

Mota Soares afirmou ainda que o Governo desenvolveu um programa de prevenção e capacitação das famílias em situação de vulnerabilidade, denominado “parentalidade positiva”, de modo a acautelar eventuais situações de risco para as crianças e jovens. Este programa tem também “cobertura financeira no novo quadro comunitário”.

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