Construção do primeiro telescópio transcontinental vai avançar

É o próximo grande projecto científico mundial: um radiotelescópio de 2000 milhões de euros. Na mira das suas antenas vão estar as primeiras estrelas do Universo, buracos negros ou ondas gravitacionais.

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Antenas parabólicas, um dos tipos de antenas que irão fazer parte do radiotelescópio SKA DR
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Antenas do tipo dipolo, parecidas com as varetas de um chapéu-de-chuva, outras das antenas do radiotelescópio SKA DR

Acaba de ser autorizada a construção de um radiotelescópio, que terá antenas espalhadas por dois continentes, África e Oceânia. O conselho directivo do radiotelescópio, reunido em Manchester (Reino Unido), decidiu assim avançar para a primeira fase do projecto: aprovou 650 milhões de euros, para construir 200 antenas parabólicas na África do Sul e 100.000 antenas do tipo dipolo (parecidas com as varetas de um grande guarda-chuva) na Austrália. Por ora, Portugal participa com um consórcio de instituições académicas e empresas e está a negociar-se a participação formal do país.

Apresente-se este radiotelescópio. Chama-se Square Kilometre Array — ou SKA. Se não for suficiente dizer que vai ser o primeiro telescópio transcontinental para ter ideia da dimensão, junte-se mais alguns factos: na segunda fase de construção, e última, terá um total de 3000 antenas parabólicas e um milhão de antenas dipolo, tudo distribuído entre a Austrália, Nova Zelândia e África do Sul, mas também Moçambique, Namíbia, Botswana, Gana, Quénia, Madagáscar, Ilhas Maurícias e Zâmbia.

Enquanto a primeira fase de construção (entre 2018 e 2023) se centrará na África do Sul e Austrália, a segunda (entre 2023 e 2030) consistirá na expansão das antenas tanto para outros países africanos como da componente australiana. Nesta última fase, será instalado um terceiro tipo de antenas (agregados de antenas de média frequência, formando círculos no chão). Em 2020, far-se-ão as primeiras observações científicas. No total, o radiotelescópio vai custar à volta de 2000 milhões de euros.

Tantas antenas vão estar ligadas fisicamente por fibra óptica, através de cabos submarinos e por via terrestre, cujo comprimento total atingirá duas vezes o diâmetro da Terra — ou seja, 25.500 quilómetros. O SKA gerará um tráfego de dados cerca de 100 vezes superior ao da Internet hoje.

Concebido para se tornar uma gigantesca antena virtual com uma área de um quilómetro quadrado — daí o seu nome em inglês —, o conjunto de antenas transcontinentais irá varrer o céu 10.000 vezes mais depressa do que qualquer outro telescópio e com uma sensibilidade 50 vezes maior do que qualquer outro radiotelescópio. Se num planeta a 50 anos-luz de distância da Terra existisse um radar num aeroporto a emitir ondas rádio, ou um televisor na casa de um extraterrestre, o SKA seria capaz de detectá-los.

A ideia do SKA data de 1991. Em 1993, foi criado um grupo de trabalho internacional. Em 2011, a Organização do SKA, a entidade de coordenação global das actividades do radiotelescópio, tornou-se uma entidade legal e, no ano seguinte, seleccionou-se a África do Sul e a Austrália como os principais países onde vai ficar instalado.

Agora, ainda está em fase de concepção de engenharia (pré-construção) e participam nele 11 países (Nova Zelândia, Alemanha, Canadá, China, Índia, Itália, Holanda, Suécia e Reino Unido, além da África do Sul e Austrália).

“O próximo passo é trabalhar com os países parceiros do SKA para desenvolver uma organização internacional antes do início da construção em 2018”, frisou Jonh Womersley, presidente do conselho directivo do SKA, após a reunião em Manchester, na semana passada. “Este telescópio incrível já está concebido, com um custo dentro do orçamento, a sua construção está ao virar da esquina, irá impulsionar o desenvolvimento de tecnologia na era da Big Data [processamento e armazenamento de grande quantidade de dados] e produzirá ciência que será premiada com o Nobel. Em resumo, terá um impacto incalculável na sociedade como poucos empreendimentos tiveram antes”, acrescentou, num comunicado da Organização do SKA.

Um consórcio português
Portugal já tem um pé dentro do projecto — através do consórcio Engage SKA (Enable Green E-Sciences for the SKA), que irá promover tecnologias de computação, informação e telecomunicações e dos sistemas de energia sustentáveis para a radioastronomia. Actualmente, o consórcio é formado por cinco instituições ligadas ao mundo académico (Instituto de Telecomunicações, as universidades de Aveiro, do Porto e de Évora e o Instituto Politécnico de Beja) e por sete empresas (Martifer Solar, Critical Software, Active Space Technologies, LC Technologies, Portugal Telecom, Coriant e a Visabeira). E há outros interessados em entrar no consórcio, como as universidades de Lisboa e Coimbra e o Laboratório Nacional de Energia e Geologia, diz o seu coordenador, Domingos Barbosa, do Instituto de Telecomunicações em Aveiro.

