Na Festa do Jazz há ordem para dançar

Pela primeira vez na sua história a Festa do Jazz acolhe concertos de formações exclusivamente internacionais. O foco, no entanto, continua apontado na direcção do muito novo talento do jazz português.

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A pianista eslovena Kaja Draksler Sabine Masalska
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A Festa do Jazz fará também lançamentos de discos recentes de músicos portugueses, como Desidério Lázaro

Na sua 13ª edição, a Festa do Jazz continua empenhada na celebração de uma música que, segundo o seu director Carlos Martins, por responsabilidade de “músicos, comunidade e agentes ligados ao jazz” é ainda percepcionada por muitos como “algo de bastante estranho, que não se percebe bem, só para uma elite, que não dá para dançar e não é orgânica”. “Nada disto é verdade”, responde à sua própria inquietação. E é por isso que um dos desígnios assumidos do evento que decorre entre 27 e 29 de Março, no Teatro São Luiz, em Lisboa, continua a ser o de cativar um público jovem através de uma alegria e de uma energia que possam ser contagiantes.

Por isso mesmo, sabendo que não se trata “de uma música maciça como a pop”, a aposta da Festa do Jazz centra-se na afirmação do jazz como uma música viva. “E, em parte, não estamos a conseguir ganhar esse desafio”, lamenta Carlos Martins, “porque o ensino dos mais velhos não passa essa imagem, a escola abomina o jazz e tudo o que é música improvisada, novidade e abertura de mente. Estamos numa altura muito importante para dar a voltar a todas estas questões.” Até porque, dentro de portas, a Festa é não apenas um momento de celebração da comunidade jazzística portuguesa, mas uma afirmação pujante da sua indesmentível vitalidade.

Também por isso, aliás, Carlos Martins sublinha a importância de a programação privilegiar em absoluto uma emergente geração de músicos de jazz e não tanto dar o palco àqueles cujo percurso é já sobejamente conhecido. Dos nomes com uma pegada histórica no jazz português, aliás, só a cantora Maria João se apresentará, no sábado, ainda que com um dos seus mais recentes projectos, Ogre, em que explora sonoridades cruzadas com a electrónica. “Há muitos projectos novos na Festa do Jazz, o que quer dizer que a Festa e a produção nacional têm potenciado o aparecimento de novos artistas”, reflecte Martins. “Por esse lado não temos problemas. O que me parece importante é que a Festa possa, de alguma forma, presenciar novos modelos de relação entre músicos. Deverá mesmo ser um desígnio da Festa a curto prazo fazer encomendas para trabalhos em conjunto. É uma escolha da programação no sentido de refrescar e criar parcerias.”

Um caso único: Kaja Draksler

Esse refrescamento e busca por parcerias acontece, no entanto, já este ano e através de uma pequena mas decisiva alteração na programação. Pela primeira vez, a festa inclui dois concertos de formações exclusivamente internacionais: o quinteto da cantora sueca Lina Nyberg (sexta-feira) e a pianista eslovena Kaja Draksler (domingo). Tal decisão passa por contrariar aquilo que Carlos Martins diagnostica como “um dos grandes problemas culturais em Portugal – os eventos tipicamente portugueses têm uma tendência muito grande a fechar-se”. Assim, e com esta novidade, a Festa pretende também facilitar um sistema de trocas, em que os músicos portugueses possam sair igualmente beneficiados com apresentações no exterior, ajudando, de igual maneira, a que o evento cimente a sua reputação internacional – no seguimento, sobretudo, do trabalho desenvolvido como parte da European Jazz Network.

No entanto, o caso muito em particular de Draksler não se esgota aqui. “Para os músicos portugueses das escolas”, argumenta o director da Festa, “é importante perceberem que há uma senhora chamada Kaja Draksler que toca piano de uma forma única, como não há mais ninguém na Europa a tocar.” Draksler, que se apresenta na véspera também a solo no Portalegre Jazz Fest (com o qual a Festa partilha algumas das estrelas da programação), lançou pela editora portuguesa Clean Feed o seu único disco a solo até ao momento, o notável The Lives of Many Others. E é o facto de constituir “um dos exemplos mais extraordinários de uma nova fusão e uma nova abordagem à música improvisada na Europa”, que faz com que a sua presença seja igualmente justificada por uma questão formativa. “Todo o conceito do nosso trabalho tem uma raiz pedagógica”, reforça Carlos Martins. “Parece-me importante que os jovens das escolas, os professores, os músicos portugueses e o público possam assistir a artistas não muito conhecidos aqui.”

O contacto com os músicos estrangeiros assume, noutros momentos, uma ligação mais aprofundada. Este ano, no domingo, cabe a Tony Malaby, um dos mais notabilizados saxofonistas da actualidade, assegurar uma masterclass para músicos portugueses e integrar como convidado o trio do guitarrista André Matos. Malaby é o segundo nome a marcar presença na Festa do Jazz desde que Sara Serpa, com uma firme carreira de cantora e compositora em Nova Iorque, se juntou à Festa como “conselheira”. Aproveitando uma ligação pré-existente com Malaby, André Matos cativou o músico norte-americano para a sua presença no festival, dois dias depois de se apresentarem em Portalegre.

Associados à Festa do Jazz acabam por estar também lançamentos de discos recentes de músicos portugueses, como Desidério Lázaro, o Ensemble Super Moderne (de José Pedro Coelho), Afonso Pais, André Santos, João Guimarães ou o brasileiro radicado no Porto Gileno Santana, enquanto a Big Band do Hot Clube, por seu lado, actuará sexta-feira sob a direcção de Rainer Tempel. Mas na cabeça de Carlos Martins está já a fermentar a edição do próximo ano e novas formas de continuar a fazer da Festa do Jazz um universo em expansão. Possivelmente, através de edições ligadas ao festival, de peças de teatro ou da entrada com DJ discotecas dentro. A cada momento, por muitas conquistas notórias, o espírito é o de que está ainda tudo por fazer.

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Associados à Festa do Jazz acabam por estar também lançamentos de discos recentes de músicos portugueses, como Desidério Lázaro

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