Há 50 anos, a Europa despediu-se de Churchill

Cerimónias em Londres marcam o aniversário da morte do homem que liderou uma Grã-Bretanha (e um mundo) em guerra contra o nazismo

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O funeral em Londres
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O funeral em Londres AFP
O cortejo recriado no Tamisa esta setxa-feira
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O cortejo recriado no Tamisa esta setxa-feira Suzanne Plunkett/Reuters

Em 1899, Winston Churchill, jovem oficial do exército inglês que se preparava para lançar o seu segundo livro, escreve ao famoso novelista americano Winston Churchill, preocupado com o facto de partilhar o nome com um escritor bem mais conhecido. Nessa carta, sugere que “o Sr. Winston Churchill e o Sr. Winston Churchill deveriam inserir uma nota nas suas publicações respectivas explicando ao público quais são as obras do Sr. Winston Churchill e quais são as do Sr. Winston Churchill”. O Churchill propôs-se utilizar o seu nome do meio para evitar a confusão, assinando Winston Spencer Churchill.

Agora que se cumprem 50 anos da morte do Churchill inglês, é o americano quem poderia hoje lamentar a coincidência: ofuscado pelo seu homónimo, é frequente as suas obras serem erradamente atribuídas ao antigo líder britânico, que ganhou o prémio Nobel da literatura em 1953. Pior, o inglês era notoriamente prolífico, tendo deixado mais palavras escritas do que Dickens e Shakespeare juntos, segundo o seu biógrafo Boris Johnson, actual mayor de Londres.

Começou a escrever cedo. Aos 21 anos, recém-entrado no exército britânico, foi para Cuba observar a guerra de independência nesse país, de onde lhe ficou o gosto por charutos cubanos. Tornou-se correspondente de guerra, vendendo artigos para jornais. Fez o mesmo em outros teatros de guerra onde esteve deslocado, do Paquistão à África do Sul. Nunca teve dificuldade em fazer dinheiro com a sua escrita.

Churchill ficou para a história como o primeiro-ministro que ganhou uma guerra para depois perder as eleições. Teve um início de carreira política atribulado. Mudou de partido duas vezes, instigou uma campanha militar desastrosa durante a Primeira Guerra Mundial que lhe valeu cair em desgraça, e em 1929 perde mesmo o seu assento parlamentar. Passa os 11 anos seguintes a escrever, publicando livros de história e artigos, e distingue-se pelas duras críticas à política de apaziguamento seguida por Neville Chamberlain em relação à Alemanha nazi.

A história viria a dar-lhe razão, e quando Chamberlain se demite em 1940, é designado pelo rei Jorge VI para liderar uma Grã-Bretanha em guerra. A Alemanha já tinha invadido a Holanda e a Bélgica, e avançava sobre França. Depois da rendição francesa, Churchill torna-se o grande artífice da resistência britânica face ao poderio alemão. Irascível mas não rancoroso, soube aliar-se aos seus inimigos quando as circunstâncias o exigiam. Aliou-se aos trabalhistas e liberais para formar um governo de unidade nacional durante a guerra, e entendeu-se com Estaline para derrotar o nazismo, apesar da sua aversão ao comunismo, ficando para a história um encontro em 1942 entre os dois estadistas regado a vodka e vinho.

Os seus talentos de orador inspiraram os britânicos acossados pelos bombardeamentos alemães, e vários dos seus discursos mais conhecidos são citados até hoje como o “Lutaremos nas praias” ou “Só tenho a oferecer-vos sangue, sofrimentos, lágrimas e suor”. Adivinhando as intenções de Estaline depois da guerra, negociou cruamente com o líder soviético as zonas de influência respectivas na Europa (entregando a Roménia ao comunismo, mas garantindo a Grécia para o campo democrático), e foi ele quem deu nome à “cortina de ferro que se abateu sobre o continente”, num discurso de 1946.

A sua aura de defensor da liberdade na Europa é manchada pela brutalidade com que tratou os povos indígenas nos domínios britânicos, tentando manter a todo o custo o império britânico. A sua oposição à independência da Índia era tão feroz que lhe valeu ser marginalizado até pelos Conservadores. Foi acusado por historiadores, e também pelo prémio Nobel de economia Amartya Sen, de ter provocado ou pelo menos ignorado a grande fome de Bengala em 1943 que terá custado a vida a 1,5 milhões de indianos.

E foi sob o seu governo que dezenas de milhares de africanos foram detidos em verdadeiros campos de concentração, em resposta à revolta dos mau-mau no Quénia nos anos 50. Entre os detidos e torturados estava Hussen Onyango Obama, avô do actual presidente dos EUA. Um “lado negro” que revela toda a complexidade da personalidade de Churchill, fundada na convicção da superioridade das instituições e do império britânico.

Depois de liderar a oposição desde 1945, torna-se novamente primeiro-ministro em 1951 depois de derrotar os trabalhistas nas eleições, mas em 1955, já fortemente debilitado depois de um AVC, retira-se da vida política. Morre em casa a 24 de Janeiro de 1965, aos 90 anos. O seu funeral de Estado realizado a 30 de Janeiro, foi o maior até à data, com representantes de 112 países e transmissão ao vivo para milhões de europeus.

Esta sexta-feira, em Londres, o mesmo barco que levou o corpo de Churchill Tamisa abaixo há 50 anos refez o mesmo trajecto – em memória do homem que liderou a Europa livre nos tempos mais conturbados da sua história. 

Notícia corrigida às 11h28.  Onde se lia que Churchill foi designado primeiro-ministro pela rainha Isabel, deve ler-se que o foi pelo rei Jorge VI.

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