O consórcio português no SKA integra o Roteiro Nacional de Infra-estruturas de Investigação de Interesse Estratégico, escolhido pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Por isso, a FCT e as comissões de coordenação regional do Centro, do Norte e do Alentejo dar-lhe-ão seis milhões de euros, entre 2015 e 2020, refere Domingos Barbosa. “Este investimento directo na equipa nacional é para formar cientistas e engenheiros e alavancar a participação de empresas no SKA”, explica, acrescentando que o consórcio contratará directamente empresas para desenvolver aspectos do radiotelescópio.

Apesar dos últimos tempos conturbados na vida da Portugal Telecom, a empresa mantém o memorando de entendimento com a Organização do SKA para a participação do seu Data Center PT na Covilhã — “para testes de tecnologias de processamento de dados”, diz Domingos Barbosa.

A participação portuguesa no radiotelescópio passa ainda por Moura, onde já existe um centro de testes de tecnologias inovadoras para a segunda fase do SKA. Irão fazer-se dois tipos de testes no Alentejo, local perfeito para tal por estar isolado das ondas rádio de origem humana e ter um clima semelhante ao da África do Sul e Austrália.

Por um lado, já está quase concluída a instalação de quatro agregados de antenas de média frequência (o terceiro tipo de antena), que serão submetidos a testes de resistência ambiental e de desempenho de detecção de objectos celestes. “Vamos verificar se os materiais destas antenas aguentam condições ambientais duras, de 40 graus Celsius, e se detectam fontes cósmicas e satélites”, explica Domingos Barbosa.

Por outro lado, a partir de Maio vai começar a ser instalada em Moura uma mini-central solar, um projecto financiado pela União Europeia em seis milhões de euros. Na central irão testar-se seis concentradores solares, que são seis antenas parabólicas, com pratos de 12 metros de diâmetro, e que concentram a luz solar num foco. Procurará mostrar-se que as antenas do SKA conseguem funcionar com energia solar de forma autónoma. “O objectivo é mostrar a maturidade desta tecnologia como uma solução para o SKA, além de testar a tecnologia em si.”

Adesão em vista
Mas para Portugal ficar com os dois pés dentro do projecto, o país terá de se tornar membro da Organização do SKA. Domingos Barbosa informa que a FCT está a negociar a adesão, o que implica uma quota de entrada, além de uma quota anual. O presidente da FCT, Miguel Seabra, falou do SKA com a ministra da Ciência da África do Sul, Naledi Mandisa Pandor, quando ela visitou Portugal em Dezembro: “Portugal é esperado juntar-se em breve”, disse, citado num comunicado divulgado no recém-criado site do SKA em português.

“Portugal está a considerar a entrada no SKA como membro e a melhor forma de o fazer, tendo para isso de pagar um milhão de euros durante os quatro anos da fase de pré-construção. É nesta fase que são negociados os impactos científicos e económicos — isto é, os contratos para a indústria”, diz Domingo Barbosa. “Se falharmos esta fase, vamos ter um retorno muito menor e dificuldades em interagir num projecto que terá inovações tremendas na área da energia e das tecnologias da informação”, acrescenta. “Dentro de 20 anos, a África subsariana vai ser um motor mundial das tecnologias da informação e a questão é se queremos estar numa região onde a presença da cultura e língua portuguesas é importante.”

Que vantagens teria a adesão do país? “Dará direito a aceder a dados [científicos] prioritários, à colocação de cientistas em experiências importantes, a um retorno industrial elevado. Queremos que as empresas fabriquem aspectos-chave da máquina e não forneçam só cabos”, responde Domingos Barbosa.

“O SKA vai ser o grande projecto científico dos próximos 20 anos, ao nível da Estação Espacial Internacional e do LHC do CERN [acelerador do Laboratório Europeu de Física de Partículas, na Suíça]. Vai fazer descobertas de classe Nobel, porque vai abrir janelas de observação em comprimentos de ondas inexplorados. E quando há janelas novas, fazem-se descobertas.”

E o que irá observar-se? “Abordaremos uma série de questões científicas entusiasmantes, como a observação de pulsares e buracos negros para detectar as ondas gravitacionais previstas por Einstein, testar a teoria da gravidade e olhar para assinaturas da vida [moléculas orgânicas] na [nossa] galáxia”, explica Robert Braun, director científico da Organização do SKA. “Também observaremos um dos últimos períodos inexplorados da história da Universo — a época da reionização —, olhando para os primeiros 1000 milhões de anos, quando as primeiras estrelas e galáxias se estavam a formar.”

O projecto terá ainda uma vertente dirigida às escolas e ao público, explica José Augusto Matos, da equipa de divulgação científica do SKA em Portugal. “Vamos para a rua mostrar às pessoas o que é o SKA e para que serve.”

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