Afinal, como é que as mulheres engravidam?

É possível falar sobre sexualidade com crianças do 1.º ciclo, que têm opiniões formadas sobre os mais diversos temas, embora algumas sejam surpreendentes. É o que mostra um estudo, que teve como objectivo perceber o que estas crianças sabem e o que têm necessidade de saber.

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Professores querem crianças a falar naturalmente sobre o tema Enric Vives-Rubio

A necessidade de dar voz às crianças – “para saber o que já sabem e o que sentem necessidade de saber” – será um dos temas a abordar no congresso de Educação Sexual, a promover pelo Instituto de Educação da Universidade do Minho, a 26 e 27 de Março. A apresentação de uma intervenção feita na Escola da Ponte, com crianças do 1.º ciclo, contribui para combater eventuais receios dos professores em relação à naturalidade com que as crianças falam sobre sexo.

"Sabem como é que as mulheres engravidam?”, pergunta a orientadora. Clara grita: “Eu sei!” e a autora do estudo, Cláudia Pinto incentiva: “A Clara disse logo 'eu sei', está muito bem informada!”

“Os pais levam uma carta à igreja e depois Jesus responde se podem ou não engravidar”, continua a menina de seis anos. Luís, também no 1.º ano de escolaridade, está convencido de que a resposta está errada e corrige: “A mulher tem que ir ao hospital e o médico põe uma semente na barriga para ela engravidar.” Paulo concorda com Clara, mas Luísa tem uma opinião diferente: “A minha mamã é que explicou como ficou grávida! Tem a pera e o papá põe a semente na pera". E depois acrescenta: "Mas a mãe não explicou mais.”

Os nomes foram alterados, mas o diálogo é reproduzido no relatório de 2012 sobre o projecto desenvolvido por Cláudia Pinto e Zélia Anastácio, do Instituto de Educação da Universidade do Minho, que abrangeu um grupo heterógeno (dos pontos de vista sociocultural, socioeconómico e socio afectivo) de 22 crianças – dez meninas e doze meninos, com idades entres entre os seis e os 11 anos, da Escola da Ponte, no distrito do Porto.

As crianças citadas pertenciam a um grupo homogéneo quanto à idade e ano escolar, mas houve mais três grupos de discussão: dois só de raparigas ou apenas de rapazes, respectivamente, mas em ambos os casos de idades e anos de escolaridade diversos; e um último heterogéneo quanto ao sexo, idade e ano de escolaridade.

Num dos outros grupos, e ainda sobre o mesmo tema, uma das meninas do 4.º ano, que já tinha abordado a matéria na escola, explicou a gravidez referindo-se ao “óvulo”, que é “o que a mulher tem”, e ao “espermatozóide, uma coisa muito pequenina que não se vê”: “E quando se faz sexo… se o pénis e a vagina se juntarem, o espermatozóide passa para a vagina e entra no óvulo e a partir daí forma-se um novo ser.”

Modelos e estereótipos
No estudo são analisadas as perspectivas das crianças em relação a outros temas. Foi possível concluir que “os estereótipos de género” existem nesta fase, de uma forma generalizada, com rapazes e raparigas de todas as idades e de contextos familiares, sociais, culturais e económicos muito distintos, a afirmar, por exemplo, que “a mulher tem que fazer o comer e o homem tem que descansar” ou que “o homem tem que trabalhar para sustentar a família e a mulher tem que ficar em casa para tomar conta dos filhos”.

Este quadro é explicado pelas investigadoras Zélia Anastácio e Cláudia Pinto com o facto de “as crianças se confrontarem desde cedo com modelos que oprimem a liberdade do outro, prevalecendo (na maioria dos casos) a hegemonia masculina e a sujeição feminina”. Esta situação, dizem, resulta das aprendizagens no âmbito familiar e escolar, às quais se somam programas e séries televisivas e a publicidade, por exemplo.  

A tendência de reprodução de estereótipos mantém-se em relação às aspirações profissionais. Da lista do que as meninas querem “ser” em adultas fazem parte “farmacêutica”, “professora”, “cabeleireira”, “fotógrafa”, “cantora”, “dançarina”, “actriz”, “manequim”, “maquilhadora”, “médica” ou “historiadora”. Os rapazes desejam carreiras essencialmente relacionadas com o desporto (“futebolista”  e “voleibolista”), mas há quem queira ser “pintor”, “designer”, “trolha”, “educador infantil”, “super-herói” ou simplesmente “famoso e importante”.

Homossexuais não podem constituir família
Verificou-se também que todas as crianças concordam que um casal heterossexual pode constituir uma família. Mas que muitas – mais de metade – discordam que o mesmo se passe com os homossexuais. Sustentam esta opinião dizendo que os casais homossexuais não se podem reproduzir entre si, e, para além disso, não partilham ligações sanguíneas.

Este tema é um bom exemplo, refere a investigadora Zélia Anastácio, daqueles que normalmente criam desconforto aos docentes que alegam não se sentirem no direito de impor às crianças perspectivas que não se enquadram nas transmitidas pelas famílias. “O objectivo não é esse, claro. É proporcionar a discussão, a reflexão, o pensamento crítico e promover a capacidade de fazer opções conscientes e fundamentadas”, afirma.

Zélia Anastácio sublinha ainda que, desde que sejam previamente informados do trabalho a desenvolver, os pais normalmente não só aceitam as actividades relacionadas com a Educação Sexual como ficam aliviados. "Depois de receberem formação, os próprios professores costumam afirmar que têm mais facilidade em conversar sobre estes temas com os seus alunos do que com os próprios filhos", comenta.

Com quem falar sobre sexualidade?
Quando a orientadora perguntou nos vários grupos de discussão com quem falavam ou como se informavam quando tinham dúvidas sobre os diferentes assuntos que tinham debatido, ouviu falar nos pais, nos irmãos, nos amigos, na televisão e nos livros. No entanto, 65% das crianças responderam dizendo que não conversavam com quem quer que fosse sobre questões relacionadas com a sexualidade. Os motivos apresentados para essa falta de diálogo foram vários, desde a timidez à ausência de receptividade por parte dos pais e de outros familiares.

Zélia Anastácio faz notar, a propósito, que “há uma moral inibitória que muitas vezes é imposta às crianças a partir do momento em que estas começam a fazer perguntas,  às vezes aos 3, 4 anos". "Quando não respondem, quando fazem de conta que não ouvem, desviam a conversa ou dizem que mais tarde explicam, os pais estão a transmitir uma informação muito clara e que as crianças percebem perfeitamente – a de que abordaram um assunto sobre o qual não podem falar à vontade”, diz.

Esta investigadora referiu que o estudo em causa, por ser qualitativo, feito numa escola com algumas particularidades e com uma amostra pequena "não pode ser generalizado", mas frisou que as conclusões coincidem com as de outros trabalhos realizados anteriormente.

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