Morrer em público

Graças aos pequenos progressos médicos e às grandes regressões autobiográficas, as mortes repentinas e inesperadas passaram a ser excepcionais.

Clive James está a morrer e tem escrito, repetidamente, poemas cada vez piores sobre isso. Oliver Sacks também tem os dias contados, conforme o artigo que escreveu no New York Times de 19 de Fevereiro. Mas comove.

Porquê? Clive James é uma pessoa hilariante mais do que inteligente. Não é nem um artista nem um intelectual: é um jornalista e um personagem televisivo que sempre viveu da superfície.

Oliver Sacks é um bom escritor e um neurologista que escreveu bem sobre a neurologia, a química e a infância. Oliver Sacks é um herói da humanidade e das doenças que fazem sofrer os seres humanos.

A morte, hoje em dia, é como a série de concertos de despedida de Frank Sinatra: é, graças a Deus, anunciada muito tempo antes de ocorrer. Graças aos pequenos progressos médicos e às grandes regressões autobiográficas, as mortes repentinas e inesperadas passaram a ser excepcionais. Ou rapidamente passarão a ser.

Clive James está a despedir-se há dois anos, aceitando a morte com valentia. Sacks tem-se queixado dos azares médicos que tem tido com uma veemência e uma justiça avassaladoras.

É provável — e triste  que ambos morram este ano. Mas ambos conseguiram e puderam viver mais ou menos como queriam. James foi mais valente. Sacks foi mais rebelde. A morte é uma lotaria. Não diz nada sobre ninguém. A única coisa não malvada que faz é lembrar que o que interessa é a vida.

São ambos heróis. Morrer em público é dar esperança a quem nasce. O resto somos nós.

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