Prémio Bial de Medicina Clínica para uma década de estudos dos malefícios do sal

Trabalho começou há dez anos e permitiu obter uma visão precisa do excesso de consumo de sal em Portugal, das suas fontes alimentares e da sua relação com as doenças cardiovasculares.

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O médico e investigador Jorge Polónia liderou o trabalho premiado DR

Para Jorge Polónia, médico e investigador da Universidade do Porto, o excessivo consumo de sal pelos portugueses pode ser visto como um problema de toxicodependência. Por duas razões, como explicou ao PÚBLICO: “Porque é tóxico (provoca lesões em vários órgãos) e porque dá dependência (cria euforia tal como o açúcar)”.

Jorge Polónia e colegas – Luis Martins, da Universidade Fernando Pessoa do Porto; Jorge Cotter, da Universidade do Minho; Fernando Pinto, do Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga; e José Nazaré, do Hospital Egas Moniz de Lisboa – recebem este ano o prémio Bial de Medicina Clínica (de um montante de 100.000 euros), pelo seus estudos pioneiros, ao longo de uma década, da “problemática do sal em Portugal”, que lhes permitiram avaliar o consumo de sal no país, as suas principais fontes alimentares, a sua relação com as doenças cardiovasculares e o impacto das políticas de saúde.

“Até há dez anos, ninguém sabia quanto sal se comia em Portugal”, diz-nos Jorge Polónia. Ou quanto sal comiam as crianças portuguesas. Mas graças ao trabalho da equipa, que realizou medições do sal na urina das pessoas, já sabemos: em média, 10,7 gramas por dia por adulto e 7,9 gramas por dia por criança entre os 10 e os 12 anos. “É o dobro [do máximo] recomendado pela Organização Mundial da Saúde, que é de 5 gramas por dia para os adultos e de menos de 3,5 gramas por dia para as crianças”, salienta. Pior ainda: “No nosso estudo dos adultos, só 4,4% consumiam sal dentro do recomendado e no estudo das crianças só 9,3% consumiam sal dentro do recomendado.”

Para além da sua ligação à hipertensão, sabe-se hoje, diz Jorge Polónia, que o sal tem um efeito danoso, independente da pressão arterial, sobre o coração, os vasos, os rins e sobretudo o cérebro. “Também comprovámos, ao fim de 12 anos, que quem comia mais de 11 gramas de sal por dia multiplicava por 3,4 o seu risco de acidente vascular cerebral [AVC]”, frisa Jorge Polónia. O AVC é a principal causa de morte em Portugal e “está provado que esta patologia é a que está mais relacionada com o sal”, salienta.

Este trabalho também permitiu determinar as principais fontes alimentares de sal na dieta dos portugueses, explica a Fundação Bial. Percebeu-se assim que o caso português é particular. “Ao contrário do que acontece lá fora, onde o sal provêm sobretudo dos alimentos já processados, em Portugal 20% do sal ingerido é sal que as pessoas adicionam na comida e 25% provém do pão, dos enchidos e do queijo”, diz Jorge Polónia. E resume numa frase a situação: “O consumo de sal em Portugal é maior, o veículo do sal é diferente e morremos de AVC.”

Contudo, a situação tem melhorado. E uma das razões desta evolução – “graças ao nosso trabalho, cujo grande impulsionador foi a Sociedade Portuguesa de Hipertensão”, frisa Jorge Polónia –, foi a nova lei do pão, que entrou em vigor em 2010. Uma lei “pioneira na Europa” que, num ano e meio, fez com que os padeiros reduzissem o teor de sal do pão. 

“Em dez anos, a mortalidade por AVC em Portugal diminuiu 43%”, diz ainda Jorge Polónia. “Um estudo nosso de 2014 mostrou que aconteceram duas coisas: a pressão arterial média da população portuguesa desceu 12 milímetros de mercúrio e houve uma redução média de 1,7 gramas do consumo de sal em relação aos 10 anos anteriores.” Segundo ele, a descida da pressão arterial explica 29% da redução dos casos anuais de AVC e a redução do consumo de sal 14%.

“Daqui para a frente, as autoridades de saúde têm todos os elementos para poder actuar. Se conseguirmos reduzir a ingestão média de sal em três gramas por dia, vamos provavelmente conseguir uma redução de 9% dos casos de AVC por ano e evitar 2035 mortes por ano por doenças cardiovasculares”, conclui. “Esta é de longe a medida de saúde pública com mais impacto potencial na vida dos portugueses.”
 

   

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