Contagem descrescente interrompida minutos antes da descolagem de nave europeia

O primeiro voo do Veículo Intermediário Experimental tem duração prevista de 100 minutos e vai testar tecnologias para futuras missões no espaço. Portugal é um dos parceiros da missão.

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Ilustração da nova nave espacial da Europa, que vai ser testada no espaço pela primeira vez ESA/J. Huart
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Ilustração das várias fases do voo, desde a descolagem do foguetão Vega até à libertação da nave no espaço e o seu mergulho no mar
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O nariz do foguetão Vega, que no interior tranporta o novo veículo europeu ESA/M. Pedoussaut

Apesar de não ter asas, espera-se que o Veículo Intermediário Experimental seja capaz de voar no espaço, reentrar na atmosfera, mergulhar e boiar no oceano, ficando pronto para voltar a ser utilizado. Esta nave da Agência Espacial Europeia (ESA) deverá fazer esta quarta-feira a sua viagem inaugural, que funcionará como uma experiência. O pequeno veículo de cinco metros de comprimento e cerca de duas toneladas, a bordo de um foguetão europeu Vega, tinha a descolagem marcada no Centro Espacial de Kourou, na Guiana Francesa, para as 10 horas locais (13h em Lisboa). Mas a quatro minutos da partida, a contagem decrescente foi interrompida provisoriamente e, mais de 25 minutos depois da hora marcada para a ida para o espaço, continuava-se à espera de luz verde para a descolagem e de mais informação sobre o que se está a passar.

O foguetão vai transportar a nave até 330 quilómetros de altitude, onde a libertará. Aí, sozinha, voará durante mais alguns minutos até subir aos 412 quilómetros. Depois, o veículo construído pela empresa franco-italiana Thales Alenia Space, com a participação de várias empresas europeias, incluindo a portuguesa ISQ, iniciará uma descida controlada até ao mergulho final algures no meio do oceano Pacífico, onde ficará a boiar e será resgatado.

A missão durará ao todo apenas uma hora e 40 minutos e a descolagem pode ser vista aqui. Durante este breve período de tempo, mais de 20 novas tecnologias vão passar um teste de fogo, postas à prova no ambiente espacial e na difícil reentrada na atmosfera terrestre. Se as tecnologias funcionarem, vão garantir à Europa um novo acesso ao espaço perto da Terra.

“O esforço para desenvolver estas tecnologias é para garantir o acesso ao espaço por parte dos europeus”, diz ao PÚBLICO Paulo Chaves, da empresa ISQ (antigo Instituto de Soldadura e Qualidade), e que é o engenheiro responsável pelos testes do escudo térmico do Veículo Intermediário Experimental (ver texto ao lado).

Paulo Chaves explica que a ESA, que fará 40 anos em Maio, foi formada exactamente por isso: “Os europeus não podiam depender de terceiros [no acesso ao espaço]. Como cada país não tinha recursos para fazer [um programa espacial] isoladamente, juntaram-se na ESA.”

O veículo, que começou a ser construído em 2009, e o apoio à missão custaram cerca de 150 milhões de euros. Portugal faz parte dos sete países da ESA que financiaram a nave, além de Itália (com a maior fatia do financiamento), França, Suíça, Espanha, Bélgica e Irlanda. Cerca de 40 empresas europeias estiveram envolvidas na construção da nave.

No futuro, uma versão comercial do Veículo Intermediário Experimental poderá fazer viagens até estações espaciais numa órbita perto da Terra, tal como a Estação Espacial Internacional, que está a cerca de 400 quilómetros de altitude, levando e trazendo experiências científicas e outros materiais. Um tipo de missão mais provável para um aparelho como este será o lançamento de satélites para a observação do nosso planeta.

Neste momento, a Europa está dependente da Rússia – dos seus foguetões Protão e Soiuz, bem como da cápsula Soiuz – para transportar tanto carga como principalmente astronautas para a Estação Espacial Internacional. Como aliás também estão dependentes os Estados Unidos, desde que a frota dos famosos vaivéns espaciais da NASA foi retirada de serviço, com o último voo de um vaivém em 2011 – ainda que empresas privadas como a SpaceX estejam a tentar ocupar esse lugar. De resto, a SpaceX já fez algumas missões de abastecimento da Estação Espacial Internacional, o que aconteceu pela primeira vez em 2012, e está a desenvolver uma cápsula destinada a pôr no futuro astronautas no espaço ao serviço dos Estados Unidos. Mas, actualmente, a NASA encontra-se totalmente dependente da Rússia para levar os seus astronautas.

Quanto à Europa, ela tem o seu cargueiro espacial, ou veículo automático de transferência (ATV, na sigla em inglês), que leva mantimentos, combustível e experiências científicas para a Estação Espacial Internacional. O primeiro voou deste aparelho foi em 2008. Mas cada um destes cargueiros espaciais faz um único voo, porque no regresso à Terra destrói-se ao reentrar na atmosfera, juntamente com o lixo produzido pelos astronautas no espaço.

