PS pede ao TC que fiscalize concessão da Metro de Lisboa e Carris

Socialistas dizem que os diplomas que estabelecem o quadro jurídico das concessões, em vigor desde Dezembro do ano passado, são inconstitucionais.

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BE reuniu com Sindicatos dos Trabalhadores do Metro de Lisboa Foto: Joana Freitas / Arquivo

No pedido de fiscalização sucessiva entregue nesta segunda-feira ao Tribunal Constitucional (TC), os deputados socialistas dizem que os diplomas violam dois princípios fundamentais: a competência legislativa do Parlamento em matéria de autarquias locais e a redução injustificada das suas atribuições e competências.

"Consideramos que o Governo violou o princípio da reserva relativa de competência legislativa, legislando sem ter autorização legislativa da Assembleia da República. Ao mesmo tempo, o Governo violou o princípio [constitucional] que proíbe uma redução injustificada das atribuições e competências das autarquias locais", denunciou o deputado socialista, Rui Paulo Figueiredo, citado pela Lusa.

De acordo com o pedido assinado por 29 deputados socialistas – aparecendo à cabeça o líder da bancada parlamentar, Eduardo Ferro Rodrigues – o problema reside no artigo 5º do decreto-lei 174/2014 e no artigo 8º do decreto-lei 175/2014.

Tanto num caso como no outro, o Estado assume-se como concedente da Carris e da Metro de Lisboa. Ora para o PS, qualquer alteração da entidade concedente, que até então era a Câmara de Lisboa, teria de passar pelo Parlamento.

“Seria certamente possível que a Assembleia da República alterasse, por sua iniciativa (…) a titularidade da posição jurídica de concedente (…) e seria certamente possível que o Governo o tivesse feito por intermédio de decreto-lei autorizado nos termos de autorização legislativa que tivesse solicitado à Assembleia da República”, referem os deputados socialistas no pedido enviado ao TC.

Porém, acrescentam, “o Governo não solicitou qualquer autorização legislativa para modificar o estatuto das autarquias locais” e, por isso, os artigos incorrem em “inconstitucionalidade orgânica”, porque alteram as atribuições municipais, neste caso da Câmara de Lisboa, em matéria de transportes urbano de passageiros, “ao transferir implicitamente para o Estado a posição de concedente” nos contratos assinados em 1973 (no caso da Carris) e em 1949 (no caso da Metro de Lisboa).

O PS defende que o Governo está a violar o artigo 165º da Constituição da República, que estabelece as matérias em relação às quais é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar.

Além disso, defende que os diplomas violam também o princípio da redução das atribuições das autarquias locais (artigos 235º e 237º da Constituição). “A definição do Estado como concedente (…) representa, de facto, a ablação das atribuições da Câmara de Lisboa” em matéria de transporte urbano de superfície e em sistema de metropolitano.

O PS entende ainda que, mesmo que a alteração da concedente fosse legal, o Governo deveria ter pedido autorização ao município ou deveria ter uma autorização do Parlamento para legislar relativamente ao uso de bens de domínio público, nomeadamente o uso da via pública, passeios, entre outros, para a execução das concessões da Carris e da Metro.

PS rejeita estar a fazer "manobras dilatórias"
Durante uma conferência de imprensa, no Parlamento, o deputado Rui Paulo Figueiredo recusou que o pedido de intervenção do TC seja uma forma de travar até ao final da legislatura a concessão a privados dos transportes públicos.

"Se quiséssemos fazer manobras dilatórias, tínhamos outros mecanismos. O PS considera que estão esgotadas todas as vias de diálogo. Houve um momento para dialogar e para procurar soluções – e o PS, no Parlamento ou na Câmara Municipal de Lisboa, deu todas as oportunidades ao Governo para dialogar. A Câmara de Lisboa esteve sentada à mesa com o Governo, tudo parecia até bem encaminhado, mas o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, travou qualquer intenção de acordo", justificou o deputado socialista à Lusa.

Ou seja, segundo Rui Paulo Figueiredo, o PS entende que a legislação "é clara" e, portanto, "esgotadas todas as tentativas de diálogo, sempre com o Governo a fechar a porta, resta recorrer aos mecanismos jurídicos".

"Perante os diplomas do Governo, o PS já tinha requerido a apreciação parlamentar. O Governo legisla mal, tem uma obsessão privatizadora, não escuta os partidos da oposição e não dialoga com as autarquias. Aliás, a Câmara Municipal de Lisboa já anunciou que vai impugnar os concursos" para a concessão do Metro e da Carris, advertiu também o dirigente socialista.

Ainda de acordo com Rui Paulo Figueiredo, "de forma ilegítima, o Governo está a aproveitar os últimos meses do seu mandato para acelerar os processos de privatização". "Está a lançar o caos no sector dos transportes, com graves consequências em termos de mobilidade. Por isso, estamos a assistir a sucessivas greves e contestações", referiu numa alusão às paralisações na CP e em outras empresas públicas de transportes.

O pedido de fiscalização do PS surge depois de António Costa, secretário-geral do partido, ter dito, ainda enquanto presidente da Câmara Municipal de Lisboa, que iria recorrer a todos os meios legais para travar a subconcessão das duas empresas.

Na semana passada, na última reunião da Assembleia Municipal de Lisboa em que participou como líder da autarquia, o município anunciou que iria interpor “nos próximos dias” uma acção para impugnar a resolução do Conselho de Ministros que deu o tiro de partida aos concursos.

Os trabalhadores das duas empresas também têm protestado contra a intenção do Governo, tendo agendado uma greve conjunta para a próxima sexta-feira, 10 de Abril.

Governo tenta acelerar concursos
Os decretos-lei que o PS pretende que o TC fiscalize vieram estabelecer o quadro jurídico das concessões da Carris e da Metro de Lisboa, tendo-se seguido, no final de Fevereiro, a aprovação em Conselho de Ministros do “início do processo de abertura ao mercado da exploração dos serviços públicos” prestados pela Carris e pela Metro de Lisboa. A resolução, publicada a 6 de Março em Diário da República, selou o arranque da operação, embora o concurso só tenha sido aberto no final do mês passado.

A subconcessão das duas empresas, que se seguiu a um processo semelhante para a Metro do Porto e STCP (cuja exploração foi adjudicada este ano ao consórcio catalão TMB/Moventis, o único candidato), já tinha sido anunciada pelo actual Governo em Novembro de 2011, quando entregou à troika um plano estratégico dos transportes que continha esta medida.

A intenção foi sendo sucessivamente adiada, mas o executivo fixou como objectivo encerrar este dossier até ao final da legislatura.

No caso da Metro de Lisboa e da Carris, os interessados têm até 15 de Maio para fazer uma oferta e a meta é escolher um vencedor até ao final de Julho, ainda a tempo de concluir a operação antes das eleições legislativas agendadas para o próximo Outono.

Uma das bandeiras do Governo para defender a subconcessão dos transportes públicos tem sido as poupanças a obter, nomeadamente com a eliminação das indemnizações compensatórias. Incluindo a Metro do Porto e a STCP, a redução de despesa está estimada em 320 milhões de euros.

Ao contrário o que acontece com a fiscalização preventiva de uma norma (em que os juízes têm 25 dias para dar o seu veredicto, prazo que pode ser encurtado pelo Presidente da República, por motivo de urgência), o Tribunal Constitucional não tem prazo para tomar uma decisão neste caso.

Caso as normas venham a ser declaradas inconstitucionais, essa decisão produz efeitos desde a sua entrada em vigor. Por razões de segurança jurídica, de equidade ou interesse público de excepcional relevo, o TC pode fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito. 

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