Alunos sem Inglês porque professores estão em formação

Fenprof acusa ministério de "desviar" docentes para "empresa privada".

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Exames do 4.º ano vão deixar sem aulas muitos alunos do ensino básico Nélson Garrido/Arquivo

Esta quarta-feira e amanhã muitos alunos não terão aulas de inglês, já que os respectivos professores foram convocados para participar numa acção de formação sobre a aplicação e classificação do teste concebido pela Cambridge e obrigatório para os alunos inscritos no 9.º ano. O Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) confirma que vão participar em acções daquele género 2150 docentes, dos quais 280 estão nesta quarta-feira em formação.

A denúncia foi feita pela direcção da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), que acusou o Ministério da Educação e Ciência (MEC) e o IAVE de “desviarem” os docentes da sua função para trabalharem para “uma empresa privada”. Grande deve ser a contrapartida para o MEC, entidade que deverá assegurar o direito às aulas por parte dos alunos, para ter desviado professores de Inglês, em todo o país, para frequentarem formação promovida pela empresa Cambridge”, lê-se no comunicado divulgado por aquela organização sindical

Em declarações ao PÚBLICO, Ana Neves, da Associação Nacional de Professores de Língua Inglesa (ANPLI), confirmou que para parte dos professores as acções de formação foram marcadas para esta quarta e quinta-feira, independentemente do horário lectivo, e com apenas 48 horas de antecedência. O IAVE especificou que "neste momento são 2150 os professores designados pelas respectivas escolas para as acções de formação". "Hoje estão em formação 280 professores" e "os restantes realizarão as acções de formação nos próximos dias", informou, através do gabinete de imprensa. Não fez qualquer referência ao facto de as acções se realizarem durante as actividades lectivas.

Na terça-feira, além da Fenprof e da ANPLI, também a Associação Portuguesa de Professores de Inglês (APPI) contestou a forma como o MEC e o IAVE estão a conduzir este processo. E, em especial, as condições de certificação dos professores que vão corrigir as provas, um trabalho que este ano é obrigatório, mas continua a não ser remunerado. Nesta quarta, a Federação Nacional de Educação (FNE) juntou-se aos protestos e anunciou que pediu uma reunião ao ministro da Educação "com carácter de urgência", devido a diversos problemas relacionados com a prova, desde a certificação dos professores à perturbação causada nas escolas.

 

A direcção da APPI diz ser inaceitável que “professores com diversos graus outorgados por estabelecimentos de ensino superior nacionais – licenciatura, mestrado, doutoramento na área da língua inglesa – que não disponham cumulativamente de qualquer das certificações elencadas no ponto 2.1 [do artigo 14.º do regulamento] tenham que submeter-se ao Cambridge English Placement Test para avaliar a sua proficiência linguística, em termos do nível C1 ou superior, do Quadro Europeu Comum de Referência para Línguas [QECR]”. No ponto 2.1 a que se refere a APPI, estão listadas as certificações reconhecidas pela Cambridge; no ponto 2.2 é referido que “outras, equivalentes ao nível C1 ou superior, terão de ser submetidas à apreciação por Cambridge English Language Assessment, sendo a sua validação decidida caso a caso”.

 Testes aos professores são prática comum 

Num comunicado divulgado ao fim da tarde, a direção do IAVE respondeu, argumentando "a elaboração e a aplicação dos testes de Cambridge English Language Assessment estão sujeitas a normas e procedimentos rigorosos, definidos e controlados pelos Awarding Boards do Reino Unido", de cujo cumprimento "depende a possibilidade daquela instituição produzir resultados e certificados válidos e internacionalmente reconhecidos". Entre aqueles, especifica, está "a frequência de um programa de formação e a certificação linguística formal dos professores classificadores que terão a responsabilidade de aplicar e classificar os testes dos alunos".

"Não está em causa a validade das licenciaturas, dos mestrados ou dos doutoramentos ministrados pelas universidades portuguesas, pois a realização do do Cambridge English Placement Test  [pelos classificadores] é uma prática comum a todos os países onde as formações académicas dos docentes não conferem uma certificação linguística internacionalmente reconhecida", justifica o IAVE. Compara, por fim, as exigências da Cambridge com a formação dos professores classificadores dos exames nacionais do ensino secundário, que, sublinha, "desde 2010 obedece a procedimentos de certificação que incluem a realização de um teste e a produção de um relatório".

Directores não estranham

Nesta quarta-feira, o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), Manuel Pereira, disse "não estranhar que os professores de Inglês sejam chamados para acções de formação durante as actividades lectivas". "Não estranho, pelo menos, mais do que estranho muitas outras coisas: é normal o MEC e o IAVE não se preocuparem, nestas situações, com a perturbação que causam nas escolas. E, neste caso específico do teste de Inglês, muito mais estranho é que se ponha toda a máquina da escola pública a trabalhar para uma entidade privada", referiu. 

O vice-presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima, disse que "seria preferível" que as actidades de formação para a correcção do teste da Cambridge se realizassem "fora do horário lectivo". "Até porque a legislação obriga a que isso aconteça em todos os outros casos de formação" frisou. Ainda assim, disse considerar que, "face à importância do Inglês", as direcções das escolas "podem sempre organizar permutas com professores de outras disciplinas, de forma a que os alunos não fiquem prejudicados". "Infelizmente, são sempre prejudicados os professores, e neste caso, os de Inglês, que vão ter um trabalho acrescido e difícil sem serem remunerados", lamentou.

 

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