Moradores de Campolide decidiram: 61,5% querem substituir a calçada

Na votação, promovida pela Junta de Freguesia de Campolide, em Lisboa, votaram 349 pessoas.

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Nalgumas ruas de Campolide, a calçada vai dar lugar a um piso contínuo semelhante ao das ciclovias Enric Vives-Rubio

Os moradores de Campolide, em Lisboa, já decidiram: entre a “tradição” da calçada e a “segurança” de um piso contínuo, escolheram a segunda opção, com 61,5% dos votos.

A votação realizou-se na quarta e na quinta-feira e contou com a participação de 349 das cerca de 15 mil pessoas recenseadas na freguesia. Entre aqueles que se dirigiram às urnas, 38,5% escolheram a “calçada, tradicional, à semelhança do que já existe”, e 61,5% optaram por “outro tipo de pavimento contínuo, mas moderno e seguro”.

No regulamento deste “processo de partilha de decisão” diz-se que os seus resultados “não são vinculativos”, mas o presidente da junta de freguesia sempre garantiu que iria respeitar o sentido de voto dos eleitores.

Ao PÚBLICO, o presidente André Couto explica que quer que a decisão agora tomada tenha “rapidamente” um reflexo prático no terreno, adiantando que as primeiras obras de substituição da calçada por outro piso deverão ter início “até ao final do ano”. A Rua de Campolide e a Rua General Taborda são duas das artérias apontadas como prioritárias pelo autarca.

André Couto frisa que caso os votantes tivessem escolhido a calçada, a existente naquelas ruas teria sempre de ser substituída, por não se apresentar nas devidas condições. As intervenções que vão agora ser realizadas, acrescenta, vão além da substituição por um piso contínuo, semelhante ao das ciclovias, já que incluirão também a colocação de pilaretes nalguns locais para manter os carros longe dos passeios e “salvaguardar a circulação dos peões”.

O autarca socialista afirma que está “muito contente” com a forma como decorreu este processo participativo, em relação ao qual diz ter recebido reacções positivas de muitas pessoas. “Disseram-me que o voto aqui tem mais consequências do que nas outras eleições”, conta, constatando que neste caso as pessoas foram chamadas “a decidir algo que diz respeito ao seu quotidiano, à sua vida diária”.

Quanto ao facto de terem votado 349 eleitores, num universo de cerca de 15 mil, André Couto frisa que estava em discussão “uma questão muito específica da zona antiga” de Campolide. “Era uma questão muito localizada”, diz, acrescentando que face a isso considera que “a participação foi muito razoável”.

Já o Fórum Cidadania Lisboa considera que este processo é “claramente ilegal” e “abala os mais básicos fundamentos de um estado de Direito, atacando a democracia e o direito ao voto”. Por isso, o movimento decidiu enviar uma “queixa” ao Tribunal Constitucional, à Provedoria de Justiça e à Comissão Nacional de Eleições, na qual pede que sejam desencadeados os procedimentos necessários com vista à “anulação/revogação do acto eleitoral”.

“Pretendeu-se, claramente, legitimar uma opção política, recorrendo a expedientes ilegais, procurando-se a legitimação através de uma minoria dos cidadãos potenciais eleitores. Isto é uma clara subversão do sistema representativo, do ponto de vista moral e legal”, diz o fórum na missiva que endereçou àquelas entidades.

Entre outros aspectos, este movimento de cidadãos questiona se foram cumpridas as “regras tipificadas em legislação nacional” para os referendos locais (expressão que não é usada pela Junta de Freguesia de Campolide, que fala num “processo de partilha de decisão”), defendendo que no caso em apreço a pergunta feita aos eleitores era “claramente tendenciosa”.    

Segundo se lê no regulamento disponível no site da junta de freguesia, a pergunta à qual responderam 349 eleitores era a seguinte: “Na sequência do Protocolo de delegação de competências em que a Câmara Municipal de Lisboa delega na Junta de Freguesia de Campolide a competência de recuperação da pavimentação de algumas vias de trânsito pedonal da Freguesia de Campolide, qual a sua preferência de tipo de pavimento a colocar nas ruas da Freguesia que a Junta de Freguesia de Campolide vier a intervencionar? a) Calçada, tradicional, à semelhança do que já existe; b) Outro tipo de pavimento contínuo, mais moderno e seguro”.

Também Carlos Moura, que além de vereador na Câmara de Lisboa é eleito da Assembleia de Freguesia de Campolide, tem reservas quanto a esta consulta à população. Numa posição escrita que fez chegar ao PÚBLICO, o autarca comunista lamenta que o este processo tenha sido “planeado e executado sem qualquer informação antecipada às outras forças presentes na Assembleia de Freguesia - pelo menos não o PCP - o que é no mínimo estranho”.  

“O que é apresentado como um processo transparente, participado e democrático, resulta apenas num simulacro de participação cívica, mistificando a amostragem de cidadãos informados e chamados a pronunciar-se e, não tenho muitas dúvidas, realizado com o único propósito de justificar o constante no Plano de Acessibilidades, desenvolvido pela Câmara Municipal de Lisboa, num dos seus pontos mais polémicos”, diz o autarca. Esse plano, aprovado pela Assembleia Municipal de Lisboa no início de 2014, abre a porta à introdução de soluções alternativas à calçada nalguns locais na cidade.   

“Enquanto Vereador escandaliza-me que se recorram a pseudo-processos participativos para justificar orientações assumidas superiormente. Enquanto eleito na Assembleia de Freguesia choca-me que os órgãos da freguesia não tenham sido chamados a pronunciar-se em nenhum momento sobre a questão”, conclui Carlos Moura.   

 Em 2012, a junta tinha promovido um outro processo participativo, através do qual os moradores puderam escolher que destino dar a um terreno baldio na Avenida Miguel Torga. Entre um jardim e um parque de estacionamento, 67% dos votantes optou pelo primeiro.

Notícia actualizada às 14h11: Acrescentadas as posições do Fórum Cidadania Lisboa e do autarca Carlos Moura

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