Rainha Sofia esteve em Lisboa a ouvir falar de neurociências

A Rainha Sofia, de Espanha, esteve em Lisboa por ocasião de encontro entre cientistas da Fundação Champalimaud (Portugal) e da Fundação Rainha Sofia (Espanha), que se juntaram para definir projectos de investigação conjuntos na área das doenças neurodegenerativas.

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A Rainha Sofia, de Espanha, a visitar os laboratórios de neurociências João Silva

Numa pequena sala, tapada por cortinas pretas e iluminada por alguns spots de luz, Michael Orger, neurocientista da Fundação Champalimaud, em Lisboa, recebeu esta quarta-feira uma invulgar convidada: a Rainha Sofia, de Espanha. Começou por lhe mostrar, ao fundo da sala, o microscópio “especial” que construiu “para obter mapas 3D do cérebro dos peixes-zebra”.

Numa mesa ao lado, havia vários ecrãs com lindíssimas imagens tridimensionais e a cores do interior da cabeça destes animais. “Cada ponto de cor corresponde a um neurónio do cérebro do peixe-zebra”, salientou Michael Orger, “e a cor do ponto diz-nos quando mais se activa cada neurónio”: verde para os neurónios mais activos quando o peixe nada a contra-corrente, cor-de-rosa e azul para os neurónios que mais respondem quando vira para a esquerda ou a direita.

“Por que estuda estes peixes?”, perguntou-lhe a Rainha Sofia num inglês impecável. “Porque neste estádio precoce da sua vida, quando medem apenas uns milímetros, são transparentes” – e isso permite ver as células. “E também porque conseguimos alterá-los, introduzindo [no seu ADN o gene de] uma proteína [que faz brilhar os neurónios].”

“E passa aqui o dia todo?”, pergunta ainda a convidada. Resposta afirmativa do cientista. “Tenho a certeza de que os dias passam muito depressa para si”, diz ela. “Posso ver os peixes?”

Michael Orger satisfaria esse pedido uns minutos depois, já no corredor, esgueirando-se entre os seguranças, jornalistas, cientistas e notáveis da Fundação Champalimaud, que rodeavam a convidada, com um pratinho de laboratório cheio de água onde se conseguia perceber vagamente uns bichinhos que nem pareciam peixes. Isso faria a Rainha Sofia dizer mais tarde, com sentido de humor, quando alguém evocara os estudos de comportamento dos peixes: “Sim, foram esses peixes que nós vimos – ou melhor, que não vimos…”    

Visitou-se também a grande sala do laboratório do Centro de Neurociências da Fundação Champalimaud, um open space onde trabalha a maior parte dos neurocientistas da instituição. Ali, Cristina Marquez, investigadora espanhola, apresentou à Rainha Sofia um vídeo sobre as experiências que faz com ratinhos para estudar o seu comportamento de entreajuda. “Há dois animais: um que precisa de ajuda para obter comida e o outro ajuda-o”, frisou a cientista. “E se o ratinho mudar de opinião?”, pergunta a Rainha Sofia. “De facto, isso acontece às vezes”, responde Cristina Marquez. “Descobrimos que os ratinhos nem sempre querem ajudar.”

Neurónios com espinhas

Numa outra sala ainda, a convidada foi recebida por mais três investigadoras, que lhe explicaram brevemente o que fazem. Estudam, graças a uma técnica de microscopia dita de “dois fotões”, umas excrescências dos neurónios, chamadas “espinhas dendríticas” e presentes ao nível das ligações neuronais, que se sabe hoje estarem envolvidas nos processos de memória e aprendizagem.

A visita da Rainha Sofia à Fundação Champalimaud foi motivada pelo lançamento de um programa de colaboração científica entre a fundação portuguesa e a Fundação Rainha Sofia (espanhola) em torno de doenças neurodegenerativas humanas como a doença de Alzheimer ou a doença de Parkinson. Veio acompanhada de vários especialistas da sua fundação –– que se dedica, entre outras coisas, a fomentar a investigação básica e clínica das doenças degenerativas do cérebro.

Já no fim da visita às instalações do centro de neurociências (e do centro clínico do cancro), Rui Costa, que do lado da Fundação Champalimaud tem estado envolvido no lançamento desta cooperação luso-espanhola, disse aos jornalistas que, por enquanto, iriam focar-se na doença de Parkinson. Isto, explicou, porque é quase impossível saber se e quando é que uma pessoa vai desenvolver Alzheimer – ao passo que se sabe que muitas pessoas com Parkinson estão em risco de desenvolver uma demência.

“Um terço dos doentes com Parkinson também desenvolve demências”, salientou. E apesar de estas demências serem diferentes da doença de Alzheimer, pensa-se que existem processos comuns. Portanto, é por aí que deverão começar.

“Vamos tentar ‘casar’ os nossos campos de perícia para ver o que acontece nos ratinhos quando lhes injectamos extractos de cérebro colhidos em doentes com Parkinson”, frisa. “Vamos tentar perceber o que desencadeia a morte dos neurónios” na doença de Parkinson.

Em particular, os cientistas querem ver qual será o impacto da inoculação de extractos de cérebro de doentes sobre as espinhas dendríticas do ratinhos, uma vez que estas estruturas parecem ser um alvo deste tipo de doenças.

“Em finais dos anos 1980, nós e outras equipas científicas mostrámos que o ingrediente principal de uma das estruturas aberrantes que se formam no cérebro dos doentes com Alzheimer – os ‘emaranhados neurofibrilares’ – é uma [forma anormal] de uma proteína chamada tau”, explicou ao PÚBLICO Jesús Ávila, responsável científico pela Unidade de Investigação do Centro Alzheimer da Fundação Rainha Sofia, presente no encontro.

“E também mostrámos que, quando a proteína tau está alterada, as espinhas dendríticas dos neurónios desaparecem.” Daí o interesse em perceber em pormenor o que acontece a estas estruturas neuronais, essenciais ao funcionamento da memória e às capacidades cognitivas dos seres humanos.
 

   


 

   

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