Homenagem a Martin Gilbert, biógrafo de Churchill

Martin Gilbert era um dos últimos grandes sobreviventes da família churchilliana.

A morte de (Sir) Martin Gilbert na passada terça-feira não foi propriamente inesperada para os churchillianos.

Sabíamos que estava gravemente doente há alguns anos, depois de um forte AVC e de longa luta contra o cancro. Ainda assim, a notícia atingiu-nos duramente. Depois da morte de Mary Soames, a filha mais nova de Churchill, no ano passado, Martin Gilbert era um dos últimos grandes sobreviventes da família churchilliana — restando-nos hoje Celia Sandys, neta do velho estadista e também ela autora de obras marcantes sobre o avô.

Martin Gibert não era evidentemente familiar de Churchill em sentido estrito. Mas tornou-se parte da família churchilliana pela impressionante obra historiográfica que dedicou ao velho estadista. É uma obra monumental — oito volumes de biografia (os dois primeiros ainda sob a direcção do filho de Churchill, Randolph), mais 16 de documentos, num total de 24 volumes, mais de 25 mil páginas e nove milhões de palavras. Tudo apresentado num tom de serena objectividade, sem juízos de valor, sem interpretações: só factos. Nenhum destes foi alguma vez contestado, muito menos refutado por outros historiadores ou por críticos de Churchill.

Foi esta obra (ou pelo menos os 13 volumes até então publicados) que encontrei em casa de Karl Popper, quando pela primeira vez o visitei em 1988. Perante a minha estupefacção diante de tamanha colecção de livros sobre Churchill, o velho filósofo mandou-me sentar no sofá da sala. E deu-me uma verdadeira lecture sobre Churchill e o seu decisivo papel na defesa da liberdade europeia e ocidental.

Mas a obra de Martin Gilbert ficou também célebre pela história detalhada do Holocausto, as histórias da I e da II guerras mundiais, história do século XX e história de Israel e do povo judeu — num total de 88 livros publicados em vida.

Martin Gilbert veio a Lisboa em 2004, para proferir a Palestra Anual Alexis de Tocqueville no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa. Foi uma sessão memorável, perante um auditório apinhado. No jantar da véspera, já em Lisboa, Martin Gilbert decidiu alterar o tema previsto para a sua palestra: em vez da visão global sobre a vida de Churchill, que tinha preparado, decidiu falar sobre a filosofia política do velho estadista.

Foi uma atenção gentil para com uma das áreas centrais do IEP — a teoria política — e também uma forma de revisitar um dos seus livros menos conhecidos: Churchill’s Political Philosophy, publicado em 1981 pela Oxford University Press, na sequência de três palestras proferidas na Academia Britânica. É um dos raros livros sobre a filosofia política de Churchill, entre os mais de mil títulos publicados no mundo sobre o estadista.

Não seria possível resumir aqui a palestra de Gilbert, muito menos a filosofia política de Churchill. Mas as traves-mestras são conhecidas e não devem ser esquecidas. Churchill era um orgulhoso herdeiro e representante da tradição europeia e ocidental da liberdade ordeira sob a lei. No âmbito dessa tradição — cujas origens ele via no diálogo e na tensão entre as tradições grega, romana, judaica e cristã — Churchill atribuía um papel especial à tradição dos povos de língua inglesa. Gostava de recordar a Magna Carta, a revolução inglesa de 1688 e a revolução americana de 1776 (todas elas revoluções relutantes e moderadas, visando restaurar princípios constitucionais esboçados na Magna Carta de 1215 — cujos 800 anos celebramos em Junho deste ano).

É certamente um tributo a esta visão churchilliana, subscrita por Martin Gilbert, que a continuação da biografia de Churchill esteja agora em mãos americanas. Larry P. Arnn, presidente do Hillsdale College, em Michigan (e antigo assistente de Gilbert em Oxford, na década de 1970), está agora a preparar os seis volumes de documentos finais. O volume 17 (25.º no conjunto da obra), relativo aos anos 1940-42, saiu no ano passado. E todos os volumes anteriores foram republicados, estando agora de novo disponíveis para o público.

 

Manuel de Lucena: A notícia da morte de Manuel de Lucena atingiu-me em Oxford, razão pela qual não poderei estar esta segunda-feira no funeral. Era um homem livre, invulgarmente livre. Leal e frontal, podia-se contar com ele, com o seu apoio ou com a sua oposição, que sempre exprimia abertamente. A sua mente céptica submetia todas as certezas ideológicas ao exercício moderador da interrogação crítica. Foi um amigo seguro da liberdade e dos amigos da liberdade.

 

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