Cedência grega abre brechas entre Berlim e Bruxelas

Pedido de extensão dos empréstimos feito pela Grécia será analisado esta sexta-feira pelo Eurogrupo, numa altura em que começa a faltar tempo para evitar que o Estado e os bancos gregos fiquem sem financiamento.

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Wolfgang Schäuble e Jean-Claude Juncker mostraram ter opiniões diferentes sobre a proposta grega REUTERS/Kacper Pempe

Vai ser a terceira reunião do Eurogrupo no espaço de uma semana e meia e pode muito bem ser aquela que finalmente vai decidir o destino da Grécia nos próximos meses. Para já, com uma proposta em que cede bastante, mas em que recusa dizer de forma explícita que cumpre o programa da troika, o Governo grego conseguiu pôr Bruxelas e Berlim a dizerem coisas diferentes.

Uma coisa é certa, os dados parecem estar agora já quase todos lançados. O Governo grego entregou esta quinta-feira ao Eurogrupo o seu pedido de uma extensão dos empréstimos concedidos pelos parceiros da zona euro. O documento, sob a forma de uma carta do ministro grego das Finanças, Yanis Varoufakis, ao presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, não só deu um sinal claro de que Atenas optou por recuar em muitas das suas posições iniciais, como acabou por abrir frechas na posição até agora bastante unida dos outros países da zona euro e das instituições europeias. A Grécia pode não ter ainda convencido todos os seus parceiros (a Alemanha certamente que não), mas parece estar agora menos isolada do que estava no final do Eurogrupo da última segunda-feira.

Os responsáveis do Governo de Atenas garantem que um pedido de extensão do programa da troika ou do memorando de entendimento não é feito, mas a verdade é que, embora nunca usando essas palavras, a Grécia fica muito próxima de fazer aquilo que lhe foi pedidos pelos outros países no Eurogrupo: “As autoridades gregas estão agora a requerer a extensão do Master Financial Assistance Facility Agreement (o plano de empréstimos acordado entre a Grécia e os seus parceiros) por um período de seis meses desde o seu final, tempo durante o qual iremos avançar em conjunto, e dando o melhor uso da flexibilidade existente no actual acordo, em direcção à sua conclusão bem sucedida e avaliação com base nas propostas, por um lado, do Governo grego, e, por outro lado, das instituições”.

O Executivo grego compromete-se ainda a manter um “equilíbrio orçamental” durante os seis meses de extensão dos empréstimos, garante que qualquer nova medida será sempre financiada e aceita que as instituições que compõem a troika (embora esta palavra também nunca seja usada) possam monitorizar o cumprimento dos compromissos assumidos.

Como contrapartida, a carta de Yanis Varoufakis pede que, durante estes seis meses, seja discutido um futuro programa de apoio ao crescimento económico e uma eventual reestruturação da dívida.

Mercados reagiram bem
Nas horas seguintes à divulgação da proposta da Grécia, assistiu-se a uma sequência surpreendente de reacções ao documento. A primeira foi dos mercados e foi muito positiva. A bolsa grega viu as cotações das suas empresas subir, em particular da banca, mostrando que os investidores ficaram bastante mais confiantes num acordo.

A seguir, foi a Comissão Europeia que, através de um porta-voz, disse que “o senhor Juncker manteve numerosos contactos durante toda a noite e viu sinais positivos (...) na carta” que Atenas enviou aos parceiros europeus. No dia anterior, o presidente da Comissão Europeia já tinha dado um sinal de apoio à Grécia, ao dizer que as negociações da troika com os países sob um programa não deveriam ter sido feitas com técnicos, do lado da troika, e políticos, do lado dos Governos – algo que também foi sempre defendido pelo Executivo liderado por Alexis Tsipras. Perante a reacção de Bruxelas, as bolsas subiram ainda mais.

Mas rapidamente caiu um balde de água fria sobre o entusiasmo dos mercados. O Ministério das Finanças alemão emitiu um comunicado em que defendia que a proposta grega era insuficiente. Foi o único governo da zona euro a tomar uma posição pública sobre o tema, na véspera da reunião do Eurogrupo. “A carta de Atenas não é uma proposta que conduza a uma solução substancial. Na verdade, vai na direcção de um 'financiamento-ponte', sem cumprir as exigências de um programa”, lia-se no comunicado.

Mais tarde, alguns meios de comunicação social divulgaram o que foi a posição alemã num encontro preparatório da reunião do Eurogrupo que aconteceu já na quinta-feira. A Alemanha defendeu que “a carta grega não é nada clara”, que não explica, por exemplo, “como é que o Governo grego pretende pagar as suas contas nas próximas semanas” e conclui que a proposta de Varoufakis, em vez de estar em linha com o que lhe tinha sido pedido no Eurogrupo, “representa um cavalo de Tróia, que pretende obter um financiamento-ponte, colocando, em substância, um ponto final no actual programa”.

O Ministério das Finanças alemão, liderado por Wolfgang Schäuble, até deixou uma sugestão sobre o que deveria dizer a carta grega, em apenas três frases: “Requeremos a extensão do actual programa, dando uso à flexibilidade nele existente; Iremos acordar com as instituições quaisquer alterações nas medidas do actual memorando de entendimento; E temos como objectivo concluir o programa com sucesso”.

A resposta do Governo grego a este chumbo de Berlim foi subir a parada com o seu próprio ultimato: “Amanhã, o Eurogrupo só tem duas opções: aceitar a proposta grega ou rejeitá-la”, disse fonte oficial do Governo grego à Reuters. A decisão do Eurogrupo "deixará claro quem quer uma solução e quem não a quer", disse a mesma fonte.

Durante a tarde, ficou a saber-se que Alexis Tsipras e Angela Merkel falaram durante 50 minutos ao telefone.

Prever o que acontecerá na reunião do Eurogrupo desta sexta-feira é agora mais difícil do que era antes dos dois anteriores encontros dos ministros das Finanças da zona euro. O papel desempenhado pela Comissão Europeia no delinear desta última proposta do Governo grego e a reacção pública positiva de Bruxelas ao documento mostram que Atenas pode ter, ao contrário do que aconteceu na segunda-feira, mais apoio dentro do Eurogrupo.

A forma como se aproximou daquilo que foi pedido pelos seus parceiros pode levar alguns países a tentar um entendimento. Contudo, a Alemanha, para já, parece bastante descontente com o que está a ser proposto por Atenas e há outros países, como é o caso mais óbvio da Espanha, que têm mostrado não estar dispostos a facilitar em nada a tarefa do Governo Syriza.

Se não houver acordo, o tempo começa a escassear para garantir que um acordo é assinado por todos os países (alguns, como a Alemanha, têm de consultar os seus parlamentos) antes do final do mês e o BCE pode anunciar que deixa de conceder a linha de crédito de emergência aos bancos gregos, o que forçaria Atenas a impor controlos de capitais ou a ensaiar uma saída do euro.

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