Sem medicamentos e sem água, a situação no Iémen é “catastrófica”

Apenas um avião com pessoal médico chegou a Sanaa. Cruz Vermelha aguarda autorização para enviar equipamento. Combates já fizeram cem mil deslocados.

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As crianças estão a pagar um "preço intolerável" pela violência no Iémen, diz a UNICEF Mohammed Huwais / AFP

Multiplicam-se os apelos para que a ajuda humanitária chegue ao Iémen à medida que a situação no terreno se agrava. Estima-se que cem mil pessoas já tenham sido obrigadas a abandonar as suas casas, para fugir aos bombardeamentos aéreos.

Falta quase tudo nas cidades do Iémen sujeitas aos ataques aéreos da coligação árabe, liderada pela Arábia Saudita, que tenta travar a expansão dos rebeldes xiitas huthis. Mesmo em tempos de paz, o Iémen apresentava graves carências, sobretudo no acesso à água – que chega a apenas 55% da população. Agora, cidades como Áden – um importante porto no Sul do país – podem ver-se privadas totalmente de água, alerta a ONU.

Também o acesso a cuidados de saúde está gravemente limitado. “Os hospitais estão sob uma crescente pressão enquanto lutam para gerir um número massivo de baixas com equipamento insuficiente e com alguns hospitais e instalações clínicas a serem atacadas”, descreve a UNICEF. Fala-se igualmente de falta de comida e de combustível nas zonas mais afectadas.

Mais de cem mil pessoas já terão fugido das suas casas, mulheres e crianças na sua maioria, de acordo com a agência das Nações Unidas. Com a intensificação dos combates e dos bombardeamentos, a UNICEF alerta para o “preço intolerável” que está a ser pago pelos mais frágeis, sobretudo as crianças. “Estão a ser mortas, mutiladas e forçadas a fugir das suas casas, a sua saúde está ameaçada e a sua educação interrompida. Estas crianças devem ter imediatamente um respeito e protecção especial por todas as partes do conflito, em linha com o direito humanitário internacional”, disse a representante da UNICEF para o Iémen, Julien Harneis. Calcula-se que tenham sido mortas 74 crianças nas últimas duas semanas e que 44 tenham ficado mutiladas. No entanto, a agência avisa que a estimativa é “conservadora” e acredita que o número real pode ser muito mais elevado. Um outro balanço da ONU apontava para cerca de 90 crianças mortas. Ao todo, já morreram mais de 500 pessoas desde que os raides começaram.

A intervenção saudita, acompanhada de outros nove países da região, foi iniciada a 26 de Março para impedir a progressão dos rebeldes huthis, que tomaram a capital do Iémen, Sanaa, e ameaçavam Áden. O objectivo é repor a autoridade do Presidente reconhecido internacionalmente, Abdu Mansour Hadi, que se refugiou em Riad. No entanto, para a Arábia Saudita trata-se também de travar o aumento da influência do Irão, o seu principal rival pela hegemonia regional, que considera estar a apoiar o movimento insurgente.

A Cruz Vermelha tenta há já vários dias fazer chegar dois aviões com material e pessoal médico à capital do Iémen, Sanaa. Dificuldades em contratar uma companhia aérea obrigaram a um adiamento no início da semana. Esta terça-feira, um avião com pessoal médico conseguiu chegar ao país, mas o transporte de equipamento continua por solucionar. No sábado, o Conselho de Segurança da ONU debateu uma proposta para implementar uma “pausa humanitária” nos bombardeamentos, mas nada ficou decidido.

Um avião foi carregado com 16 toneladas de ajuda médica na Jordânia e, segundo a Cruz Vermelha, deve chegar a Sanaa esta quarta-feira. No dia seguinte, será a vez de um segundo carregamento, que inclui tendas e geradores de energia, proveniente de Genebra.

Para Áden está prevista a chegada por via marítima de um grupo de cirurgiões e de pessoal da organização Médicos Sem Fronteiras, mas ainda se aguardava a emissão de uma autorização. Nesta cidade portuária, que tem sido palco de violentos confrontos, “a situação é catastrófica”, disse a porta-voz do Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV), Marie-Claire Feghali. Os MSF dizem, por sua vez, que o cenário da cidade "piora de dia para dia".

Para além dos raides aéreos sobre a cidade portuária, nas ruas também se luta pelo controlo desta cidade de grande importância estratégica. Os huthis – uma tribo da facção ziadista do ramo xiita do Islão – têm forte implantação no Norte do Iémen e, no Sul, encontram uma resistência generalizada, fruto também de um grande desejo de independência desta região – que era a situação vivida até à unificação em 1990. Por tudo isto, ao lado das milícias pró-governamentais combatem grupos separatistas, uma aliança de conveniência face ao inimigo comum.

Os combates no Sul fizeram mais de 140 mortos nos últimos dois dias, entre os quais 17 civis, segundo a AFP. A maioria dos 800 mil habitantes de Áden “não consegue sequer fugir”, disse a porta-voz do CICV. “Os cadáveres permanecem abandonados na rua, as pessoas não conseguem aventurar-se para os retirar.”
 

   

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