“Palito” também perseguia a filha e procurou-a três dias antes dos homicídios
Mãe e filha expressaram esta segunda-feira aos juízes o receio de que agricultor as queira matar quando sair da cadeia. Ministério Público defende que Manuel Baltazar deve continuar em prisão preventiva
Três dias antes dos homicídios em Valongo dos Azeites, Manuel Baltazar terá procurado a filha num restaurante onde esta trabalha no Peso da Régua. Sónia Baltazar estava, porém, de férias e foi uma colega que o recebeu. “A minha colega ligou-me a contar que ele tinha lá estado. Ela desejou-lhe boa Páscoa e ele disse que não sabia [se a Páscoa] ia ser tão boa quanto isso”, lembrou esta segunda-feira a filha na segunda sessão do julgamento do pai no Tribunal de Viseu.
Sónia Baltazar, de 31 anos, entendeu a tentativa de contacto do pai como uma “ameaça” e sublinhou que estas abordagens não eram novas. “O meu pai fazia-me esperas à porta do restaurante. Havia discussões que me tiravam do sério. Fazia sempre abordagens perto das festas. Tirava-nos a paz durante as festas.”O depoimento de Sónia Baltazar fez lembrar o mesmo quadro de perseguições a que foi sujeita a mãe, Maria Angelina Félix. A partir de Fevereiro de 2009, altura em que o casal se separou, o agricultor passou a levantar-se de madrugada para ver por onde a ex-mulher andava e para exercer coacção sobre ela, de acordo o processo relativo aos episódios de violência doméstica ao qual o PÚBLICO teve acesso. Em 2013, Manuel Baltazar foi condenado nesse processo a uma pena suspensa de quatro anos de prisão.
No processo agora em julgamento, o agricultor, também conhecido por “Palito”, está acusado de ter matado a ex-sogra e a tia da ex-mulher e de ter baleado esta e a sua filha quando juntas preparavam bolos para a Páscoa, a 17 de Abril. Os juízes decidiram que a ex-mulher e a filha seriam ouvidas na sua ausência para não se sentirem intimidadas e, por isso, “Palito” esteve ontem apenas cinco minutos na sala de audiências tendo regressado à cadeia.
Três meses após a última revisão do despacho de prisão preventiva, o Ministério Público voltou esta segunda-feira a defender que o agricultor deve continuar preso. Após os crimes, Manuel Baltazar esteve 34 dias em fuga pelos montes de Valongo dos Azeites e foi procurado por centenas de militares da GNR a cavalo e por inspectores da Polícia Judiciária.
“Sempre chocámos”
A filha de “Palito” contou que “há alguns anos” o pai lhe “deitou as mãos ao pescoço” em plena rua na aldeia, momentos depois de ela parar o carro que conduzia a caminho da casa da mãe. “Ele vinha atrás e fez-me sinais de luz. Parei e ele saiu. Eu estava de porta aberta, discutimos e ele deitou-me as mãos ao pescoço. Caí para o lado do banco do pendura. Tentei afastá-lo com os pés”, disse, acrescentando que o pai foi embora quando ela conseguiu buzinar e chamar a atenção de alguém que apareceu. “Apresentei queixa e até fui ao Instituto de Medicina Legal, mas o processo foi arquivado por falta de provas.”
Sónia Baltazar assegurou também não ter dúvidas de que o pai a queria matar a 17 de Abril, deixando, aliás, bem patente o receio que a irá acompanhar mesmo depois da expectável condenação do progenitor que confessou os homicídios. “Acredito que foi uma tentativa falhada e acho que vai arranjar uma maneira de conseguir acabar o trabalho”, vaticinou, repetindo a mesma ideia expressada momentos antes pela mãe aos juízes. “Conhecendo-o como conheço, é alguém que não está a aprender nada com a vida. Está a crescer a revolta nele. Apanhe a pena que apanhar, quando sair temo que ele venha a apanhar-me”, alertou Maria Angelina que depois de testemunhar escolheu ficar na sala de audiências, na assistência. Ouviu o depoimento da filha cabisbaixa e de olhar no vazio.
O testemunho de Sónia Baltazar colocou em causa a tese da defesa de que “Palito” não pretendia matá-la. A filha contou que quando estavam junto ao forno “houve uma quebra de luz na garagem” e que quando olhou pelo ombro viu o pai. Nessa altura foi atingida numa mão e fugiu. Deu depois a volta ao anexo, escondendo-se, surpreendeu Manuel Baltazar e agarrou a caçadeira, sendo arrastada alguns metros por ele, que teimava não largar a arma. Quando a soltou, ela fugiu e foi de novo alvejada por trás, num ombro.
Sónia Baltazar disse também ter visto o pai fazer um movimento que terá sido o de carregar a caçadeira, o que volta a contrariar a versão de “Palito” que garantiu que a arma se carregava automaticamente. Contou também que pediu várias vezes ao pai para que não disparasse, mas “ele nunca abriu a boca”. Na primeira sessão o agricultor garantira que nunca quis matar a filha e que até lhe disse que “não lhe fazia mal”.
Há um grande intervalo na memória de Sónia Baltazar, longos minutos dos quais não se lembra. Nessa altura, baleada e a perder muito sangue, perdeu os sentidos e ficou deitada no chão. A jovem emocionou-se quando os juízes a questionaram sobre a relação que tinha com a tia da mãe, Elisa Barros. “Era ela que andava mais vezes com ela [a mãe]. Até ia com ela para a missa”, explicou, dando conta de que foi Elisa Barros o grande apoio de Maria Angelina depois do divórcio.
“Palito” justificou aos juízes na sessão anterior que perdeu a cabeça porque foi provocado por Elisa Barros à porta da casa onde aconteceram os crimes. Mãe e filha, porém, garantiram que Elisa nunca saiu da casa, pelo que não se cruzou com o arguido.
A defesa do agricultor já conta ver provados os crimes de homicídio, mas espera que as tentativas de homicídio sobre a ex-mulher e a filha não se confirmem. O advogado de “Palito”, Manuel Rodrigues, considerou que nem a filha nem a ex-mulher do arguido concretizaram as ameaças de que foram alvo apesar dos depoimentos emotivos e pormenorizados. “As vítimas tiveram um depoimento honesto, um depoimento de vítimas”, ilustrou.
No início do julgamento, “Palito” elogiou a filha lembrando que era a única com quem mantinha contacto. Porém, Sónia garantiu que já não falava com ele havia quatro anos, apesar de admitir que era insistentemente abordada por ele. “Ele sabia que a presença dele me exaltava”, explicou. E acrescentou: nunca teve, desde a sua infância, uma boa relação com o pai: “Sempre chocámos.”