Só 29 mil pessoas optaram por não ter médico de família

Há quase 1,3 milhões de cidadãos sem médico atribuído nos centros de saúde do país. Especialista diz que número aumentou 30%.

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Em meados de Fevereiro duas médicas foram condenadas mas trabalhavam em exclusivo em centros de saúde PÚBLICO/Arquivo

Não serviu de muito a anunciada limpeza das listas de utentes e o envio de milhares de cartas para as pessoas que não iam há mais de três anos aos centros de saúde esclarecerem se queriam ou não manter o seu médico de família.

O primeiro relatório sobre o “número de utentes inscritos nos cuidados de saúde primários”, divulgado pela Administração Central do Sistema de Saúde, esta semana, revela que há ainda perto de 1,3 milhões de pessoas sem médico de família e que apenas 28,8 mil (0,3% do total de inscritos) prescindiram deste direito.

Tal como aconteceu com outros ministros, a promessa de Paulo Macedo de que iria resolver este problema até ao final da legislatura não se irá confirmar, apesar de todas as medidas tomadas. Além da limpeza das listas de utentes, a contratação de médicos reformados, o alargamento das listas de utentes dos médicos das unidades de saúde familiar (USF), o aumento de vagas para esta especialidade foram sendo anunciados como panaceia para resolver este problema que se arrasta há anos e que agora se fica a saber oficialmente que afecta 12,6% do total dos 10,2 milhões de inscritos nos centros de saúde.

“Os números vêm confirmar a nossa preocupação com a falta de médicos”, comenta, a propósito, Rui Nogueira, vice-presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar. O especialista sublinha que no boom da criação de Unidades de Saúde Familiar (USF), "se conseguiu chegar ao número de apenas 700 mil pessoas se médico de família”, mas agora haverá “mais 30% de pessoas” nesta situação.

As regiões mais afectadas são o Algarve e Lisboa e Vale do Tejo, onde a percentagem de pessoas sem médico de família é muito elevada. Cerca de um terço do total dos residentes no Algarve  e mais de um quinto (22%)  dos habitantes de Lisboa e Vale do Tejo estão nesta situação, de acordo com a publicação da ACSS que reporta dados de 10 deste mês.

“A situação de Lisboa é gravíssima, é o grande drama”, considera Rui Nogueira. Para o médico, o lado bom da divulgação destes dados é o facto de  “finalmente o Ministério da Saúde apresentar números que, bons ou maus, hão-de estar muito próximos da realidade”.

O Norte é a região mais bem servida – apenas 4,4% dos utentes não têm clínico assistente nos centros de saúde –, enquanto o Centro e o Alentejo estão numa posição relativamente confortável, com 7,4% e 7,3% da população com médico de família, respectivamente. Não será por acaso, nota Rui Nogueira, frisando que é na região Norte que se concentra o maior número de Uunidades de saúde familiar, cerca de “dois terços do total”.

Mas, mesmo dentro das cinco regiões de saúde do país, há grandes disparidades. No Algarve, por exemplo, no agrupamento de centros de saúde (ACES) do Barlavento mais de metade dos inscritos não têm médico atribuído, enquanto no ACES do Sotavento as pessoas nessa situação representam apenas 5,7% do total. 

Em Lisboa e Vale do Tejo, a situação pior é a do ACES do Estuário do Tejo, onde um terço dos utentes inscritos não tem médico de família. O Alentejo Litoral também está muito mais carenciado do que os restantes agrupamentos de centros de saúde dessa região, com mais de um quarto dos inscritos sem clínico assistente.

Em 2012, a ARS decidiu enviar cerca de 750 mil cartas às pessoas que não iam aos respectivos centros de saúde há mais de três anos, pedindo-lhes para esclarecerem se pretendiam manter o seu médico de família. Segundo a ARS, esta medida terá permitido então dar médico de família a mais de 305 mil pessoas. No ano seguinte, foi anunciado o envio de mais 165 mil cartas, mas desconhecem-se os resultados.

De acordo com dados anunciados no passado pelo Ministério da Saúde, o número de utentes sem médico de família terá baixado de cerca de 1,8 milhões, em 2011, para 1,33 milhões, em 2013. Rui Nogueira contrapõe que este número está sempre a variar, devido à saída de médicos para a reforma. Mas o vice-presidente da APMGF acredita que se está a chegar ao início da resolução deste problema. A partir de 2016 começam a sair do internato (especialidade) e a entrar na cerreira mais médicos de família, diz. Actualmente 30% das vagas dos internatos são para a especialidade de medicina geral e familiar.

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