A memória do Ballet Gulbenkian nos corpos da CNB

Resgatando três coreografias marcantes na vida do Ballet Gulbenkian, a que se junta uma nova criação de Vasco Wellenkamp, a Companhia Nacional de Bailado recupera um legado determinante para a dança contemporânea em Portugal.

Fotogaleria
Será Que É Uma Estrela Bruno Simão
Fotogaleria
Será Que É Uma Estrela Bruno Simão
Fotogaleria
Será Que É Uma Estrela Bruno Simão
Fotogaleria
Será Que É Uma Estrela Bruno Simão
Fotogaleria
Será Que É Uma Estrela Bruno Simão

Há um quase infindável novelo de emoções a desenlear-se em Vasco Wellenkamp com a estreia de Homenagem ao Ballet Gulbenkian, pela Companhia Nacional de Bailado (CNB). Antes de mais, porque, ao ser convidado por Luísa Taveira, directora artística da CNB, a integrar um programa que celebrasse o legado do Ballet Gulbenkian (BG), desaparecido há precisamente dez anos, estaria inevitavelmente a regressar à época da sua afirmação enquanto bailarino e coreógrafo. Wellenkamp, a par de Olga Roriz (também aqui representada), seriam os dois criadores da casa responsáveis por boa parte da definição da linguagem do BG nas décadas de 1970 e 1980.

Autor da única nova criação do programa, para Wellenkamp esta foi igualmente uma oportunidade para voltar a trabalhar com a CNB, que dirigiu entre 2007 e 2010. Mas mais importante do que tudo o resto terá sido o impulso que levou o coreógrafo a recusar a proposta inicial de Luísa Taveira – recriar um dueto que protagonizara com a sua companheira (durante 36 anos), a bailarina Graça Barroso, falecida em Maio de 2013. “Por uma razão emocional não conseguia fazê-lo e sugeri à Luísa Taveira fazer uma peça nova, criada para a Graça, em sua homenagem e sobre as canções de música popular brasileira por que ela tinha uma grande paixão”, explicou Wellenkamp ao PÚBLICO.

“A Graça foi uma musa, uma das mais extraordinárias bailarinas que tivemos em Portugal e, no seu tempo, um dos pilares do Ballet Gulbenkian”, continua o coreógrafo que, em Será Que É Uma Estrela, montou uma peça que não esconde a nítida declaração de amor que se desenrola em palco, do enamoramento à despedida e à tristeza funda de assistir à chegada da morte. Para Wellenkamp, os bailarinos foram também “inspirados pela força magnética de um tema tão intenso”, enquanto atrás deles, embalando os movimentos dos três casais que se sucedem na narrativa, a cantora Maria João e o pianista João Farinha interpretam canções de Edu Lobo, Chico Buarque, Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

Embora afirme já não ser “o mesmo coreógrafo da altura” da sua passagem pelo BG, Wellenkamp reconhece que “esta obra resulta ainda dessa essência” germinada no período em que encontrou a sua linguagem coreográfica no seio da companhia. Por isso mesmo, faz questão de estender a homenagem a Madalena de Azeredo Perdigão, que classifica como “o grande motor da dança em Portugal”, ao criar e defender o BG durante anos em que muitos dos principais criadores mundiais trabalharam com a companhia. “Temos tendência a esquecer, mas toda a gente na dança lhe deve esse entusiasmo e essa capacidade de fazer.”

Contra o esquecimento
Foi precisamente contra o esquecimento que Luísa Taveira elaborou o programa que se estreia esta quinta-feira no Teatro Camões, em Lisboa, e que inclui a nova criação de Wellenkamp, Treze Gestos de Um Corpo, de Olga Roriz, Twilight, de Hans van Manen, e Minus 16, de Ohad Naharin. “O BG deixou muitas sementes e continuamos a cavalgar em cima do gigante”, diz a directora artística da CNB ao PÚBLICO. “Agrada-me trazer uma memória para cima deste palco, até porque a missão de uma companhia de reportório é transportar memórias para o presente. O BG merecia que lhe fizéssemos isso.”

Mesmo existindo um legado óbvio, se este não for reanimado periodicamente “não existe”, declara Taveira. “Tenho dito que houve uma coisa que chocou quando, há duas ou três semanas, reparei que mais de 50% destes bailarinos nunca viram o BG. Dez anos é imenso tempo e é muito importante de vez em quando ir repescar estas boas memórias.” “Hoje”, argumenta Wellenkamp, “percebemos mais do que nunca a falta que o BG faz do ponto de vista de um modelo de companhia contemporânea.” Há dez anos, quando a Fundação Calouste Gulbenkian decidiu extinguir a companhia de dança, justificava-se com a existência de estruturas que poderiam preencher um espaço semelhante. “Mas a verdade é que com as crises que se sucederam até agora”, responde o coreógrafo, “a realidade mostrou que tudo isso se está a perder.”

A braços com um monumental reportório de 40 anos de vida da companhia, Luísa Taveira acabou por chegar a este conjunto de quatro obras agora interpretadas pela CNB, sabendo desde o início que “fazia questão de ter os dois coreógrafos portugueses mais relevantes” desse historial. Inevitavelmente, a reposição de Treze Gestos, de Olga Roriz, une-se também às comemorações dos 40 anos da sua carreira na dança, sendo uma das peças que a coreógrafa considera fundadoras da sua linguagem artística. Tornar-se-ia, na verdade, numa das criações no âmbito do BG que mais correu mundo e acumulou prémios. Em palco, antes como agora, um homem e a sua desmultiplicação em 13 estados, num entra e sai constante de 13 portas sugeridas por um quadro de Vieira da Silva.

As 13 podem também resumir-se a uma porta, desta feita: a de entrada no passado de uma companhia que marcou profundamente a vida artística portuguesa e cuja visita deveria ser frequente.

Sugerir correcção
Comentar