Egipto ataca jihadistas na Líbia e quer intervenção internacional

Cairo promete continuar a “punir os assassinos” depois de vídeo da decapitação de 21 egípcios numa praia do Mediterrâneo. Radicais já controlam várias regiões líbias.

Familiares dos cristãos coptas egípcios decapitados na Líbia
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Familiares dos cristãos coptas egípcios decapitados na Líbia Mohamed el-Shahed/AFP
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Cristãos coptas mostram fotografia de alegada vítima do Estado Islâmico MOHAMED EL-SHAHED/AFP

O autoproclamado Estado Islâmico cresceu a aproveitar-se do caos sírio e iraquiano. Há bastante tempo que estava na Líbia, mergulhada desde 2011 numa guerra civil. O vídeo dos 21 coptas egípcios decapitados numa praia do Mediterrâneo foi a forma encontrada pelo grupo para confirmar a dimensão da sua presença no país e enfurecer mais um país árabe – a resposta do Egipto, que horas depois bombardeava várias posições do grupo, prova que foi uma operação bem-sucedida.

A produção cuidada e a alta definição do vídeo também mostram as condições que o grupo já consegue ter na Líbia. A encenação das mortes e a qualidade da gravação é comparável aos vídeos das decapitações de reféns ocidentais, ou da morte do piloto jordano, capturado e queimado vivo na Síria.

Ainda antes da divulgação do vídeo, no domingo, a Itália encerrava a sua embaixada em Trípoli (foi o último país ocidental a fazê-lo) e manifestava-se disponível para liderar uma força internacional com mandato da ONU para tentar estabilizar a Líbia, a 350 quilómetros das suas costas, e combater a ameaça extremista.

“Hoje ficou provado que há centros de treino e de actividade do Daash na Líbia”, afirmou o ministro da Defesa francês, Jean-Yves le Drian, de partida para o Cairo. “A Líbia é do outro lado da costa do Mediterrâneo, está muito perto de nós, daí a necessidade de estarmos muito vigilantes e de nos aliarmos com os países da coligação, como o Egipto.”

O grupo que no Verão passado declarou um califado (estado islâmico) na Síria e no Iraque também sabe de geografia. A morte dos civis egípcios é acompanhado pela voz de um dos combatentes que promete “conquistar Roma, com a bênção de Alá”. “No mar em que esconderam o corpo do xeque Ossama bin Laden, juramos por Alá que vamos derramar o vosso sangue.”

Muitos dos radicais que hoje se dizem leais ao Daash, nome pelo qual os árabes se referem ao Estado Islâmico, são antigos combatentes da Al-Qaeda no Iraque – que deu origem ao grupo actual. A cidade portuária Derna, no Leste da Líbia, uma das regiões que o Daash diz controlar, foi a que mais contribuiu com combatentes estrangeiros para o conflito que se seguiu ao derrube de Saddam Hussein no Iraque, em 2003.

“Na Primavera do ano passado, centenas de militantes do Daash foram para Derna depois de combaterem em Deir Ezzor, na Síria, e em Mossul, no Norte do Iraque”, escreve no Daily Telegraph o analista Shashank Joshi. Ali se uniram a outro grupo antes de juraram lealdade ao iraquiano que lidera o Daash, Abu Baqr al-Baghdadi.

Foi precisamente em Derna que os F-16 egípcios atacaram, enquanto a Força Aérea líbia lançava raides contra supostas posições jihadistas em Sirte e Ben Jawad, no Centro do país.

O grupo já declarou três regiões da Líbia províncias sob o seu controlo e apoderou-se de edifícios governamentais em Sirte, incluindo os principais media, que agora transmitem discursos de Baghdadi. Sirte e a conquista de outra localidade costeira, Nofilia, coloca o Daash cada vez mais próximo das principais infra-estruturas petrolíferas do país, que podem ser o seu próximo alvo.

Num país onde há dois governos rivais, uma série de grupos islamistas e alianças flutuantes, os jihadistas declararam guerra aos dois executivos. Mas enquanto o governo reconhecido internacionalmente diz ter “morto 40 a 50 combatentes” nos ataques de segunda-feira, o parlamento com sede em Trípoli denuncia a morte de civis: três crianças, uma jovem de 21 anos, e dois idosos.

Novas medidas

O Egipto só agora fez a sua entrada oficial no conflito, mas tem enviado armas e dinheiro para as forças do governo reconhecido. Em Agosto, aviões egípcios e dos Emirados Árabes Unidos lançaram ataques aéreos contra as milícias islamistas que avançavam para Trípoli e que acabaram por expulsar as autoridades da capital. O regime egípcio já combate o Daash na Península do Sinai, a região que faz fronteira com Israel e a Faixa de Gaza, onde em Novembro um grupo radical declarou a Província do Sinai parte do Estado Islâmico.

O Presidente egípcio, Abdel Fattah al-Sissi, o ex-chefe militar que em 2013 derrubou a Irmandade Muçulmana do poder, prometeu punir “os assassinos de forma adequada”. Com o chefe de Estado francês, François Hollande, pediu uma reunião de urgência do Conselho de Segurança para decidir “novas medidas” contra o Daash. Para já, o principal órgão executivo da ONU limitou-se a condenar “firmemente” a decapitação dos coptas.

Ainda antes da Líbia, e da conquista de várias províncias iraquianas, o grupo que começou por aproveitar a repressão de Damasco para conquistar cidades sírias, já atacava no Líbano. Entretanto, aceitou integrar grupos que operam na Jordânia, na Arábia Saudita, na Tunísia, no Iémen e no Afeganistão. Mas a Líbia é o terreno mais fértil para a conquista de território, o seu objectivo final.

“Pode uma Líbia dividida resistir ao Daash?”, perguntava este mês no Twitter a embaixadora Deborah K. Jones, enviada norte-americana no país. O regime egípcio vai insistir numa “intervenção firme” na Líbia já na quarta-feira, no início de uma cimeira internacional de antiterrorismo em Washington. No mínimo, os egípcios deverão pedir que a mesma coligação liderada pelos Estados Unidos que tem atacado os jihadistas no Iraque e na Síria passe a fazê-lo também na Líbia.

“Trabalhar com o Egipto é possível, mas é indispensável verificar se todos têm uma estratégia comum”, diz à AFP o director do Instituto de Estudos Internacionais de Roma, Ettore Greco, notando que “o Cairo tem os seus próprios interesses”. Para o académico, uma intervenção militar externa na Líbia é actualmente impensável. “Simplesmente, não há qualquer paz a manter.”

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