Chapitô deverá gerir casa para menores que saem em “liberdade condicional”

Casas de autonomização estão previstas na lei aprovada em Fevereiro, onde se enquadram as medidas a aplicar no âmbito da justiça juvenil. Direcção-Geral de Reinserção está a negociar com Chapitô.

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Jovens “muito indisciplinados e para os quais não valha a pena correr riscos” não terão aceso à “liberdade condicional Paulo Pimenta

O projecto cultural e educativo Chapitô, em Lisboa, deverá passar a gerir uma das casas de autonomização e de supervisão para jovens condenados por crimes. A nova Lei Tutelar Educativa entrou em vigor a 15 de Fevereiro estabelecendo a existência destas casas, mas até agora elas ainda não existem.

O facto já foi, aliás, criticado pela coordenadora da Comissão de Acompanhamento e Fiscalização dos Centros Educativos. Maria do Carmo Peralta avisou que a “lei é instantânea, mas não havendo casas os juízes não a podem aplicar”.

“Estamos num período de regulamentação e a negociar com o Chapitô para que pelo menos uma das casas destinadas aos jovens que sairão numa espécie de ‘liberdade condicional’ fique lá instalada”, adianta agora ao PÚBLICO o subdirector da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), Licínio Lima.

A DGRSP espera ter a negociação com o Chapitô concluída até Setembro deste ano. Só então será iniciada a instalação da casa nos edifícios do projecto cultural. “O Chapitô está há cerca de 30 anos em instalações da DGRSP, localizadas no Castelo de São Jorge”, explica Licínio Lima. “O protocolo com a DGRSP acaba este ano, por isso, vamos aproveitar para rever o nosso acordo com a instituição. Neste momento, a renda, que seria de 20 mil euros por mês, é paga em espécie, ou seja, pagam com serviços. Pretendemos dar-lhes mais espaço numa área contígua e em troca aceitam gerir esta casa de autonomização.”

Regras e supervisão
Estas casas servirão para acolher jovens que já cumpriram metade da medida de internamento em centros educativos. A ideia é que possam cumprir o tempo restante nestes novos espaços, sujeitos a supervisão e a um conjunto de regras, tal como consta da nova Lei Tutelar Educativa (a última datava de 1999), que abrange os menores que cometem crimes com idades compreendidas entre os 12 e os 16 anos (o internamento pode ser cumprido até aos 21).

A DGRSP também destacou recentemente seis técnicos de reinserção social que irão ser os responsáveis pela supervisão dos menores abrangidos. Três deles trabalharão em Lisboa, os restantes ficam no Porto e em Coimbra.

Serão estes técnicos quem poderá propor aos juízes dos tribunais de família e menores a passagem do internamento de um jovem num centro educativo para aquilo que Licínio Lima (que salienta que os “centros educativos não são uma prisão mas uma escola de educação para o direito”) qualifica de forma mais simples como “liberdade condicional”.

A lei admite a possibilidade destes jovens cumprirem esse período de supervisão “no meio natural de vida”, voltando à habitação dos pais, mas reforça a preferência pelas casas de autonomia a criar. Nessas habitações, os jovens terão de cumprir “regras de conduta” entre as quais poderão estar a obrigação de “frequentar o sistema educativo”, “programas do tipo formativo, cultural, educativo, profissional, laboral, de educação sexual, de educação rodoviária”, obrigação de assiduidade no trabalho e proibição de frequentar determinados locais. Se alguma exigência for violada de forma grave ou reiterada, o juiz poderá recolocar o menor num centro educativo onde cumprirá o restante da medida de internamento.

Misericórdias contactadas
A direcção-geral está ainda a preparar um manual de procedimentos dirigido aos técnicos. “Não queremos colocar nesta liberdade condicional os miúdos que forem muito indisciplinados e para os quais não valha a pena correr riscos. Esses continuarão a cumprir o internamento. Por outro lado, aqueles que estiverem já bem inseridos em meio familiar e urbano, é preferível que voltem para as suas famílias. Esta opção é para aqueles que pertencem a famílias desestruturadas ou que não tenham sequer família”, acrescenta.

A experiência já não é nova para o Chapitô. “Neste momento já temos capacidade para acolher seis jovens (com mais de 16 anos) que na verdade acolhemos porque eles nos escolhem. São jovens que nos vão conhecendo a pretexto das nossas actividades de formação artística nos centros educativos e que quando saem após cumprirem o internamento querem mudar de vida. São miúdos cheios de energia e com vontade de viver”, diz a presidente da direcção do Chapitô, Teresa Ricou.

Para este projecto cultural, a grande diferença é a de que passará a acolher jovens que ainda não cumpriram toda a medida de internamento a que foram condenados. “Estamos cá para ajudar e estamos nisto com uma enorme boa vontade”, explicaTeresa Ricou. "Mas ainda vamos ver como isso se vai processar. Experiência não nos falta, mas não podemos substituir a Justiça. Não fazemos milagres."

O Chapitô é formalmente uma Instituição Particular de Solidariedade Social. Assegura um ensino artístico para turmas do ensino secundário, sendo financiado a 40% pelo Estado e vive ainda de rendimentos que obtém com espectáculos. “É bom salientar que na verdade não pagamos renda, mas quando chegamos o edifício estava muito degradado e fomos nós que o reabilitamos. O espaço extra que nos derem também terá de ser recuperado às nossas custas”, refere a fundadora do projecto cultural.

As restantes casas de autonomização e supervisão em Lisboa e no Porto, segundo Licínio Lima, poderão vir a ser geridas pelas respectivas misericórdias com quem “a DGRSP está também a dialogar” já tendo recebido “bom feedback”.

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