Aberto processo contra polícias acusados de racismo por jovens da Cova da Moura

Alto-comissário para as Migrações quer saber factos. Entre 2005 e 2013, houve 615 queixas por discriminação racial, 12,2% relativas a forças de segurança.

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Cinco jovens da Cova da Moura queixam-se de ter sido alvo de discurso de ódio da polícia Pedro Martinho

O alto-comissário para as Migrações, Pedro Calado, abriu um processo contra-ordenacional pela prática de violência racial contra os polícias da esquadra de Alfragide acusados judicialmente de tortura e abuso de poder por seis jovens da Cova da Moura. “A queixa tem como objectivo validar os alegados factos. É uma situação que nos tem preocupado e temos estado a acompanhar”, disse Pedro Calado ao PÚBLICO.

Como o PÚBLICO revelou na terça-feira, os jovens relataram que os agentes da PSP proferiram discursos de ódio racial, enquanto os violentavam e que incluíam frases como: “Disseram que nós, africanos, temos de morrer”, “vocês têm sorte que a lei não permite, senão seriam todos executados” ou “deviam alistar-se no Estado Islâmico”.

Entre 2005 e 2013, a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial recebeu 615 queixas por discriminação racial, revela um relatório do Alto Comissariado para as Migrações (ACM) de Dezembro. Dessas, 75 são queixas de forças de segurança (12,2%) – as queixas em contexto laboral foram as mais frequentes, com cerca de 20%. Apenas 194 deram origem a processos de contra-ordenações, mas só 19 a condenações. Pedro Calado apela, de resto, às pessoas a fazerem queixa, pois diz que um dos problemas é justamente o facto de as vítimas não o fazerem ou desistirem a meio do processo. A queixa pode ser feita no site do ACM.  

Segundo a Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) disse ao PÚBLICO, relativamente às práticas discriminatórias cometidas contra cidadãos por agentes das forças e serviços de segurança sob a tutela do Ministério da Administração foram instruídas apenas três contra-ordenações em 2014 e duas em 2015. E entre 2013 e 2014 foram instaurados quatro processos de inquérito na IGAI na sequência de queixas de cidadãos relativamente a práticas discriminatórias.

Na quinta-feira, dia 5 de Fevereiro, cinco jovens da Cova da Moura foram detidos quando, segundo dizem, iam tentar saber informações sobre um habitante da Cova da Moura que tinha sido preso nessa tarde no bairro. Por seu lado, a polícia, na altura, deu uma versão contraditória dos factos: acusou o jovem inicialmente preso de os atacar com pedras e aos jovens de terem tentado “invadir” a esquadra. Dois dos jovens pertencem à direcção do Moinho da Juventude, projecto comunitário que existe há 30 anos na Cova da Moura e já recebeu diversos prémios como o de Direitos Humanos da Assembleia da República.

Nessa semana, o Ministério Público pediu a prisão preventiva dos jovens por resistência e coacção a funcionário, mas no sábado o Tribunal de Sintra libertou-os determinando a medida de coacção menos gravosa, o termo de identidade e residência. Os jovens, por seu lado, apresentaram uma queixa-crime por tortura no Ministério Público de Almada. A queixa-crime não inclui, no entanto, discriminação racial, informou Paulo Nunes, um dos advogados dos jovens – a equipa de defesa iria discutir em breve com as vítimas e outras organizações as medidas que iriam tomar. No entanto, “é muito provável que venham a fazer” a queixa por discriminação racial. Na queixa-crime já feita, a defesa pede que se faça a prova de reconhecimento pessoal de modo a acusar agentes específicos.

A direcção nacional da PSP garantiu ao PÚBLICO que o incidente foi “objecto do tratamento previsto para qualquer situação de acção/intervenção policial”. Abriu um inquérito interno e aguarda os trâmites legais e não fez comentários, mesmo depois de confrontada com as acusações na segunda-feira. A IGAI também abriu um inquérito à actuação da PSP. 

Para esta quinta-feira está marcada, por várias organizações, uma concentração de protesto contra a violência policial em frente à Assembleia da República, às 17h. 

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