Sem a venda à Jerónimo Martins, a Serraleite teria futuro “complicado”

JM Lacticínios vai passar a operar a fábrica da cooperativa a partir de 1 de Junho até ter a nova unidade a laborar, em 2017. Empresa de Portalegre passa a dedicar-se à recolha de leite.

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A Serraleite foi a primeira empresa em Portugal a ter nas prateleiras leite ultrapasteurizado e homogeneizado João Silva
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João Silva

A pequena fábrica da Serraleite, instalada no coração de Portalegre, parece pequena demais para receber as dezenas de camiões cisterna que, todos os dias entre as 9h e as 15h30, chegam carregados de leite. O espaço para manobras é exíguo e a zona de produção visita-se em poucos minutos, mas isso não tem impedido a cooperativa de produtores de produzir cerca de 30 milhões de litros de leite por ano, grande parte embalada com a marca Pingo Doce. É daqui que sai o galão alentejano ou as natas para bater da marca Serraleite, lançada no mercado em 1971.

Foi a primeira empresa em Portugal a ter nas prateleiras leite ultrapasteurizado e homogeneizado, que não precisa de frigorífico antes de ser aberto e com um prazo de validade de 90 dias. “Calhou sermos os pioneiros”, diz, sem romantismos, José Manuel Pinheiro, presidente da cooperativa, sentado numa sala de mobiliário escuro, onde domina o logótipo da marca. “A empresa começou a recolher leite em 1970 e entregava à Ucal e a outras. Mais tarde montaram aí uma máquina da Tetra Pak e fomos os primeiros a ter o leite ultrapasteurizado”, resume.

José Manuel Pinheiro tem recebido contactos de novos produtores, aliciados com a perspectiva de aumento da procura de leite, desde que foi conhecido o acordo com a Jerónimo Martins (JM) Agro-alimentar. Através da JM Lacticínios, a nova unidade de negócios do grupo liderado por Pedro Soares dos Santos passará, a partir de 1 de Junho, a gerir e a explorar a fábrica da cooperativa até à construção de raiz de uma unidade, localizada na zona industrial do concelho. Em 2017, com a nova fábrica já a laborar, a JM Lacticínios vai triplicar a produção actual da Serraleite para 90 milhões de litros e produzir não só leite UHT e natas, mas também manteiga, numa estratégia pensada a longo prazo que pode incluir novos produtos lácteos. Será um fornecedor exclusivo do grupo, com supermercados em Portugal, na Polónia (Biedronka) e na Colômbia (Ara). O investimento previsto é de 40 milhões de euros.

“Temos 22 produtores e o número tem vindo a baixar nos últimos anos. Tivemos alguns problemas financeiros e estamos a reestruturar a empresa. A prova está nesta parceria com a JM. De futuro, a Serraleite vai ficar dedicada apenas à recolha e vamos entregar todo o leite à JM Lacticínios. Com o fim das quotas é uma boa altura para acompanhar os produtores de perto e tentar que as explorações sejam mais rentáveis, com o esperado aumento da produção de leite”, conta José Manuel Pinheiro. A cooperativa reportou lucros de cerca de 16 mil euros em 2014 e espera saldar dívidas à banca com a mudança do seu modelo de negócio. O presidente da cooperativa admite que, se não fosse a recente parceria com o dono do Pingo Doce, seu maior cliente, “a situação seria mais complicada”.

Oportunidade de negócio
Até à construção da nova fábrica, a JM Lacticínios vai tomar o pulso à produção através de uma aquisição por trespasse da actual unidade. Dos 74 trabalhadores, a Serraleite ficará com 14, número suficiente para assegurar a recolha e ter uma equipa comercial para vender a sua marca. A JM integrará os restantes. Ou seja, na prática, o leite Serraleite será produzido na fábrica do grupo que detém o Pingo Doce.

“A marca Serraleite mantém-se na posse da cooperativa. Garantimos a produção da sua marca, enquanto a cooperativa quiser, e nas quantidades que quiser. Esta é uma das componentes do contrato de trespasse”, explica António Serrano, presidente da Jerónimo Martins Agro-alimentar, acrescentando que a Serraleite terá uma participação de 5% no novo projecto.

“Esta fábrica precisava de ser modernizada. O investimento é muito significativo e a cooperativa não estava em condições para o fazer. Tinha de decidir mudar as instalações para uma zona industrial e este era o momento certo para dar um novo impulso ao negócio e garantir que a fábrica se manteria em Portalegre, dando uma participação social à cooperativa”, detalha.

A relação entre produtores e distribuidores está a ganhar novos contornos, com os retalhistas a investir directamente na produção ou a estabelecer contratos de colaboração mais estreita, numa tendência que é global. A Jerónimo Martins terá a sua primeira fábrica para garantir o abastecimento contínuo de um dos alimentos mais vendidos nas prateleiras. Mas António Serrano sublinha que, à semelhança de outros fornecedores, terá de discutir preço, qualidade, rotulagem. “Não vai ser um trabalho mais fácil para nós. Temos de ser competitivos e eficientes, tal como os outros fornecedores do grupo”, garante.

O investimento é justificado pela “garantia de segurança alimentar”. “Há uma procura enorme de recursos naturais e de terra arável, recurso cada vez mais escasso. Há países que estão à procura desses activos para garantir o acesso a alimentos e o grupo tem a preocupação de colocar produtos todos os dias na prateleira”, analisa António Serrano.

Na pequena fábrica, que dentro de dois anos será desactivada, trabalha-se 24 horas por dia. Patrícia Ferreira, responsável pela produção e pela qualidade, explica que a recolha do leite começa às 5h da manhã. Desde a chegada à unidade fabril até ao embalamento, passam apenas sete horas. José Manuel Pinheiro acredita que terá, a partir de agora, uma oportunidade para melhorar as explorações agrícolas e dar atenção extra aos produtores. “Há uma nova confiança”, garante.

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