Quando Mastroianni encontrou o “monumento” e Piccoli se divertiu como uma criança

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Com Michel Piccoli em Cannes, em 2001 Eric Gaillard/AFP

“Talvez vocês portugueses não o saibam, mas este homem é conhecido a nível internacional”, dizia em 1996 Marcello Mastroianni. Em Viagem ao Princípio do Mundo “evidentemente” ele interpretava “o Sr. De Oliveira”. “É curioso constatar que, de facto, tanto o Manoel como eu mantemos muito profundamente o nosso lado criança. E divertimo-nos ambos com esse lado infantil”, contou, por sua vez, Michel Piccoli, que se divertira assim com Buñuel.

Dois depoimentos

Marcello Mastroianni

- “Manoel de Oliveira é uma espécie de monumento. Talvez vocês, portugueses, não o saibam, mas este homem é conhecido a nível internacional. Ele faz um cinema muito especial e foi isso que me interessou [para entrar em ‘Viagem ao Princípio do Mundo’]: fazer algo que não seja habitual, que não seja sempre a mesma ‘sopa’, como se diz; mudar de gosto, de qualidade. Este homem interessa-me também porque tem uma vitalidade... Às vezes, quase sinto que poderia ser pai dele, apesar de ele ser um senhor de 88 anos. Sabe que é difícil, nesta idade, manter o sentido do humor. Mas ele está sempre pleno de vitalidade.”

- “[Em ‘Viagem ao Princípio do Mundo’], evidentemente sou o Sr. De Oliveira, mesmo que seja mais jovem que ele. Mas não se trata tanto de uma coisa autobiográfica, é uma história inspirada numa parte da sua vida. Mas eu poderia ser não importa quem. Aqui, não se trata de imitar o realizador, como eu o fazia nos filmes de Fellini: vestir-me, andar de uma certa maneira, dizer certas coisas. [Em ‘Viagem ao Princípio do Mundo’], eu (também) sou Mastroianni, e aquilo que ele [o personagem Manoel] conta, eu também podia contar. É algo que diz respeito a todos os homens de uma certa idade, que revivem de uma certa maneira aquilo que foi a sua juventude.”

- “Oliveira [ao contrário de Antonioni], tem uma relação muito calorosa com os seus actores. Sente-se a jovialidade, a felicidade que ele tem. (…) Antonioni é como um grande cirurgião. Ele opera-nos, é muito científico. Oliveira, ao contrário, é alguém muito vivo quando trabalha.”

(Excerto de entrevista no “Público” de 13 de Outubro de 1996)

Michel Piccoli

- “Há em Manoel de Oliveira uma infância que continua bem viva. (…) É curioso constatar que, de facto, tanto o Manoel como eu mantemos muito profundamente o nosso lado criança. E divertimo-nos ambos com esse lado infantil. Com o Buñuel, sempre que eu lhe escrevia, terminava assim: ‘Sem respeito’. Com o Manoel está fora de questão eu escrever isso no final de uma carta. Não seria correcto nem honesto. Mas talvez escrevesse: ‘Espero a sua resposta e o seu respeito’.”

- “Manoel de Oliveira é uma pessoa completamente apaixonada pela sua arte, pelo cinema. Mas é alguém que viveu muitas outras coisas na sua vida. Não foi ele agricultor, não foi ele um grande desportista, não foi ele um estudante aplicado – ou terá sido, antes, um estudante-farsante? Não sei. Ele tem várias vidas.”

- “Eu tenho a sorte de me ter tornado um amigo muito íntimo do Manoel, muito para além da simples relação realizador-actor. Toda a gente vê Manoel de Oliveira como um grande intelectual do cinema – e ele é-o. Mas é também um grande farsante. E tem uma elegância, uma sabedoria de viver que é muito secreta. Ele nunca fala dele próprio. Gosta de contar histórias. Tem uma vida de cineasta atribulada: começou muito jovem e depois passou por um grande silêncio. É um homem de que toda a gente conhece a idade, mas ninguém acredita. Manoel é de tal modo farsante que nos podemos perguntar se a sua idade não é inventada.”

- “[O que é que vai ficar da obra do Manoel de Oliveira]? Todos os seus filmes. Um pouco como com Buñuel. Não podemos dizer: Buñuel fez tal filme e depois um outro, que é muito belo. Não. Eles são criadores, que, ao mesmo tempo, são inventores do cinema. Não são apenas criadores de ilusões.”

(Excerto de entrevista no Público/ Suplemento Ípsilon, de 6 de Julho de 2007)

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