Pessoas com problemas de saúde mental devem voltar ao trabalho antes de estarem “curadas”

Relatório da OCDE apresenta Reino Unido com um caso de boas práticas porque criou um programa para democratizar o acesso à psicoterapia no sistema público de saúde. Já a Suécia introduziu sistemas de baixa por doença a tempo parcial.

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OCDE defende que empresas devem adaptar locais de trabalho a pessoas com problemas de saúde mental Shamila Mussa

É um erro pensar que as pessoas com problemas de saúde mental só devem regressar ao trabalho quando estão “curadas”, até porque neste tipo de problemas esse conceito muitas vezes não se aplica. O que deve acontecer é a adaptação dos locais de trabalho a trabalhadores com este tipo de problemas, refere o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) intitulado Mente em forma, trabalho eficaz: da evidência à prática em saúde Mental e no trabalho, que foi divulgado esta quarta-feira. Apesar de destacarem alguns países que adoptaram medidas para estes casos, o relatório não faz qualquer referência a Portugal.

Do lado dos empregadores ter na sua força de trabalho pessoas com problemas de saúde mental implica diminuição dos níveis de produtividade e, em última análise, absentismo laboral. O que este relatório defende é que há muito a fazer para mudar um cenário que parece inevitável: a pessoa adoece, vai de baixa e fica em casa por longos períodos de tempo porque não consegue gerir o seu ritmo e ambiente de trabalho habituais, acabando, muitas vezes, a ausência por se eternizar.

A OCDE vem defender que é preciso adaptar os locais de trabalho a esta população, ainda mais porque este problema é frequente: cerca de um quinto da população activa sofre, nalgum momento da sua vida, de doença mental. E uma em cada duas pessoas irá passar por um período de baixo nível de saúde mental, a maior parte dos casos doença mental ligeira a moderada, sobretudo perturbações de ansiedade e de humor, refere o documento.

Poucos membros da OCDE, que congrega cerca de 30 países identificados com o valor da governação democrática e os princípios da economia de mercado, têm os seus sistemas de emprego preparados para lidar com este tipo de trabalhadores. Face à falta de respostas do mercado de trabalho estes tendem, cada vez mais, a engrossar as estatísticas de desemprego dos países. “A abordagem típica dos sistemas de emprego é esperar que um dia possam voltar, quando estiverem tratados e curados”. O que o documento diz é que esta abordagem não se adequa a este problema, uma vez que “a maior parte não pode ser ‘curado’, no sentido tradicional da palavra”.

Outro problema são os próprios sistemas de atribuição de benefícios sociais dos países. Estão preparados para avaliar a incapacidade para o trabalho e não para criar formas de regresso ao trabalho, sublinha-se. Mas nalguns países da OECD, caso da Suécia e da Noruega, o sistema de atribuição de baixas por doença já encoraja, por exemplo, a baixa a tempo parcial, de modo a permitir que trabalhadores com este tipo de queixas de saúde mantenham a sua ligação ao local de trabalho e possam fazer um regresso gradual ao trabalho a tempo inteiro.

“Está em prática em poucos países a criação de planos de regresso ao trabalho desenhados pela empresa com a ajuda do médico assistente do trabalhador”, refere o documento. E há cada vez mais países da OCDE que passaram a pedir aos médicos que, no atestado que dá conta da incapacidade para o trabalho, passem a incluir informações sobre as tarefas/funções que o doente continuaria apto a desempenhar.

É que outro dos problemas apontado é o facto de muitos médicos de família se limitarem a passar baixas, nada fazendo para ajudar os trabalhadores com problemas de saúde mental a tentarem resolver os seus problemas laborais e a regressarem ao trabalho. No pior dos cenários, estas baixas e benefícios por incapacidade acabam por se prolongar, contribuindo para afastar definitivamente as pessoas do mercado de trabalho.

O relatório destaca como bons exemplos a Austrália e a Dinamarca, onde foram feitos grandes investimentos em cursos específicos de saúde mental para médicos de família. “O treino de médicos de família tem uma importância crucial, uma vez que são muitas vezes a porta de entrada no sistema de saúde de pessoas com problemas de saúde mental e muitas vezes são a único médico a que terão acesso”.

A OCDE aborda também a questão da saúde mental em termos gerais, dizendo que a prevenção é essencial. “Há estudos que demonstram que muitas pessoas são diagnosticadas muito tarde, dez anos depois de terem a doença”, quando os tratamentos são mais eficazes no início do aparecimento dos sintomas e quando as pessoas ainda estão bem integradas, também em termos laborais. A OCDE dá conta da preocupação sentida em muitos países, por causa da crise, de cortes na saúde mental.

A OCDE diz ainda que o tratamento destas patologias continua centrado na prescrição de medicamentos, nomeadamente de antidepressivos. Mas há pequenos passos a contrariar esta tendência em alguns países. "Na Austrália e Reino Unido está a ser aumentado o acesso à psicoterapia para problemas de saúde mental mais comuns, que têm provado ser eficazes, mais em adultos do que crianças." Por exemplo, no Reino Unido foi criado um programa específico que permitiu o acesso a terapias psicológicas a 1,1 milhões de pessoas com perturbações de saúde mental mais comuns entre 2010 e 2013, as taxas de recuperação atingiram os 45%.

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