Na maioria dos casos, a violência ocorre há pelo menos dois anos

Relatório anual da APAV registou que, em média, todas as semanas, 16 idosos e 19 crianças são vítimas de crime.

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Comunidades têm diferentes percepções do que é a violência doméstica Paulo Pimenta

Em mais de 70% das queixas de violência que chegaram no ano passado à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), os crimes ocorreram de forma continuada e por períodos entre dois a seis anos – duração que foi apontada em quase 20% das situações. Os dados, que fazem parte do relatório anual de 2014 da APAV divulgado nesta quinta-feira, indicam ainda que a violência contra idosos cresceu 10,1% e contra crianças também subiu mais de 2%.

De acordo com o documento, no total, a APAV acompanhou 12.379 processos de apoio, o que representa um crescimento de 4,9% em relação a 2013. O número global de vítimas cresceu 1,8% para 8889 e o número de crimes disparou 4,4% para 21.541. “Dos 12.379 processos, 91,9% tiveram o seu primeiro atendimento em 2014, existindo 8% de casos que transitaram de anos anteriores devido à complexidade das situações apresentadas”, esclarece o relatório a que o PÚBLICO teve acesso.

A APAV destaca que em 852 casos as vítimas eram idosos, o que representa 16 agressões por semana. O número de crianças situou-se nas 992, o que corresponde a 19 casos semanais. À semelhança do que aconteceu nos anos anteriores, as mulheres continuam a representar a esmagadora maioria das vítimas, com uma proporção de 130 casos por semana contra apenas 21 nos homens.

Em 73% das situações os crimes ocorreram de forma continuada. Em 43,4% dos casos as queixas não indicam uma duração, mas quando a referem, em 19% apontam para períodos entre os dois e os seis anos. Seguem-se as agressões entre sete meses e um ano (9%) e as agressões há mais de 20 anos (7,5%). A residência comum é o local de 52,6% dos crimes, seguida pela residência da vítima (11,4%) e via pública (11,3%).

Em termos de perfil, a vítima é, regra geral, uma mulher entre os 25 e os 54 anos, casada, empregada e pertencente a uma família com filhos. O mais comum é ter uma escolaridade superior ou pelo menos o 3.º ciclo, ainda que em quase 70% dos casos as pessoas não tenham indicado este dado. Em 28,4% das situações, o autor do crime é cônjuge da vítima, seguindo-se em 12,1% a relação de companheiro. Mas em 11,6% as vítimas são filhos ou filhas e em 79,9% de pais ou mães – numa percentagem igual à encontrada para os ex-companheiros. Já os agressores são normalmente homens, também entre os 25 e os 54 anos, casados e empregados.

“A APAV registou um aumento de casos em cada grupo de vítimas referenciado. Para as pessoas idosas, de 774 casos em 2013, passou-se para 852 em 2014 – mais 10,1%; Para as crianças e jovens, o aumento percentual rondou os 2% (de 974 para 992); Entre mulheres e homens, no seu conjunto, o aumento percentual foi o mais significativo com 12,4% (de 6985 em 2013 para 7848 em 2014)”, sintetiza o relatório.

Em relação ao tipo de crimes em concreto, a violência doméstica, seja através de maus tratos físicos ou psíquicos, continua a dominar a realidade das queixas, com 78,4%. Depois da violência doméstica, o crime com maior expressão fica reduzido a 2,9% e diz respeito à “ofensa à integridade física simples”, seguido por 1,6% de casos de “stalking/assédio persistente”. Dentro da violência doméstica os maus tratos psíquicos são os mais comuns (37,3%), seguidos pelos maus tratos físicos (25,3%) e pelas ameaças e coacção (18,4%).

“Durante o ano de 2014 o apoio genérico (como seja o prestar informações sobre outras instituições, o reencaminhamento de correspondência, o apoio emocional) destacou-se com um total de 8728 registos. Dentro deste tipo de apoio é importante destacar o apoio emocional que perfez um total de 4860 registos. Já dentro do apoio especializado destacou-se o apoio jurídico (preenchimento de requerimentos, informação ao processos crime, etc) com 6920 registos, seguindo-se o apoio social (pedidos de alojamento, alimentação, etc) com 1052 casos registados”, adianta a APAV.

Quanto a zonas, Lisboa e Porto continuam a representar quase metade do total de queixas e o contacto telefónico feito pela própria vítima é o método preferencial.

Falta de apoio para filhos das vítimas

Já o presidente da Comissão de Protecção às Vítimas de Crime, tutelada pelo Ministério da Justiça, apela a um olhar que vá para lá dos números imediatos. No caso concreto da violência doméstica, Carlos Anjos estima que as mortes tenham deixado 700 órfãos e lamenta que a atenção acabe por ser só dada “no dia do homicídio e no dia do julgamento”. A conta “é feita por baixo”, tendo em consideração as 443 mulheres mortas nos últimos 11 anos e tendo como base uma média de 1,5 filhos por cada uma. Só neste ano já morreram mais nove.

“Mas estou certo que serão muitos mais órfãos. Estes crimes de violência doméstica costumam acontecer em classes baixas e com mais filhos”, explica Carlos Anjos em declarações ao PÚBLICO, ressalvando que os 700 órfãos não serão todos menores de idade, “mas certamente a maioria”. Por outro lado, lembra que a pena para estes crimes costuma ser de cerca de 17 anos, pelo que na prática os filhos ficam também sem pai.

O responsável defende que era importante melhorar os apoios para os filhos, mas nem tanto pelo lado da indemnização (que no máximo fica abaixo dos 35 mil euros). “Preocupa-me muito mais a falta de apoio psicológico, que na prática só existe nos dois primeiros dias e depois não existe. Não temos nenhum estudo que nos diga o que aconteceu a estes jovens. Sabemos que a família do homicida é normalmente afastada do processo e que são entregues à família da mãe, normalmente aos avós. Mas há muitos casos de dificuldades económicas e quando há mais irmãos vai parar cada um a seu lado”, acrescenta.

 

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