Marine Le Pen conta vitórias para se tornar a líder da direita francesa

A Frente Nacional é o partido dos que não se sentem ouvidos por nenhuma outra força política. Na primeira volta das eleições departamentais, neste domingo, pode ter 30%. O PS deve sofrer uma derrota histórica.

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Marine le Pen Pascal Rossignol/Reuters

É inédito: a Frente Nacional de Marine Le Pen, um partido com falta de militantes, apresenta-se em 93,1% dos círculos eleitorais das departamentais francesas: 1912 dos 2054 que estão em jogo. E as sondagens dão-lhe a vitória a nível nacional, com cerca de 30%, e a possibilidade de, na segunda volta, daqui a uma semana, conquistar quatro a cinco conselhos gerais, que são os órgãos de gestão deste nível da administração regional.

É mais uma malha na rede que Marine Le Pen está a tecer para conquistar a presidência da República, já nas eleições de 2017. Para ela, a presidência conquista-se a partir de baixo, implantando-se no poder local, com o objectivo de vir a tornar-se o principal partido da direita, suplantando a UMP de Nicolas Sarkozy e obrigando-o a fazer alianças. A direcção nacional da UMP sempre se tem recusado, mas a nível local e dos militantes, a partilha de ideias e a aceitação de que é preciso aliar-se com Le Pen é cada vez maior.

“Não há sucesso presidencial se não houver uma malha territorial. O homem político é um animal territorial”, teoriza a filha de Jean-Marie Le Pen. “Daqui a alguns meses vamos lançar-nos nas regionais, depois partiremos ao assalto de Eliseu e da Assembleia Nacional”, afirmou, discorrendo sobre o calendário das próximas eleições em França.

Nas eleições municipais de há um ano, a Frente Nacional (FN) obteve 12 municípios. Agora, no nível acima da administração territorial, espera eleger muitos conselheiros gerais, que se tornarão uma força indispensável para governar os departamentos. “Não faço prognósticos. Uma vitória num departamento seria uma surpresa feliz”, disse Marine Le Pen, modesta.

Na segunda volta, a 29 de Março, o vencedor deve ser a UMP, embora sem grandes méritos próprios. É que tudo indica que haverá um verdadeiro massacre dos candidatos de esquerda. O PS pode ser eliminado logo à primeira volta em 1000 dos 1456 cantões (círculos eleitorais) em que se apresenta. Não só devido a uma abstenção que deve bater recordes, mas porque os socialistas terão a concorrência de outras listas à sua esquerda em 90% dos círculos eleitorais, pois não conseguiu fazer acordos com outras forças.

O medo de Valls
O primeiro-ministro Manuel Valls constituiu-se como o principal adversário do avanço que todas as sondagens dizem ser imparável da FN, que fez seu slogan o desejo de ser “o maior partido de França”. “Uma FN que teve 25% nas eleições europeias, que pode ter 30% nas departamentais, não poderá ganhar as presidenciais? Não em 2022, ou 2027, mas já em 2017”, afirmou, dando o tom para o que tem sido o discurso do PS: o medo de um novo “21 de Abril de 2002”, quando Jean-Marie Le Pen passou à segunda volta das presidenciais, eliminando o ex-primeiro-ministro socialista Lionel Jospin, protagonista de reformas sociais como a semana de trabalho das 35 horas.

Valls diz querer “desconstruir” os enganos do FN e usa palavras de grande dramatismo para tentar acordar os eleitores de esquerda do “torpor”: falou da sua “angústia”, do receio de que “França seja esmagada contra a FN”, como um barco sem leme atirado contra os rochedos. “É preciso que os franceses abram os olhos, os candidatos da FN são à imagem do que é a família Le Pen”, afirmou, denunciando as declarações “anti-semitas, racistas e homofóbicas” de “dezenas e dezenas” deles.

Os candidatos da FN parecem-se muito com os seus eleitores. Têm uma idade média de 49,4 anos, são tão jovens como os ecologistas e vêm quase todos do sector privado, diz o Le Monde. E continua a ter falta de militantes com formação superior: 14%. Mas muitos são trânsfugas de outros partidos, que vieram ter com Marine Le Pen por causa do esforço de “normalização” que tem feito. Um exemplo é Julien Odoul, que foi do PS e centrista. Foi manequim, esteve na capa da revista gay “Têtu” e agora vai defender “a França dos esquecidos” no departamento de Yonne.

Mas apesar de Le Pen repetir o mantra “nem esquerda nem direita”, a FN é uma formação de extrema-direita, nacionalista e populista, anti-imigração e contra a União Europeia e o euro. Com ela na liderança, no entanto, atraiu muitos franceses que não se revêem no discurso dos outros partidos, e se sentem casa com o seu discurso nacionalista com pendor social, que nem é assim tão diferente do da esquerda mais à esquerda.

Onde a esquerda não chega
Frente aos estaleiros de Saint-Nazaire, na Bretanha, Jean-Claude Blanchard, candidato pela FN, faz campanha, em concorrência com a central sindical CGT, relata o Le Monde. Está reformado, foi operário nos estaleiros, e usa esse passado para falar aos que cruzam os portões e vêem chegar diariamente autocarros cheios de trabalhadores estrangeiros: lituanos, búlgaros, polacos. “O objectivo do patronato é fazer baixar os salários”, afirma o candidato da FN. Apesar de ganharem como um francês, descontam para a Segurança Social de acordo com as regras dos seus países – por isso saem muito mais baratos para a empresa.

A candidata local da Frente de Esquerda às eleições departamentais suspira: “A FN faz comunicados que podíamos ter sido nós a escrever.”

O sociólogo Sylvain Crépon, especialista em FN, explica esta aproximação às classes mais desprotegidas. “A FN tornou-se o partido do proletariado do sector privado: os caixas de supermercado, os trabalhadores precários, sem um quadro legal definido”, disse ao Le Monde. Muitas destas pessoas são pouco politizadas, e até agora tinham abdicado do direito de serem eleitores. “O PS e a Frente de Esquerda [que inclui o Partido Comunista e o Partido de Esquerda de Jean-Luc Mélenchon, entre outros] não têm contactos nestas categorias sociais. Só a FN fala para estes eleitores e para as suas preocupações sociais e económicas.” Com Marine Le Pen, encontraram um espaço para exprimir o seu ressentimento.

A FN responde a uma tendência em França que não tem tido resposta, disse o historiador Nicolas Lebourg, que estuda a FN e a extrema-direita, ao jornal L’Humanité, do Partido Comunista. “Há uma procura na sociedade, há 20 anos, por uma protecção contra o liberalismo económico e um horizonte de expectativas culturais unificador”. O PS e as outras esquerdas parecem a estes eleitores representantes da oferta política “euro-liberal”, que identificam com o aumento do desemprego, o fecho das fábricas, a chegada de imigrantes – a detestada “globalização”.

“Em 2007, escolheram Sarkozy, ‘o candidato do poder de compra’. Em 2012, optaram por Hollande, o candidato do discurso de Bourget, que dizia ser o inimigo da alta finança. Domingo, escolhem a FN”, concluiu o historiador.

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