Magistrados denunciam injustiça de aumentos de mais de 500 euros só para alguns

Os cinco candidatos que vão hoje a votos, três na Associação Sindical dos Juízes Portugueses e dois no Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, fazem retrato preocupante do actual estado da Justiça.

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Dos oito arguidos acusados neste caso, cinco foram condenados e três absolvidos.

A reorganização do funcionamento dos tribunais que arrancou em Setembro passado possibilitou a centenas de magistrados, colocados em tribunais especializados, subir os salários em mais de 500 euros. Mas, queixam-se alguns dos candidatos às eleições sindicais do sector que se realizam hoje, também criou injustiças relativas entre colegas com carreiras semelhantes e a desempenhar funções similares.

A remuneração dos profissionais foi apenas um dos muitos temas da campanha que terminou ontem. Os cinco candidatos que vão hoje a votos, três à Associação Sindical dos Juízes Portugueses e dois ao Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, falaram ao PÚBLICO e fazem um retrato preocupante do actual estado da Justiça.

Há falta dramática de funcionários, somam a escassez generalizada de procuradores e a míngua de juízes nos tribunais administrativos e fiscais e nas Relações de Guimarães e de Évora. Além da ausência de condições em tribunais que funcionam em contentores e outros com obras a decorrer, há muitos outros em que simplesmente não existem salas de audiências suficientes para os juízes que foram ali colocados, o que está a condicionar o agendamento dos julgamentos.

Mas não é tudo. Apesar do bloqueio total do Citius, o sistema informático existente nos tribunais, ter sido ultrapassado, estes problemas estão longe de resolvidos. A instabilidade da aplicação ainda é sentida em muitos tribunais e há problemas sem resolução à vista.   

No terreno começam igualmente a sentir-se o facto de a reforma do mapa judiciário ter entrado em vigor sem que os estatutos profissionais de juízes e procuradores tenham sido revistos. Criaram-se, por isso, incongruências nas regras que regulam estas classes. Os estatutos não prevêem, por exemplo, duas figuras centrais da reforma, o juiz-presidente da comarca e o procurador-coordenador, o que tem levantado questões sobre o limite dos poderes destes responsáveis. E, no Ministério Público, sobre como se integram na estrutura hierárquica desta magistratura.

“Nunca houve magistrados do Ministério Público a fazer o mesmo trabalho e a ganhar de forma diferente” indigna-se Júlio Pina Martins, candidato à presidência do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público. Fala do caso dos procuradores que trabalham nas chamadas instâncias locais, onde se tratam dos casos mais simples da Justiça. Nas que estão dividida por secções especializadas, criminais e cíveis por exemplo, os magistrados ganham pelo índice 175, enquanto os colegas que trabalham nas mesmas instâncias locais mas com competência genérica ganham pelo índice 135. Ou seja, além de terem que tramitar processos de várias especialidades ganham menos 500 a 600 euros que os colegas, critica Pina Martins.

O juiz Alziro Cardoso partilha a opinião e também exige que esta injustiça seja resolvida. “Normalmente as instâncias locais de competência especializada até têm menos trabalho que as de competência genérica. Por isso, isto não faz sentido nenhum e deve ser alterado”, defende o candidato à ASJP.

A “gritante” falta de funcionários é um problema que gera consenso entre os cinco candidatos. “Um pouco por todo o país a insuficiência de funcionários de justiça é uma realidade. Havendo instâncias com um número reduzidíssimo de funcionários, que não conseguem assegurar, sequer, a junção diária dos papéis e o cumprimento dos despachos proferidos pelos juízes”, denuncia Maria José Costeira, outra das candidatas à associação sindical dos juízes.

“A nova organização judiciária criou muitas secções especializadas, mas, em muitos casos, os funcionários judiciais nem sequer chegam a preencher 50% do quadro”, precisa António Ventinhas, candidato ao SMMP.

Mas não faltam só funcionários. A escassez sente-se no Ministério Público e  nos tribunais administrativos e fiscais e em duas Relações. “Em Guimarães há um quadro de 50 juízes desembargadores, mas só estão lá colocados 25”, exemplifica Alziro Cardoso, que insiste que os 60 novos juízes que vão entrar para os tribunais administrativos e fiscais não vão resolver o problema de recursos humanos ali existente.

No Ministério Público as preocupações são semelhantes, mas ainda mais generalizadas. “O desequilíbrio existente entre o número magistrados do Ministério Público e o número de magistrados judiciais tem inviabilizado não só a realização de audiências de julgamento em variadas comarcas, como também qualquer possibilidade de concretizar uma gestão por objectivos”, lamenta Pina Martins. O procurador não percebe porque não há “uma política concertada de gestão de quadros dos tribunais”, que envolva funcionários, juízes e procuradores para evitar que o sistema de justiça “paralise sistematicamente face à carência de recursos humanos”.

A falta de instalações dignas é outra das preocupações dos magistrados, que não concentram a crítica apenas nos famosos contentores. “Há inúmeros tribunais mal dimensionados e com número insuficiente de salas de audiência, tornando impossível a realização atempada de julgamentos”, refere Maria José Costeira.

O juiz Luís Miguel Martins, outro dos candidatos, faz questão de realçar que há condições muito díspares mesmos nos tribunais que funcionam em contentores. “No de Loures há porta dos gabinetes dos magistrados há armadilhas para ratazanas. Quando lá fui pensei que aquilo era o estaleiro da obra”, relata Luís Miguel Martins.  

Todos partilham a preocupação pela revisão dos estatutos das duas magistraturas, não havendo consenso sobre se será ou não possível fazer esta alteração ainda nesta legislatura. “Será um enorme falhanço do Governo da associação sindical e dos conselhos superiores se a revisão do estatuto não for aprovada nesta legislatura”, avalia Luís Miguel Martins.E acrescenta: “Era indispensável que fossem reforçadas as garantias de independência, a consagração de uma cláusula de não regressão salarial e a actualização da componente remuneratória”.

 “Os actuais estatutos das magistraturas não se adequam à nova organização judiciária, o que tem provocado graves problemas de coordenação na estrutura hierarquizada do Ministério Público”, constata António Ventinhas.

Maria José Costeira insiste na necessidade de reforçar alguns princípios fundamentais, como a independência dos juízes, no Estatuto dos Magistrados Judiciais e na aposta de uma verdadeira autonomia financeira do conselho superior. Neste momento preocupa-a a definição e limitação dos poderes dos juízes que presidem as novas comarcas e que, por vezes, têm entrado em colisão com os magistrados que trabalham naquela comarca. “Não cabe ao juiz presidente definir a organização do trabalho dentro de uma secção”, precisa.

Face à crescente mediatização da Justiça, a juíza insiste na importância da existência de uma estratégia de comunicação. “A confiança dos cidadãos no sistema de justiça, nos tribunais e nos juízes depende dos próprios tribunais que têm de se dar a conhecer. Precisamos que o conselho superior implemente o seu gabinete de imprensa, e precisamos que os juízes presidentes assumam o papel de interlocutores com a comunicação social” sugere Costeira.

Pina Martins lamenta que a modernização informática não chegue aos tribunais, como chegou, por exemplo, à autoridade tributária. “Temos uma plataforma informática de gestão processual totalmente obsoleta, insegura e sem garantias de confidencialidade”, diz. 

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