Mudança nos apoios à internacionalização ameaça ritmo das exportações do calçado

Os incentivos à promoção externa do programa 2020 vão excluir as “grandes” empresas e reduzir os financiamentos às pequenas e médias empresas (PME). O calçado, que exporta mais 60% desde que o actual quadro de apoio se iniciou, arrisca-se a ter de abrandar o seu ritmo de crescimento.

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Aposta no design e na qualidade foi o passaporte para que a indústria conquistasse o estrangeiro Bruno Simões Castanheira

O vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, “gostava” que este ano as exportações de calçado chegassem aos 2000 milhões de euros, mas se, para cumprir esse desejo, basta manter as taxas de crescimento dos últimos anos, as mudanças previstas nos apoios à internacionalização deixam dúvidas sobre a dinâmica de uma indústria que, em sete anos, aumentou em 60% as suas vendas para o exterior.

As alterações previstas nos incentivos à internacionalização do Programa 2020, que determina o destino dos fundos comunitários, vão obrigar as PME a duplicar os seus esforços financeiros de promoção externa e afastam as “grandes empresas” dos apoios, o que vai dificultar as estratégias de um sector que vende 95% da sua produção no exterior.

A maioria esmagadora das 1800 empresas do sector é PME. Mas, como a natureza da indústria exige mão-de-obra, muitas ultrapassam o critério dos 250 trabalhadores que serve para separar as pequenas e médias das grandes empresas. Essas vão deixar de receber ajudas para a internacionalização, o que pode comprometer as estratégias de investimento em novos mercados, onde o músculo financeiro é essencial.

Mas mesmo as pequenas terão uma vida mais difícil. Até agora, podiam receber até 75% dos seus investimentos. O Programa 2020, que, no capítulo da internacionalização, deriva da política europeia para as PME, vai limitar as ajudas a 50% no máximo. Ou seja, as empresas terão de fazer o dobro do esforço financeiro para manter as suas estratégias.

Se as razões para o sucesso se encontram no dinamismo das empresas, a Apiccaps, a associação dos industriais do sector, considera que o apoio a acções de promoção externa feitas com o apoio do programa Compete foi crucial para os resultados conseguidos.

Este programa comparticipa até 75% dos custos das empresas na participação em feiras ou em outras acções de promoção. Desde o seu arranque, em 2006, o Compete investiu 55 milhões de euros na internacionalização do calçado e esse impulso está associado ao crescimento das exportações em 700 milhões de euros. A Apiccaps estima que o investimento do programa correspondeu a 8 cêntimos por cada par de calçado exportado.

O negócio das feiras
A associação entre a promoção e o sucesso do negócio tornou-se crucial para o florescimento do sector. Por estes dias, 84 empresas portuguesas estão na maior montra mundial do sector, a Micam, em Milão, Itália, que Paulo Portas, Rui Vinhas da Silva, o novo gestor do Compete, e Miguel Frasquilo, presidente do AICEP, visitaram. A representação nacional é a terceira maior, logo a seguir à dos italianos e dos espanhóis. No sábado, cerca de 600 enviados das empresas partiram do aeroporto do Porto em voos especiais. Tinham sido antecipados pelo envio de 28 camiões TIR com equipamento para a montagem dos stands e 15 mil amostras de calçado. Pela sua dispersão pelos diferentes pavilhões desta feira gigantesca (mais de 1600 expositores de todo o mundo) ou pela imagem e sofisticação da maior parte dos stands, não é difícil perceber que actualmente o calçado português se encontra no topo da competitividade mundial.

Esta participação na Micam obrigou a um investimento de dois milhões de euros, com a maior fatia do esforço a caber ao Compete. Alguns expositores gastaram oito mil euros, outros chegaram aos 100 mil. Muitos limitaram-se a construir stands mais simples, outros, como Luis Onofre ou a Fly London, batem-se com as imagens mais sofisticadas da feira. Na Miguel Vieira, o cenário é de luxo e de design de ponta, mas na Felmini, que tem a sua principal quota de exportação no coração mundial da moda e do calçado, a Itália, combinavam-se sapatos e botas de texturas extravagantes com a atmosfera rural e hospitaleira do Minho.

Ao todo, as empresas nacionais do sector vão este ano participar em mais de 70 eventos de promoção em todo o mundo. A concorrência é feroz, e não vem apenas de Itália ou da França — na Micam, os pavilhões de empresas romenas, turcas ou brasileiras mostram que esses países já são capazes de produzir design e qualidade. Os preços ou crescem pouco (1,8% em 2014 para o calçado de couro, que é a base da indústria nacional, valendo 1634 dos 1869 milhões de euros exportados) ou regridem (caso do calçado em plástico, -33%). E no sector há a crescente convicção sobre a necessidade de reduzir a dependência do mercado europeu, que representa 87% das exportações.

Nos últimos anos, as acções de promoção em países como a China, o Japão ou os Estados Unidos aumentaram. A Apiccaps envolve-se nesses esforços e tenta levar os industriais a investir em países como a Colômbia. Empresas como a Fly London já exportam partes importantes da sua produção para esses mercados. A Carlos Santos, que fabrica sapatos clássicos topo de gama, já vende 15% do que fabrica para o maior mercado do mundo, os Estados Unidos. Mas, esses esforços de promoção “exigem recursos e não dão resultados de um ano para o outro”, diz Pedro Silva, director comercial da Apiccaps.

Uma feira como a Micam “é uma plataforma internacional, onde aparecem clientes de todo o mundo”, diz Pedro Silva. “Estão cá todos os nossos concorrentes e esta é sempre uma boa oportunidade para recebermos os nossos clientes”, reconhece um representante da Ferreira Avelar.

A história da Guava é um bom exemplo dessa necessidade. A pequena empresa de Inês Caleiro estreou-se no ano passado na Micam, conquistou quatro clientes e conseguiu vender 500 pares da sua marca ousada e de preços acima da média — o mais barato custa 140 euros. Este ano, conseguiu um stand na área dos International Designers, e espera vender só nesta estação mil pares.

Disparo da CR7 saiu ao lado
Uma das empresas mais aguardadas da presente edição do Micam era a CR7. A estreia na feira deveria ser coincidente com o seu lançamento mundial. A imprensa estava avisada que um memorando sobre a sua criação e objectivos seria lançado em simultâneo com um vídeo no qual Cristiano Ronaldo aparecia a mostrar os seus dotes físicos e as suas aptidões para modelo. Nem uma, nem outra acção conheceram a luz do dia. Nem sequer houve explicações para o atraso do lançamento.

Resultante de uma parceria com a Portugal Footwear, de Guimarães, a nova marca que se sustenta na projecção mundial do futebolista usa a imagem do jogador do princípio ao fim. Nos painéis exteriores do seu stand, Ronaldo aparece imaculadamente vestido e calçado com sapatos clássicos da sua marca. Depois de se passar pela entrada onde um porteiro faz uma triagem, a imagem do futebolista volta a aparecer entre estantes que apresentam uma linha de calçado moderna e posicionada para um segmento alto.

A distribuição da colecção vai ser feita à escala internacional. E está prevista a abertura de lojas no Dubai. Quanto ao resto, pouco mais se sabe. Ontem, Ronaldo não terá acedido a divulgar a sua nova aventura empresarial — colocou apenas um post na sua página do Facebook que, ao fim de quatro horas, tinha 560 mil “gosto”.     

O jornalista viajou a convite da Apicapps

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