“Elogio” à Guiné Equatorial vale vitória no Carnaval do Rio

Escola de samba Beija-Flor recebeu financiamento do regime de Teodoro Obiang e foi a mais votada pelo júri do Carnaval carioca.

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Desfile da Beija-Flor no Sambódromo no Rio de Janeiro Christophe Simon / AFP

A controvérsia compensou no Carnaval do Rio de Janeiro. A escola de samba Beija-Flor sagrou-se vencedora do desfile mais célebre do planeta numa edição em que escolheu como tema a exaltação das belezas da Guiné Equatorial, depois de ter sido financiada pelo regime de Teodoro Obiang.

A vitória da Beija-Flor não seria propriamente uma surpresa em circunstâncias normais. Tratou-se do 13.º título da escola – a terceira mais titulada de sempre e a que tem mais vitórias desde que o desfile passou para o Sambódromo, em 1984 – e o resultado final espelha a unanimidade dos júris: em 270 pontos possíveis no total de todas as categorias, a Beija-Flor arrecadou 269,9, superando em quatro décimas a escola do Salgueiro.

Mas a Beija-Flor não se livrou da polémica pelo alegado financiamento de dez milhões de reais (cerca de três milhões de euros) que recebeu da Guiné Equatorial, de acordo com as revelações do jornal "O Globo. Um griô conta a história: um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial. Caminhemos sobre a trilha de nossa felicidade" – era este o samba-enredo (tema) levado ao Sambódromo na Marquês de Sapucaí pela Beija-Flor, que se propunha a celebrar as ligações culturais e históricas entre o Brasil e o continente africano.

O ponto de partida é, de acordo com a descrição do samba-enredo da escola, “mostrar que é possível, sim, ter esperança de que um povo massacrado, cansado e desiludido seja capaz de renascer, aos poucos, com sonhos vigorosos, planos precisos e metas concretas, projectando uma nova África”. E é a Guiné Equatorial – país presidido por Obiang há 35 anos, com índices baixíssimos de desenvolvimento humano e com a esmagadora maioria da população a viver abaixo do limiar da pobreza, apesar de ser um dos maiores exportadores de petróleo da região – que corporiza esse renascimento do continente africano. Pelo menos na óptica da Beija-Flor.

A escola insiste que o Governo de Malabo apenas forneceu “apoio cultural” e mostra-se agradecida. “É um povo que sofreu muito e que, através do seu Presidente, está construindo um país novo, que pensa em saúde, infra-estrutura, saneamento básico”, disse ao Globo um dos membros da Beija-Flor, Fran-Sérgio Oliveira. “O povo é superfeliz com isso, não importa o regime”, acrescentou. O mesmo responsável explicou que, na verdade, o financiamento da escola foi obtido através de empresas brasileiras que têm interesses no país africano, sobretudo no sector da construção.

A assistir ao desfile esteve uma comitiva de 40 personalidades do país, incluindo o Presidente e o seu filho Teodorín, que se dividiu entre dois camarotes no valor de 120 mil reais (37 mil euros). O luxuoso hotel Copacabana Palace recebeu a delegação guineense e um restaurante deu um banquete para 40 pessoas no valor de 79 mil reais (24 mil euros), diz o Globo.

Para além da polémica origem dos fundos da Beija-Flor, a própria prestação da escola no Sambódromo também foi alvo de críticas, sobretudo pelo reforço de estereótipos sobre África. “Eram fantasias muito coloridas, muito bonitas, mas do ponto de vista estético era uma África estereotipada”, diz ao Globo a antropóloga Alba Zaluar. A especialista refere também ter detectado um erro que a deixou “revoltada”. “Começaram o desfile com uma comissão de frente que é a imagem do homem de Neandertal, embora ele nunca tenha pisado na África. O continente é berço do Homo sapiens”, explicou.

Não é a primeira vez que os patrocínios às escolas de Carnaval cariocas – um evento cada vez mais profissionalizado e no qual em média cada escola gasta 1,5 milhões de euros anuais, segundo o El País – enfrentam críticas. Em 2006, a Vila Isabel foi financiada pelo Governo venezuelano em troca de um desfile elogioso ao regime de Hugo Chávez. Noutras ocasiões, as escolas participantes chegaram a receber dinheiro proveniente do tráfico de drogas ou do jogo ilegal, diz a revista Veja.

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