Agora a Europa quer ter mais autonomia espacial e avançou para o Veículo Intermediário Experimental. Há ainda uma amplitude grande para o destino das tecnologias que vão agora ser testadas neste novo veículo: poderão ser usadas em aparelhos destinados a trazer amostras de asteróides, da Lua ou mesmo de Marte, ou em novas naves com capacidade para levar e trazer astronautas de órbitas próximas da Terra. O facto de a nave ter sido concebida para ser reutilizada é uma mais-valia, já que o seu custo se torna menor.

As empresas privadas, as Forças Armadas dos países europeus ou a própria ESA são potenciais clientes destas tecnologias. Numa altura em que a indústria privada está a acelerar a produção de novos aparelhos para o espaço, como é o caso da empresa norte-americana SpaceX, há um grau de incerteza sobre o que será necessário nos próximos anos para se estar na linha da frente da aventura espacial. O futuro do Veículo Intermediário Experimental dependerá de todos estes factores.

Por isso, esta quarta-feira na Guina Francesa vai ter lugar uma fase fundamental do teste a este veículo. “Os sistemas têm de ser validados num voo experimental para ficarem aptos a ser usados pela indústria”, explica Paulo Chaves, que está em Kourou para assistir ao lançamento, juntamente com José Oliveira Santos, da direcção do ISQ.

O novo veículo está dentro da ponta do foguetão europeu Vega. Na frota de foguetões usados no centro espacial, o Vega foi pensado para transportar as cargas mais leves. Nos primeiros minutos de viagem, o foguetão vai largando módulos que já gastaram o combustível durante a subida, enquanto leva o aparelho que transporta até à altitude certa.

Ao fim de 17 minutos 59 segundos de voo, dá-se a separação entre o último módulo do Vega e o Veículo Intermediário Experimental. A partir daí, a nave estará por sua conta. Os seus quatro propulsores serão usados para a nave subir mais uns quilómetros. “Os quatro propulsores vão permitir o posicionamento do veículo no espaço”, explica Paulo Chaves. Depois, começará a descida e a perigosa reentrada na atmosfera terrestre.

Na descida, aos 120 quilómetros de altitude o aparelho atingirá a velocidade máxima de 7,5 quilómetros por segundo (27.000 quilómetros por hora, cerca de 22 vezes a velocidade do som). E é a esta velocidade que terá de reentrar na atmosfera sem se destruir. Para isso, não pode mergulhar num ângulo demasiado apertado, senão explodirá, nem pode ter um ângulo demasiado suave, porque fará ricochete como se se tratasse de uma pedra atirada à água que ressalta.

Devido à velocidade e ao atrito da atmosfera, a parte de baixo da pequena nave vai sofrer um aquecimento muito grande. Será um teste para o novo sistema de protecção térmico que é constituído por um material que não se queima. Se funcionar, significa que o sistema pode voltar a ser usado numa próxima viagem, ao contrário dos vaivéns norte-americanos, em que o casco se queimava na reentrada na atmosfera, obrigando a NASA a construir repetidamente aquele sistema de protecção térmico a cada nova viagem.

Os dois “flaps” (abas) na parte traseira do veículo europeu também desempenham um papel importante. “Os ‘flaps’ podem movimentar-se de uma forma paralela e fazem o veículo subir ou descer. E se actuam de uma forma dessincronizada, o veículo vira à direita ou à esquerda como o leme dos aviões”, descreve Paulo Chaves. Os ‘flaps’ permitem ao veículo controlar a descida e o destino final. Para já, o veículo vai mergulhar no oceano, mas no futuro, com trens de aterragem, poderá vir a aterrar numa pista – uma tecnologia que a Europa nunca teve.

Na descida do veículo vão utilizar-se três pára-quedas para reduzir a sua velocidade e ajudá-lo a fazer o mergulho mais suave no Pacífico. Mal o veículo toque na água, quatro bóias irão encher-se para que não se afunde. Depois, um navio irá resgatá-lo.

Durante o voo, 300 sensores vão medir diversos parâmetros do veículo, desde a temperatura à velocidade. Depois de a missão terminar, esta informação vai servir para avaliar o desempenho de vários sistemas, como o de propulsão, o aerodinâmico, o de controlo do veículo ou o de protecção térmica.

O voo esteve marcado para Novembro último, mas questões segurança levaram ao adiamento da missão em Outubro. Agora, se tudo correr como planeado e não surgirem imprevistos de última hora que adiem a descolagem, a nova nave da Europa irá ao espaço a primeira vez. Jean-Jacques Dordain, director-geral da ESA, vai estar presente no lançamento, o que mostra a importância desta missão para a Europa.
 

Notícia actualizada às 13h26 de 11 de Fevereiro de 2015.

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