Silêncio “cirúrgico” do motorista terá justificado prisão preventiva de Sócrates

Defesa do ex-primeiro-ministro contesta no recurso conclusão do juiz Carlos Alexandre que entendeu que José Sócrates terá tentado assegurar o silêncio de João Perna disponibilizando-lhe um advogado da sua confiança e assumindo as despesas da sua defesa.

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A defesa de Sócrates critica o juiz Nuno Ferreira Santos

O silêncio de João Perna, o ex-motorista de José Sócrates, no primeiro interrogatório logo após a detenção, terá sido um dos argumentos (por constituir eventualmente uma perturbação do inquérito) que levou o juiz Carlos Alexandre a decretar a prisão preventiva do ex-primeiro-ministro.

O episódio é narrado no recurso dos advogados do ex-governante, João Araújo e Pedro Delille, que contestam a leitura feita pelo juiz de que Sócrates terá tentado assegurar o silêncio de João Perna disponibilizando-lhe um advogado da sua confiança e assumindo as despesas da sua defesa.

No recurso, que será apreciado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a defesa confirma que Sócrates instruiu a sua secretária para contactar o “seu amigo e advogado” Daniel Proença de Carvalho (que o defende em vários processos contra órgãos de comunicação social) para que este representasse o seu motorista.

Contudo, os advogados rejeitam a conclusão que Carlos Alexandre retirou desta atitude do ex-governante. O juiz “passou a concluir, sem confrontar directamente e expressamente o recorrente com tal conclusão, de que ele, por essa forma asseguraria o silêncio ‘cirúrgico’ daquele seu empregado”, criticam no recurso.

A defesa questiona que “outro comportamento poderia” Sócrates “adoptar com hombridade e decência mínimas, senão o que adoptou, de procurar protecção jurídica para o seu empregado, sofrendo perseguição criminal por causa de serviço que lhe prestou”.

Os advogados nada dizem, contudo, sobre a atitude que o ex-motorista adoptou no início do processo. João Perna recusou então efectivamente esclarecer o juiz Carlos Alexandre sobre o seu alegado envolvimento nos crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais, nomeadamente sobre o transporte de dinheiro.

Durante o primeiro interrogatório, Daniel Bento Alves, um jovem advogado do escritório de Proença de Carvalho, assegurou a defesa de João Perna. Porém, já depois de decretada a sua prisão preventiva, o ex-motorista trocou de advogado. Já com o novo defensor, Ricardo Candeias, e após ter rescindido o contrato de trabalho com Sócrates, pediu para ser inquirido novamente pelo Ministério Público (MP). 

João Perna foi inquirido a 18 de Dezembro pelo procurador Rosário Teixeira e dessa vez decidiu falar, prestando esclarecimentos que levaram o MP a pedir a alteração da medida de coacção. Após quatro horas de interrogatório, o advogado do ex-motorista sublinhou que João Perna “colaborou com as autoridades naquilo que entendeu que devia colaborar” tendo revelado “factos relevantíssimos”. João Perna deixou a cadeia na antevéspera de Natal e desde então está em prisão domiciliária.

Sócrates tratado por "José Pinto de Sousa"
“Cabe ao recorrente [Sócrates] dizer, a este propósito, ser absolutamente falso o facto, criminoso e infamante, que o senhor juiz poder concluir, de procurar ele proteger-se induzindo ao silêncio que lhe conviria”, referem os advogados no recurso garantindo de seguida ser “absolutamente indiferente” para o ex-governante o que João Perna “pudesse ou possa ter dito, dizer, calado ou calar”.

A defesa do ex-primeiro-ministro critica ainda o juiz por não ter confrontado Sócrates sobre as suspeitas de condicionamento do testemunho de João Perna, dando-lhe a oportunidade de se explicar. Os advogados notam também que apesar destas suspeitas, não foi aberto outro processo para apurar eventuais crimes nesta actuação de Sócrates.

Apesar de a defesa de Sócrates se queixar inúmeras vezes da ausência de informação sobre os factos que são imputados, logo no início do recurso, reconhece que lhe foi entregue um documento com 54 páginas, elaborado pelo MP e denominado “factos imputados ao arguido José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa”.

A forma como o procurador e o juiz se terão referido a Sócrates, apenas por “José Pinto de Sousa”, merece um pequeno capítulo do recurso intitulado “uma questão de nome”. Esta designação à revelia da abreviatura que o ex-primeiro-ministro escolheu e com a qual “ganhou duas eleições” é, segundo os seus advogados, uma “violação do direito de personalidade” ao “nome e à integridade moral”. Para a defesa, esta forma de tratamento resulta num “despersonalização”, “desidentificação” e “desmoralização” de Sócrates. 

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