Guiné-Conacri instaura “emergência sanitária reforçada” contra o ébola

Serra Leoa terminou neste domingo a recolha obrigatória de três dias e Libéria apela à abstinência sexual para impedir transmissão do vírus.

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Trabalhador da Cruz Vermelha desinfecta os pés das crianças com lixívia, na Guiné-Conacri, para evitar a propagação do ébola Misha Hussain/Reuters

Na recta final para pôr fim à epidemia de ébola, que assola a África Ocidental há meses, a Guiné-Conacri instaurou neste domingo a “emergência sanitária reforçada” em cinco dos 33 departamentos do país, durante 45 dias.

“Hoje, a cartografia da epidemia deslocou-se para o litoral no Norte do país”, declarou no domingo Alpha Condé, Presidente da Guiné-Conacri, numa mensagem à nação difundida pela comunicação social. “Nessas zonas densamente povoadas, a epidemia representa um risco real para a saúde da nossa nação. Por isso, declaro a emergência sanitária reforçada para os departamentos de Forécariah, Coyah, Dubrékaa, Boffa e Kindia durante um período de 45 dias”, afirmou, citado pela agência noticiosa AFP.

O ébola é um vírus hemorrágico endémico em África, com um hospedeiro natural na natureza, que pode ser uma ou várias espécies de morcegos frugívoros, ainda que não haja certezas disso. Entre as pessoas, o vírus transmite-se pelo contacto com os fluídos de uma pessoa infectada, e causa uma mortalidade superior a 50%. Ainda não existe um tratamento ou uma vacina comerciais contra esta doença, apesar de haver muitas vacinas potenciais em testes.

Foi no Sul da Guiné-Conacri que surgiram os primeiros casos de ébola da actual epidemia, em Dezembro de 2013. Mas o surto só começou a chamar atenção a partir de Março de 2014, quando foi declarado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Na Libéria, os primeiros casos surgiram no final de Março e só em Maio é que a epidemia chegou à Serra Leoa. A 8 de Agosto, a OMS declarou que a epidemia era uma emergência de saúde pública de âmbito internacional.  O vírus chegou ainda aos Estados Unidos, à Espanha, ao Mali, à Nigéria, ao Reino Unido e ao Senegal, onde foi controlado.

Desde o início, a epidemia já fez 10.326 mortos das 24.907 pessoas infectadas, segundo o relatório mais recente da OMS, de 25 de Março. No documento eram reportados 79 novos casos descobertos na última semana – 45 na Guiné-Conacri, 33 na Serra Leoa e um na Libéria –, o menor número de 2015.

Além dos cinco departamentos mencionados pelo Presidente da Guiné-Conacri, a capital é outra região que ainda regista muitos casos. “Em Conacri, medidas rigorosas vão também ser tomadas para reforçar a vigilância nas localidades”, explicou Alpha Condé. Segundo o Presidente, nos cinco departamentos, os postos de saúde com novos casos serão temporariamente fechados, os corpos das pessoas que morrerem serão testados para o ébola e, se necessário, serão aplicadas medidas de confinamento. E as autoridades vão dar alimentos e meios sanitários àquelas populações.

Esta decisão foi tomada depois de médicos em Conacri terem sido infectados com vírus por desleixo nas medidas de controlo. “Casos de negligência injustificáveis surgiram no coração do nosso sistema de saúde”, denunciou Alpha Condé.

“A Guiné-Conacri fez esforços enormes. Há resultados muito positivos, mas infelizmente chegámos a um momento mais crítico, a última fase de luta contra o ébola”, disse por sua vez Ismaïl Ould Cheikh Ahmed, chefe da missão da Organização das Nações Unidas (ONU) para a luta contra o ébola, que saudou a medida. “O nosso maior inimigo hoje é o relaxamento. É extremamente importante estar alerta”, referiu, citado pela AFP.

Sexo desaconselhado durante 90 dias

Em Fevereiro, os três países da África Ocidental ainda com a epidemia definiram o objectivo de chegar aos zero casos de ébola em meados de Abril. Para isso, têm sido tomadas diferentes medidas. No domingo, às 18h, terminou um período de três dias de recolha obrigatória na Serra Leoa, iniciado às 6h00 de sexta-feira. É a segunda vez que o país aplicou esta medida, a primeira foi de 17 a 19 de Setembro de 2014.

A operação “correu bem e estamos felizes” por a população ter sido receptiva, declarou neste domingo à AFP Obi Sesay, que pertence ao Centro Nacional de Luta Contra a Ébola. Na região Oeste do país, onde se situa Freetown, a capital, “95% dos doentes que descobrimos em domicílios ficaram em casa de quarentena, mas ainda não os testámos para saber se têm ébola”, acrescentou.

No entanto, houve pelo menos um caso de confronto. No sábado, numa das periferias de Freetown, a polícia lançou gás lacrimogénio contra a população que estava a lutar para obter alimentos, relatou a agência Reuters. Várias pessoas foram presas.

O Governo só deu alimentos durante a recolha obrigatória às populações mais desfavorecidas. “As pessoas estão desesperadas por comida devido à forma como a distribuição está a ser feita”, disse à Reuters Adam Dumbuya, um dos residentes. “Isto levou ao pânico.”

Na Libéria, o secretário de Estado da Saúde, Tolbert Nyenswah, pediu aos sobreviventes do ébola para se absterem de ter relações sexuais ou o fazerem com preservativo, depois de uma mulher ter sido diagnosticada com a doença na semana passada.

“Os sobreviventes do ébola deverão considerar o uso correcto e consistente de preservativos em todos os actos sexuais durante mais de três meses até que haja mais informação”, disse, citado pela Reuters.

Os cientistas já encontraram traços do vírus do ébola no sémen de sobreviventes 82 dias após o início dos sintomas da doença. Isto significa que o vírus permanece no corpo muito tempo depois de os sintomas desaparecerem e a pessoa estar saudável. Por isso, os infectados podem potencialmente transmitir o vírus durante as relações sexuais.

Este tipo de transmissão pode ter acontecido na última pessoa diagnosticada com o vírus: uma mulher de 44 anos que acabou por morrer e cujo marido teve a doença mas curou-se. Segundo o secretário de Estado da Saúde liberiano, há indicações que levam os epidemiologistas a pensar que a transmissão se deu por contacto sexual.

Há três semanas que a Libéria não tinha nenhum doente de ébola e estava a caminho de atingir o objectivo de Abril. Mas o novo caso foi um revés. A OMS avisa os sobreviventes do ébola para não terem relações sexuais nos 90 dias após recuperarem da doença ou, caso não o consigam, que usem preservativo.

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