Portugal não reduziu excesso de peso e obesidade entre adolescentes

Estudo internacional passa em revista dados de 2002, 2006 e 2010 e traça tendências. Investigadora do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo diz que a meta de travar epidemia da obesidade foi alcançada. Agora falta reduzir a prevalência.

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15,2% dos adolescentes portugueses têm excesso de peso, 3% são obesos Nuno Ferreira Santos

Os adolescentes estão em geral “mais saudáveis” do que há uma década, conclui o estudo Tendências na saúde dos jovens e determinantes sociais publicado nesta terça-feira no The European Journal of Public Health, com base em dados recolhidos em vários países da Europa e América do Norte. Mas há um aspecto que causa preocupação: o número dos que sofrem de excesso de peso e obesidade não está a diminuir. Portugal faz parte do grupo dos que há anos se destacam pela negativa.

Em 2002, 19% dos rapazes adolescentes portugueses apresentavam excesso de peso ou obesidade. Em 2010, eram 21,34%. Em 25 países analisados, ao longo de oito anos, Portugal esteve sempre no grupo dos seis onde o problema mais se faz sentir entre os jovens. Nas raparigas, as taxas oscilaram entre os 13,54% e os 15,87% (respectivamente em 2002 e 2010). Mais, só nos Estados Unidos.

O trabalho publicado no The European Journal of Public Health passa em revista os dados obtidos no âmbito do Health Behaviour in School-aged Children (HBSC) — um grande levantamento dos comportamentos e estilos de vida dos adolescentes que é publicado de quatro em quatro anos em colaboração com a Organização Mundial de Saúde (OMS). O último inquérito HBSC foi feito em 2014 em 43 países e abrangeu em Portugal 6026 jovens com uma média de idades de 14 anos. Os dados nacionais já antecipados, em Dezembro, mostraram que o peso dos adolescentes portugueses com excesso de peso ou obesidade se mantinha idêntico ao que havia sido registado no inquérito de quatro anos antes (15,2% com excesso de peso, 3% obesos). Mas estes dados de 2014 não estão ainda reflectidos na análise publicada nesta terça feira.

O trabalho hoje publicado é constituído por um conjunto de 21 artigos de investigadores de vários países que analisaram os inquéritos do HBSC de 2002, 2006 e 2010. O projecto foi coordenado pela Universidade de St. Andrews, na Escócia, em colaboração com a OMS. O objectivo é aproveitar o manancial de informação que foi sendo apurada nos diferentes inquéritos quadrianuais e traçar tendências.

Um dos artigos aborda a prevalência do excesso de peso e da obesidade em 25 países europeus, mais Canadá e Estados Unidos. Sem surpresas, os Estados Unidos ocupam sistematicamente o topo da tabela. A Ucrânia é o país onde o problema tem tido menor dimensão ao longo do período em análise. Em 13 países, o excesso de peso e a obesidade ganharam terreno entre os rapazes, de forma que os peritos consideram significativa. O mesmo aconteceu entre as raparigas, em 12 países. É no leste europeu — caso da Croácia, da República Checa, da Estónia, ou da Rússia, por exemplo — que a situação mais se tem agravado.

Em Portugal, os dados apontam para uma estabilização, segundo os peritos. Mas por que razão o problema se mantém praticamente inalterado? Contactada pelo PÚBLICO Ana Rito, investigadora do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge e coordenadora do programa MUN-SI (Programa de Promoção de Saúde Infantil em Municípios), diz que não se trata de uma derrota: “Portugal travou o carácter epidemiológico da obesidade, tal como foi estabelecido na conferência europeia de Istambul, na Carta Europeia de Luta contra a Obesidade [em 2006]. Não houve aumento. Agora, as taxas mantêm-se elevadas.”

Apesar de não conhecer a análise agora publicada, Ana Rito diz que a tendência traçada vai no mesmo sentido da observada para crianças mais pequenas — através do COSI (sistema de Vigilância Nutricional Infantil), que avalia crianças entre os seis e os nove anos. “É preciso perceber os factores de risco e prevenir, para que não haja mais crianças e adolescentes com esta doença, e tratar as que têm esta doença.” E isso passa “por um estilo de vida saudável”.

As crianças e jovens portugueses até apresentam alguns aspectos a seu favor, como um consumo maior do que noutros países de hortofrutículas, explica a investigadora. “Mas quando se comparam os níveis de actividade física com os que se observam, por exemplo, no Norte da Europa não há comparação possível” e Portugal sai a perder. Os hábitos das raparigas e dos rapazes portugueses são bem mais sedentários.

Não se trata apenas de actividades formais de exercício: “Por exemplo, os pais portugueses não sentem que o caminho de casa para a escola seja seguro, por isso os meninos não vão a pé”, diz, citando dados recolhidos no âmbito do COSI.

As famílias também se queixam de falta de tempo, o que prejudicará as refeições que preparam para as crianças. “Há uma enorme necessidade de acompanhar as famílias”, diz, o que é, de resto, um dos objectivos do MUN-SI. “O excesso de peso e a obesidade continuam a ser um sério problema de saúde pública”, remata.

Impacto da crise
Os 21 artigos que constam da mais recente edição do European Journal of Public Health passam em revista vários outros aspectos relacionados com a saúde dos adolescentes avaliados pelo HBSC — desde o consumo de substâncias, como álcool, drogas e tabaco, à “satisfação com a vida” reportada pelos jovens.

Concluem os peritos que os adolescentes ficaram, em geral, nos últimos anos, “mais felizes e saudáveis” o que até “é surpreendente tendo em conta que muitos países enfrentaram graves crises económicas na última década”.

A tendência global é para um aumento do consumo de fruta e vegetais, para um aumento da actividade física, para um aumento do usos de preservativos, exemplifica-se, num comunicado síntese da Universidade de St. Andrews. Tudo isto se deverá às políticas de saúde pública levadas a cabo em vários países e também à mudança dos valores — até das modas, admite-se.

Infelizmente, os dados já conhecidos para Portugal relativos a 2014, do HBSC, e ainda não reflectidos nesta análise, mostram que em alguns aspectos os jovens até podem estar mais saudáveis mas já não “mais felizes”, diz Margarida Gaspar de Matos, coordenadora em Portugal do HBSC.

Em declarações por email, a investigadora da Faculdade de Motricidade Humana, da Universidade de Lisboa, diz que o trabalho sobre as tendências ao nível da saúde dos adolescentes agora divulgado é “muito importante” (a própria é co-autora de vários dos artigos) mas, “em alguns países, como Portugal, foi comprometido pela recessão”, ficou, de algum modo, ultrapassado. “Pelo menos na percepção de felicidade e bem-estar e da saúde mental as coisas pioraram pela primeira vez desde 2002”, em Portugal.

Recorde-se algumas das conclusões divulgadas em Dezembro: quase 30% dos adolescentes portugueses disseram  que se sentiam deprimidos mais do que uma vez por semana. Eram 13% em 2010. Perto de um em cada quatro disse sentir medo frequentemente. Três vezes mais do que quatro anos antes. E um em cada cinco alunos do 8.º e 10.º anos magoou-se a si próprio nos 12 meses anteriores ao inquérito, de propósito, sobretudo cortando-se nos braços, nas pernas, na barriga... Um aumento de quase cinco pontos percentuais. Ter dores de cabeça mais do que uma vez por semana é algo que faz parte da vida de 36% dos adolescentes quando, em 2010, era relatado por apenas 13,5%.

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