Centros de saúde com atendimento permanente caíram de 276 para 94 em dez anos

Dados do INE marcam Dia Mundial da Saúde. Presidente do Conselho Nacional para a Qualidade em Saúde considera que a quebra não é necessariamente um problema, desde que os cuidados primários consigam dar mais respostas com consultas no próprio dia.

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Em 2012 os centros de saúde fizeram um total de 26,3 milhões de consultas Rui Gaudêncio

Em dez anos o número de centros de saúde em todo o país manteve-se estável, mas as valências proporcionadas aos utentes mudaram: se em 2002 cerca de 70% destas unidades dispunham de um serviço de atendimento permanente (SAP), em 2012 eram apenas 24% que contavam com esta possibilidade ou com o chamado serviço de urgência básica (SUB), entretanto criado em 2008. Também os centros de saúde com capacidade de internamento caíram de 20% para menos de 5% no mesmo período, indicam os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). O presidente do Conselho Nacional para a Qualidade em Saúde, Luís Campos, explica, contudo, que “esta quebra não é necessariamente má”. Mas reconhece que a reforma dos cuidados de saúde primários peca por algumas assimetrias.

Os dados divulgados pelo INE para marcar o Dia Mundial da Saúde, que se assinala na terça-feira, mostram que em 2012 existiam 387 centros de saúde em Portugal, contando 94 com urgência básica ou com atendimento permanente. Em 2002 eram 391 centros de saúde, com um total de 276 a oferecerem um serviço de atendimento permanente. Luís Campos, que é também autor do Roteiro de Intervenção em Cuidados de Emergência e Urgência, apresentado no final de 2014, no âmbito de uma avaliação do Plano Nacional de Saúde, em declarações ao PÚBLICO, sublinha que o encerramento dos SAP foi programado e aconteceu depois de se ter “desmistificado a ideia de que estes serviços eram uma urgência e se percebeu que não tinham condições para funcionar só com um médico”.

Depois, salienta que surgiram em 2008 os SUB, esses sim já com condições para dar resposta e com o objectivo de colocar as populações a pelo menos 30 minutos de uma unidade pública de saúde com este tipo de resposta. Para o médico, o único problema está quando o encerramento destes atendimentos prolongados não se traduziu na utilização dos recursos para assegurar consultas céleres para problemas agudos, o que acaba por levar a que os cidadãos recorram às urgências de forma indevida quando não conseguem uma resposta no próprio dia. O documento que publicou concluía que, em Portugal, 40% dos casos podiam ser resolvidos nos cuidados primários.

“Quando as pessoas se dirigem [a um hospital] sem precisarem isso traduz-se num desperdício de recursos”, diz o também vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna. Aqui, Luís Campos reconhece que ainda há muitas assimetrias nacionais, com vantagem para os utentes que são seguidos nas unidades de saúde familiar, que na prática são centros de saúde com uma maior aposta em indicadores e num acompanhamento mais personalizado. Só que como os centros de saúde tradicionais só passam a ser unidades de saúde familiar por concurso voluntário, nos últimos anos houve uma estagnação na evolução e, consecutivamente, no tipo de resposta.

Mesmo assim, para o médico faz sentido os serviços adaptarem-se à procura, como aconteceu neste Inverno com as administrações regionais de saúde a estenderam o horário de funcionamento em alguns centros para dar resposta ao pico da gripe que entupiu os hospitais e gerou o caos. Porém, Luís Campos considera que estas medidas só são verdadeiramente eficazes se acompanhadas por reforço dos meios complementares de diagnóstico e por campanhas de saúde que eduquem os cidadãos para a necessidade de recorrerem ao sítio certo e saberem que o mesmo está pronto a dar uma resposta.

Os dados do INE indicam ainda que mesma década se registou “uma redução do número de consultas, todavia de menor dimensão”. Os números relativos a 2012 contabilizam um total de 26,3 milhões de consultas médicas nos centros de saúde, o que representa menos 2,3 milhões de consultas do que em 2002 – o que corresponde a uma quebra de 8,3%. “A redução no número de consultas médicas foi, apesar de tudo, bem menos acentuada do que a verificada nos atendimentos de urgência e nos internamentos. No último ano em análise, os centros de saúde efectuaram 1,6 milhões de atendimentos nos SUB ou SAP, ou seja, menos 75% do que em 2002, e cerca de 4 mil internamentos, menos 82% do que em 2002”, destaca o INE.

No sentido contrário, no que diz respeito aos hospitais, o número de consultas médicas no âmbito da consulta externa aumentou continuamente entre 2002 e 2013, passando de 9,8 milhões para 17,6 milhões de consultas. “Esta tendência é comum aos hospitais oficiais e privados, embora mais evidenciada no caso dos privados. Em 2002, estes hospitais asseguraram 16,5% do total de consultas médicas realizadas no âmbito da consulta externa dos hospitais portugueses (cerca de 1,6 milhões de consultas), enquanto em 2013 foram responsáveis por 29% (cerca de 5,1 milhões de consultas)”, aponta o INE.

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