Descentralizar com conta, peso e medida

A transferência de competências para os municípios entrou na agenda, mas ainda sem consensos.

Foi publicado em Diário da República o Decreto-lei 30/2015 que estabelece o regime “de delegação de competências nos municípios e entidades intermunicipais no domínio de funções sociais”, através de “contratos interadministrativos”. Em termos práticos isto quer dizer que o Estado se prepara para transferir para as autarquias – no início ainda de uma forma experimental e através de projectos-piloto – competências nas áreas da Educação (gestão do ensino básico e secundário), funcionamento de unidades de saúde (podendo, por exemplo, fixar os horários dos centros de saúde), Segurança Social e Cultura.

O tema entrou definitivamente na agenda e ainda esta sexta-feira Cavaco Silva condecorou 15 ex-autarcas com o grau de comendador da Ordem do Mérito, com o Presidente a argumentar que a proximidade permite tomar “decisões mais acertadas”. Há partidos mais à esquerda, como o PCP, que olham para o tema como o “desmantelamento das funções sociais do Estado”. Mas entre os dois maiores partidos (PSD e PS) existe um consenso de que transferir competências do Estado central para os municípios significa decisões mais acertadas e atempadas por parte de quem está no terreno, junto às populações. Pode significar uma maior eficiência de meios e uma responsabilização política mais imediata.

Estando de acordo quando à questão de fundo, PSD e PS continuam a não se entender sobre a forma de efectuar essa transferência de competências, com ambos os partidos a perderem-se em questões semânticas; uns falam de descentralização, outros de delegação. E os socialistas questionam ainda o timing da mudança, considerando que "só um novo governo, legitimado democraticamente no próximo acto eleitoral, estará em condições de proceder a uma distribuição eficiente de tarefas entre o poder legislativo e o administrativo".

A descentralização faz parte do guião da reforma do Estado e o actual Governo, estando em pleno exercício das suas funções, tem toda a legitimidade para avançar com a proposta. Agora, e precisamente por estar no último ano de mandato, e por estarmos a falar de uma mudança estrutural e que necessita de continuidade, não se pode fazer a reforma de uma forma autista, sem ter em conta os contributos, sobretudo do PS, e, claro está, à revelia da Associação dos Municípios.

Até porque há questões sensíveis e que continuam a levantar muitas dúvidas e inquietações. Na Educação, por exemplo, a área mais avançada nas negociações, o diploma prevê que as câmaras possam ficar com competências na definição de uma parte do currículo dos alunos. Fará sentido delegar esta tarefa nas mãos de centenas de autarcas e vereadores, mesmo que a sensibilidade de alguns para o tema possa ser nula? E depois todos os alunos estarão em condições de igualdade para fazer os exames nacionais? E faz sentido que as câmaras possam contratar directamente pessoal docente? São tudo questões que vale a pena discutir, de preferência sem olhar para o calendário eleitoral.

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