“O MP actua de acordo com a lei. Não há timings políticos”

A procuradora-geral da República Joana Marques Vidal revela nesta entrevista a razão pela qual não foi aberto processo-crime contra Mário Soares por causa das suas declarações em defesa de José Sócrates e alerta para o grave risco de prescrições devido à falta de funcionários. Esta é a primeira entrevista de uma série sobre justiça.

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Joana Marques Vidal e o caso Sócrates

Na primeira entrevista que a procuradora-geral da República dá após a detenção do ex-primeiro ministro José Sócrates, Joana Marques Vidal fala do que está a ser feito para combater a corrupção, admite falta de meios e funcionários e relativiza as violações do segredo de justiça.

O ex-primeiro ministro José Sócrates veio da prisão para ser ouvido no âmbito de processos sobre violações do segredo de Justiça do caso Marquês. O combate às violações do segredo, que ocorrem de forma sistemática, era uma prioridade do seu mandato. Isto não indigna quem guarda ‘os guardas do segredo’?
Claro que indigna. O Ministério Público e a Procuradora-geral em concreto têm procurado reagir a essa violação, instaurando os respectivos processos. E, em termos internos, apelando para que não se verifique essa violação. Preocupa-nos as violações que têm ocorrido neste caso, mas também todas as que têm ocorrido em outros processos igualmente importantes que estão em investigação, casos que não são tão mediáticos, mas são muito importantes para as populações. Espero chegar ao final do mandato mais contente do que estou agora. Em termos internos, o MP tem feito um grande esforço para adoptar procedimentos que previnam estas violações.

Que procedimentos? Não têm sido visíveis…
Se havia magistrados do MP que, por um motivo ou outro, pudessem ter alguns contactos mais próximos e alguns deslizes que iriam provocar uma violação do segredo de Justiça, considero que ao nível do MP isso está muito limitado para não dizer que não existe. As violações vêm de vários intervenientes. E para evitar que elas ocorram é necessário o envolvimento e o compromisso do Ministério Público, mas também de outros intervenientes, como os órgãos de polícia criminal, os funcionários e inclusive os advogados.

Quando diz que as violações provêm de várias partes está a admitir que também vêm do MP?
Seria um atrevimento da minha parte garantir que não há nenhuma fuga da parte do MP. Mas posso garantir que, actualmente, a existir, elas são muito mais limitadas. Está em estudo um conjunto de procedimentos de boas práticas, que vêm na sequência de uma auditoria realizada. Neste sentido foi constituído, mas ainda não começou a trabalhar, um grupo de trabalho com a Polícia Judiciária para tentarmos acertar algumas boas práticas e alguns procedimentos tendo em vista evitar a violação do segredo como limitar o número de intervenientes no processo, sinalizar o percurso dos documentos, por exemplo. Mas há outros, como a marcação das páginas...

… Como foi feito no processo Face Oculta. Quando é que temos resultados destes inquéritos?
Não sei. Será na altura própria. Neste e noutros casos.

Mas este é um caso diferente até pelas consequências políticas que pode ter…
Para o MP, as consequências políticas não são tidas em atenção, é tida em atenção a repercussão pública. Mas volto a dizer que este caso é tão importante como outros que temos em investigação.

Falou na auditoria ao segredo de justiça. No documento eram feitas várias sugestões de alterações legislativas. Mas demarcou-se delas. Acha necessário mudar a lei para conseguir mais eficácia na investigação?
A violação do segredo de justiça é um crime importante, mas não é um dos mais importantes. Nem sequer é o mais frequente. Pratica-se em 1% dos processos em que foi declarado o segredo e o segredo foi declarado em 0,5% de todos os processos existentes em Portugal. Estamos a falar de um problema reduzido. Se a comunidade, que tem reflexos nos deputados da Assembleia da República e no Governo, considerar que este crime é tão importante que deve puni-lo de forma mais pesada para permitir a utilização de outros meios de prova.

A bastonária da Ordem dos Advogados já acusou neste estúdio, preto no branco, o Ministério Público de ser responsável pela violação do segredo de Justiça.
A bastonária com certeza que irá colaborar activamente num inquérito que foi instaurado na sequência das suas declarações. Espero que ela venha dizer quem violou o segredo de justiça.

Já agora, são os inquéritos por violação do segredo relacionados com o caso Marquês?
Há dois inquéritos que incorporam várias outras participações. Eram três e passaram a dois. Não significa que haja apenas duas violações.

A violação do segredo pode prejudicar a investigação, mas também pode ter consequências políticas. Vamos ter eleições legislativas este ano. Em que medida é que o Ministério Público tem em conta as repercussões políticas deste caso?
O MP actua de acordo com a lei. Não há timings políticos. Os inquéritos são instaurados, são investigados, seguem a sua tramitação normal. E quando  é necessário haver buscas ou prisões efectuam-se. Não podemos estar reféns do que são os prazos políticos ou os tempos políticos. A própria lei prevê que há processos com repercussão mediática e isso poderá influenciar somente alguma forma de comunicação daqueles processos. Mas não poderá influenciar a tramitação normal do processo.

Se a acusação cair em cima das legislativas, paciência?
Este como outros.

Muito se tem dito sobre a qualidade da prova que terá o Ministério Público no caso Sócrates. As defesas têm falado em ilegalidades várias. Põe as mãos no fogo pela forma como este processo está a ser conduzido?
O processo está a ser conduzido de acordo com as regras do Direito Penal e do Direito Processual Penal. Todas as questões de ilegalidade, irregularidade, prova suficiente de elementos probatórios são analisadas no âmbito do processo. Há possibilidade de recursos e há recursos que estão em apreciação por tribunais superiores. Os arguidos são representados por advogados, os advogados têm o modo próprio de reacção. Temos uma legislação penal e processual penal que consagra garantias que têm o seu tempo próprio.

Com certeza que está a acompanhar este caso. Com o conhecimento que tem pode dar a garantia aos cidadãos que se sente tranquila com o que está a ser feito?
Os inquéritos-crime têm uma tramitação que está prevista no código processo penal. A hierarquia intervém nas condições previstas. É evidente que a hierarquia, a procuradora-geral, os procuradores-gerais distritais, os directores de departamento fazem o acompanhamento dos processos em geral, sobre a forma como estão a decorrer. É evidente que há reuniões e não têm nada de fora do habitual.

Declarações como a do antigo Presidente da República Mário Soares, que chegou a dizer num artigo ao juiz de instrução "que se cuide", podem ser entendidas como formas de pressão, desabafos ou são crime?
A liberdade de expressão é um direito que eu muito preservo. Quando se considera que há um crime, se for público, instaura-se o respectivo procedimento criminal.

E neste caso?
Não foi instaurado porque se considerou que estávamos perante uma manifestação de opinião mais viva, mais impressiva. Pode-se concordar ou não, mas considerou-se não existirem contornos de ilícito criminal. Está escrito. Há um despacho juridicamente fundamentado.

O PÚBLICO e a Rádio Renascença iniciam hoje uma parceria com um primeiro ciclo de entrevistas, de periodicidade mensal, com os grandes protagonistas da Justiça. 

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