Dever adiantado

Ficar a dever o que se queria pagar adiantado — e depois pagar a tempo — é uma das poucas anedotas benéficas do nosso tempo.

"Quem paga adiantado é mal servido": é uma verdade que me foi várias vezes relembrada pela Ana e pelo Cesaltino, que são os donos e trabalhadores da maravilhosa mercearia Eles e Elas de Almoçageme que temos a sorte de ser nossa vizinha.

Às quartas e aos sábados chega o magnífico pão integral da padaria da Assafora (de São João das Lampas), em pães de forma e em carcaças. É, sem qualquer dúvida, o melhor pão integral do mundo. Varia de semana a semana e de mês para mês porque o pão verdadeiro é assim.

Como o Eles e Elas está sempre cheio de gente conseguimos convencer a Dona Ana (a quem os compatriotas chamam Anita: um privilégio que ainda não merecemos) a podermos pagar de antemão o pão da quarta-feira e de sábado, para não termos de fazer bicha.

Na segunda-feira fui à farmácia e, tendo gasto mais dinheiro do que pensava, fiquei com dinheiro insuficiente para pagar o pão de quarta-feira e de sábado. Fiquei a dever 10 euros.

Mal voltei a casa e fui pagá-los. Fui pagar o dinheiro adiantado que tinha ficado a dever. Claro que poderia aparecer na quarta ou no sábado e pagar o pão que tinha comprado. Mas senti-me terrivelmente em falta.

Afinal tinha ficado a dever o dinheiro adiantado que ainda não tinha pago.

Rimo-nos todos quando fomos pagar. Uma coisa é a economia. Outra é o riso, o sentido de humor e do dever. Ficar a dever o que se queria pagar adiantado e depois pagar a tempo é uma das poucas anedotas benéficas do nosso tempo.

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