Fisco cobrou 26,5 milhões de euros de portagens que ficaram por pagar

Receita cabe às concessionárias. Acção popular contesta portagens nas ex-Scut.

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Cada coima é dez vezes o valor da taxa da portagem FERNANDO VELUDO/ NFACTOS

A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) cobrou em 2014, de forma coerciva, 26,5 milhões de euros em dívidas pelo não pagamento das taxas das portagens, receita que reverte na totalidade para as empresas concessionárias das auto-estradas. O montante não inclui o valor das coimas e das custas administrativas associadas aos processos de contra-ordenação desencadeados pelo fisco, e onde se inclui uma parte que vai para os cofres do Estado.

De acordo com dados cedidos pelo Ministério das Finanças, no conjunto do ano passado foram cobrados 12,83 milhões de euros em dívidas em atraso às concessionárias, aos quais se somam 13,66 milhões em dívidas referentes ao antigo Instituto de Infra-estruturas Rodoviárias (InIR), actual Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), que instaurava os processos pelas infracções anteriores a 2012.

Estes valores dizem respeito apenas às taxas de portagens não pagas pelos condutores, que são sempre transferidas para as entidades credores, neste caso, as concessionárias rodoviárias. O PÚBLICO solicitou à Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais o valor total das coimas, mas não foi possível obter a informação em tempo útil.

Se, depois de notificados pelas operadoras, os utentes não pagarem as taxas em falta, os processos são transmitidos à administração fiscal, que avança com a cobrança coerciva da taxa da portagem, dos custos administrativos, dos juros de mora e da coima aplicada.

Para os cofres do Estado e da AT entra apenas uma parte da coima cobrada no processo de contra-ordenação. Nesse caso, 40% da multa vai para o Estado, 35% ficam na AT, 10% são entregues ao IMT e 15% para as concessionárias.

Sempre que um utente passa numa portagem e não paga a taxa dentro do prazo, a operadora notifica o proprietário da viatura por carta registada com aviso de recepção. Se a taxa não for paga nesta primeira fase, que implica um custo administrativo de 2,21 euros, a concessionária compila os dados da infracção e remete-os à AT, que avança com a citação dos devedores.

A AT, para além de proceder à execução fiscal da taxa da portagem e do custo administrativo, instaura o processo de contra-ordenação, aplicando coimas (no caso dos particulares, o valor é dez vezes a taxa da portagem, sendo o mínimo de 25 euros).

Como cada taxa não paga dá origem a uma contra-ordenação autónoma, a cobrança coerciva tem gerado uma vaga de impugnações na justiça. Sentenças recentes do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, conhecidas recentemente, anularam multas das portagens por vício formal, como a não identificação dos condutores, a falta de prova de notificação do utente e outros aspectos de incumprimento do Regime Geral das Infracções Tributárias.

285 queixas ao Provedor
Ao Provedor de Justiça chegaram, no ano passado, cerca de 285 queixas relacionadas com as portagens e, ao fim do primeiro mês deste ano, já foram remetidas 51 queixas a José Faria Costa. Entre os principais motivos de contestação, adiantou ao PÚBLICO o gabinete de imprensa do Provedor de Justiça, estão questões como a “legitimidade” da administração fiscal em fazer a cobrança coerciva, os valores das coimas e das custas, o envio das notificações para pagamento ou a prescrição do direito de cobrança das taxas.

A questão da desproporcionalidade das coimas, que tem sido levantada na praça pública por alguns advogados, levou as eurodeputadas Liliana Rodrigues (PS) e Marisa Matias (Bloco de Esquerda) a questionarem a Comissão Europeia sobre o tema no final de Janeiro, para saber se o regime sancionatório aplicado às transgressões nas portagens “é conforme ao quadro legal europeu”.

As duas eurodeputadas portuguesas consideram a penalização da contra-ordenação “manifestamente desproporcional face ao prejuízo sofrido pela concessionária” pelo não pagamento da portagem. “Um contribuinte com 20 passagens sem pagar, terá 20 processos de cobrança coerciva, 20 coimas de dez vezes o valor de cada passagem mais 20 taxas administrativas, e se quiser pedir a impugnação terá de apresentar 20 contestações, pagando 20 taxas de justiça”, exemplificam as eurodeputadas, salientando que “apenas o recurso aos tribunais suspende o agravamento das coimas e custos administrativos”.

Na sexta-feira, a Associação Portuguesa de Direito do Consumo (APDC) interpôs uma acção popular contra o Estado no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, considerando que os métodos de cobrança das portagens das ex-Scut (sem custo para o utilizador) são ilegais e inconstitucionais. Ao PÚBLICO, o advogado Pedro Marinho Falcão, que representa a APDC, explicou que a acção visa obter “a declaração de ilegalidade das normas que obrigam ao pagamento de portagens registadas através de pórticos e das que fixam as coimas a quem não paga as portagens no tempo estabelecido”. As normas fazem “pender sobre o cidadão uma tarefa administrativa que não é da sua responsabilidade”, explica ainda. Se o tribunal der razão à acção, o Estado poderá ficar inibido de cobrar portagens nas ex-Scut até dotar as vias de equipamento para pagamento local.

“Também nestas vias que são ex-Scut o Estado tem de adequar a via e colocar portageiros”, acrescentou. A APDC coloca ainda em causa o valor das coimas, que é sempre associado ao maior valor de distância multiplicado por dez (pessoa singular) ou por 20 (se for uma empresa). “Viola o princípio da proporcionalidade garantido na Constituição”, disse.     

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