Lei do álcool foi "ineficaz" e deve ser "mais restritiva"

Conclusões do SICAD vão no sentido de retomar a proposta inicial para proibir a venda de todas as bebidas alcoólicas, incluindo cerveja e vinho, aos menores de 18 anos.

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O consumo de álcool entre os jovens com menos de 18 anos não diminuiu e a frequência dos problemas associados – como as situações de coma alcoólico ou de sexo desprotegido – manteve-se. Não foi reforçado o controlo em bares, discotecas ou outros locais de consumo e venda ao público de bebidas para garantir que se cumpria a lei.

Em síntese: a nova legislação, de 2013, que pretendia reduzir o consumo do álcool e restringir o seu acesso aos mais novos, para “potenciar ganhos na saúde”, foi “ineficaz”. O próprio decreto-lei previa a realização de um estudo a ser elaborado e entregue ao Governo até Dezembro de 2014 pelo SICAD (Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências) sobre o impacto da aplicação do novo regime.

Esse estudo, divulgado nesta terça-feira, concluiu que os jovens mantiveram os mesmos hábitos que tinham antes de Maio de 2013 (quando entrou em vigor a nova lei) e os consumos nocivos não se alteraram, levando os investigadores a considerar que a lei “não seja sempre respeitada”.

Os investigadores do SICAD conduziram dois estudos (nos quais participaram mais de mil jovens e mais de 100 profissionais de estabelecimentos comerciais) e analisaram três outros inquéritos realizados entre alunos do ensino secundário, estudantes universitários e público jovem de um festival de Verão, lê-se no sumário executivo das conclusões. Também foram considerados indicadores de várias instituições.

Os investigadores observam que, no período em análise, verifica-se a tendência de manutenção da frequência dos consumos, “incluindo de bebidas espirituosas entre os menores de 18 anos”. De igual forma, “a maioria dos jovens inquiridos afirmou não ter “percebido alterações na acessibilidade”, referem, acrescentando que foram os jovens de 16 anos, em particular, “os que mais mencionaram um aumento de facilidade de acesso a bebidas alcoólicas, incluindo as espirituosas”.

É também “considerável” a proporção de inquiridos com menos de 16 anos que diz ter adquirido e tomado bebidas alcoólicas nos 12 meses seguintes à alteração legislativa, sustentam.

Relativamente à fiscalização e controlo, notam que “apenas cerca de metade dos jovens com idade inferior a 17 anos declarou “ter-lhe sido pedido alguma vez um cartão de identificação na aquisição de bebidas alcoólicas”.

Cruzando esta informação, concluíram justificar-se “a implementação de medidas mais restritivas nomeadamente no que toca ao acesso a bebidas alcoólicas por parte de menores de idade”. O documento das conclusões nota que tal convicção é partilhada "pelos jovens e profissionais participantes no estudo.”

Por medidas mais restritivas, confirmou ao PÚBLICO Manuel Cardoso, subdirector-geral do SICAD, deve entender-se uma opção no sentido de se retomar “a proposta inicial”. Essa proposta assentava na ideia de que “não há álcool bom e álcool mau”, recorda, e interditava o consumo de todo o tipo de bebidas alcoólicas aos menores de 18 anos, e não apenas as bebidas espirituosas ou equiparadas. Essa proposta foi alterada pelo Governo, levando o director-geral do SICAD João Goulão a denunciar, na altura, “interesses económicos poderosos”.

A versão final, denunciada na altura por João Goulão, como dando “um sinal errado” e incapaz “de ter o efeito” pretendido na redução do consumo, manteve o limite dos 16 anos para o consumo de cerveja e vinho, quando a proposta inicial era de 18 anos. O responsável alertava para o problema colocado por esta alteração. “A iniciação faz-se nestas idades e a cerveja é a bebida preferida. O problema começa aqui.”

"A nossa leitura vai no sentido de retomar a proposta inicial. Não deve ser permitida a venda de álcool a menores de 18 anos”, disse Manuel Cardoso, garantindo que as conclusões dos investigadores são independentes da direcção do SICAD e que este organismo não interferiu nos resultados agora divulgados. Entre as medidas restritivas defendidas para tornar a lei mais eficaz deu também o exemplo de uma fiscalização reforçada, por existir a percepção, por parte dos operadores, de que podem violar as regras "impunemente".

Para o director do Programa Nacional para a Saúde Mental da Direcção-Geral da Saúde, Álvaro Carvalho, esta proposta faz todo o sentido e só peca por ser tardia. “Desde o início que defendemos que não deve ser permitida a venda de qualquer tipo de álcool a menores de 18 anos”, lembra.

Álvaro Carvalho já tinha reclamado a mudança da lei do álcool, sublinhando que o consumo de cerveja e vinho também só deverá ser permitido a partir dos 18 anos. Com Alexandra Campos

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