Grécia ganha mais quatro meses, mas ainda tem de negociar as medidas que quer tomar

Yanis Varoufakis fala de um virar de página nas relações entre a Grécia e a Europa. Wolfgang Schäuble diz que “os gregos vão ter dificuldades em explicar este acordo aos seus eleitores”.

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Desta vez foram precisas três reuniões do Eurogrupo, mas a Europa conseguiu mais uma vez aquilo que todos concordam que faz muito bem: à última da hora, ganhar algum tempo para mais tarde poder resolver o problema. Neste caso, pode ter ficado com mais quatro meses, no cenário mais benigno, ou apenas três dias, no cenário mais pessimista.

Para já, o que ficou acordado no final da reunião do Eurogrupo desta sexta-feira foi uma extensão do acordo de financiamento entre a Grécia e os seus parceiros da zona euro por mais quatro meses, ou seja, até ao final de Junho, condicionado à aceitação da lista de medidas e reformas estruturais que o Governo grego irá ter apresentar em Bruxelas já na próxima segunda-feira.

Na conferência que se seguiu à reunião, o presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, disse que foi obtido “um resultado muito positivo” e que “este foi um passo importante para reconstruir a confiança entre as duas partes”.

Os principais passos para o acordo foram dados ainda antes de os 19 ministros das Finanças da zona euro (e os representantes da Comissão Europeia, FMI e BCE) se sentarems na mesma sala. Dijsselbloem reuniu-se em salas diferentes com o ministro das Finanças grego, Yanis Varoufakis, e o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, para tentar aproximar mais as posições daqueles que são claramente os dois grandes actores deste debate.

Desse esforço, saiu um texto em que os dois conseguiram concordar e que foi depois apresentado aos outros ministros na reunião do Eurogrupo. Apesar das objecções de alguns intervenientes, nomeadamente da Espanha e de Portugal, o acordo foi assinado.

Com o cuidado de não usar as palavras “programa” e “troika”, prevê que o empréstimo à Grécia e as condições que lhe estão associadas fiquem em vigor mais quatro meses para além do actual limite de 28 de Fevereiro. A disponibilização da tranche que falta ainda entregar depende de uma avaliação positiva das instituições que compõem a troika e dos parceiros europeus, havendo no entanto a flexibilidade para aceitar que as metas para o excedente orçamental primário sejam revistas e para que a Grécia apresente agora uma proposta própria de medidas e reformas estruturais que quer implementar.

Uma avaliação mais completa e com mais detalhes terá de ser feita até ao final de Abril, para que o dinheiro possa chegar a Atenas.

Até ao final de Junho, a nova data para o final dos empréstimos, terá de ser acordado um novo entendimento de mais longo prazo entre a Grécia e os seus parceiros europeus. As leituras que foram feitas do acordo variaram muito de acordo com os intervenientes.

Wolfgang Schäuble deixou claro que só assinou o documento porque a Grécia cedeu. “Os gregos certamente vão ter dificuldades em explicar este acordo aos seus eleitores”, disse, fazendo questão de assinalar (aos seus próprios eleitores) que, “enquanto o programa não for concluído de forma bem sucedida, não haverá lugar a qualquer pagamento”.

Derrotas e vitórias
Yanis Varoufakis tirou conclusões bastante diferentes. “Foram precisos três eurogrupos para virar a página - na Grécia e na Europa. O ministro das Finanças grego salientou que, com este acordo, foi devolvida à Grécia “a liberdade de tomar as suas próprias escolhas”, já que irá, a partir deste fim-de-semana, “passar a ser a co-autora, em conjunto com instituições, das medidas que acha que são precisas”. 

Em relação à sua posição inicial, antes do início desta série de três reuniões do Eurogrupo, a Grécia viu-se forçada a ceder em vários temas. Na prática, as condições que tinham sido assumidas pelo anterior Governo grego continuam a ser o ponto de partida para as negociação. Atenas pode fazer sugestões de alterações, mas estas serão avaliadas pela Comissão Europeia, pelo FMI e pelo BCE, de acordo com o princípio de que têm de ser compensadas financeiramente, para não colocar os objectivos orçamentais e de competitividade da economia em causa. É por isso que medidas como o aumento do salário mínimo ficarão, afirmou Varoufakis, para negociar num futuro “plano de recuperação” a aplicar após o fim do actual empréstimo.

Além disso, em vez do prolongamento de seis meses pretendido, foram dados apenas quatro meses, o que coloca o final da vigência do empréstimo antes das amortizações volumosas de dívida que estão previstas para Julho e Agosto.

Depois, numa prova clara de que a confiança dos outros países no novo Governo grego está longe de estar assegurada, ficou decidido que os cerca de 10 mil milhões de euros que estavam na posse da Grécia para capitalizar os seus bancos voltavam para o fundo de estabilização europeu. “É para garantir que não é usado pelo Estado”, explicou Dijsselbloem.

"Ambiguidade construtiva"
Mas a Grécia também tem as suas vitórias, que terão sido aliás os motivos das objecções de alguns dos ministros das Finanças presentes. Por um lado, o Eurogrupo assume já que a meta de um excedente orçamental primário de 3% em 2015 pode vir a não ser cumprida. O acordo afirma que “as instituições irão, para a meta de excedente primário de 2015, tomar as circunstâncias económicas de 2015 em consideração”. E mesmo para os anos seguintes é usada a expressão “excedente orçamental primário adequado”, aquilo a que Varoufakis chamou, na conferência de imprensa “uma ambiguidade construtiva”.

Isto é, a Grécia parece ficar com um maior espaço de manobra orçamental para negociar com as instituições da troika. E é isto que lhe permite, segundo Varoufakis, evitar medidas que tinham sido acordadas pelo anterior Governo como novos cortes de pensões e subidas do IVA.

Em segundo lugar, parece haver uma alteração na forma como se processam as negociações. O ponto de partida para o debate será a apresentação pelo Governo grego das medidas e reformas que entende serem necessárias. Isto será feito, garantiu Varoufakis, em contacto peramanente com as instituições da troika, e terá de contar com a sua avaliação positiva.

Em último lugar, a vitória que o Governo grego não podia dispensar é o desanuviamento das perspectivas de financiamento do Estado grego e dos seus bancos. É certo que para o dinheiro da zona euro chegar é preciso ainda uma avaliação positiva, mas pelo menos parece ficar mais distante o fantasma de um fecho da torneira do BCE aos bancos gregos, que estão a ser pressionados por fugas substanciais de depósitos. O ministro grego mostrou-se confiante que este acordo vai restaurar a confiança dos depositantes gregos e disse estar seguro de que o Banco Central Europeu vai voltar a aceitar a dívida soberana grega como garantia, que os bancos podem depositar no BCE para obter liquidez.

É preciso não esquecer, no entanto, que o próximo episódio destas negociações está marcado já para segunda-feira. Se as instituições europeias não julgarem aceitáveis as tais reformas a propor pelo Governo helénico, a Grécia “estará em apuros e este acordo morto e enterrado”, reconheceu abertamente o próprio Yanis Varoufakis.

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