"Como é que isto está a acontecer outra vez", perguntam sobreviventes do Holocausto

Cerimónia assinala o 70.º aniversário da libertação do campo de concentração de Auschwitz, na Polónia.“Pensávamos que o ódio aos judeus tinha sido erradicado mas em vez de 2015 mais parece 1933", lamenta presidente do Congresso Mundial Judaico.

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Barbara Doniecka, de 80 anos, era o número 86341. Tinha 12 anos quando foi enviada para Auschwitz-Birkenau com a mãe. Foi fotografada em Varsóvia REUTERS/Kacper Pempe
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Barbara Doniecka com a sua fotografia quando era menina REUTERS/Kacper Pempe
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Jerzy Ulatowski, de 83 anos, fotografado em Varsóvia. Tinha 13 anos quando foi enviado para o campo de concentração, de onde fugiu com a família em Janeiro de 1945 REUTERS/Kacper Pempel
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Janina Reklajtis, de 80 anos, que estava registada com o número 83043, segura uma foto de si própria quanda era pequena. Foi aos 12 anos que foi enviada, juntamente com a mãe, para Auschwitz-Birkenau. Foi libertada pelo exército soviético. REUTERS/Kacper Pempel
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Laszlo Bernath, de 87 anos, fotografado em Budapeste. Tinha 15 anos quando foram levados para o campo e o pai disse-lhe para mentir na idade, de forma a não serem separados. Nunca soube das câmaras de gás. REUTERS/Laszlo Balogh
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Uma foto da família de Laszlo Bernath REUTERS/Laszlo Balogh
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Jacek Nadolny, de 77 anos, fotografado em Varsóvia. Era o número192685 no campo de concentração, para onde foi com sete anos. Em Janeiro de 1945, foi transferido para um campo de trabalho em Berlim. REUTERS/Kacper Pempel
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Bogdan Bartnikowski, de 82 anos, fotografado em Varsóvia. Era o número 192731. Tinha 12 anos quando ele e a mãe foram mandados para Auschwitz-Birkenau. Mudou de campo várias vezes. Depois da guerra, tornou-se jornalista e escritor. REUTERS/Kacper Pempel
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Uma foto de família de Bogdan Bartnikowski REUTERS/Kacper Pempel
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Maria Stroinska, de 82 anos, tinha 12 quando foi enviada, juntamente com a irmã, para o campo de Pruszkow, de onde foi depois transferida para Auschwitz-Birkenau. REUTERS/Kacper Pempel
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Uma foto da família de Maria Stroinska antes da guerra REUTERS/Kacper Pempel
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Jadwiga Bogucka (nome de solteira Regulska), de 89 anos, estava registada com o número 86356. Tinha 19 anos quando ela e a mãe foram tiradas de casa para o campo de Pruszkow. Em Agosto de 1944, foi transferida para Auschwitz-Birkenau, onde foi libertada pelo exército vermelho a 27 de Janeiro de 1945. REUTERS/Kacper Pempel
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Uma foto de Jadwiga Bogucka quando era pequena REUTERS/Kacper Pempel
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Elzbieta Sobczynska (nome de solteira Gremblicka), de 80 anos, estava registada com o número 85536. Aos 10 anos, foi retirada de casa com a mãe e enviada para o campo de Pruszkow, antes de seguir para Auschwitz-Birkenau. Elzbieta diz que lhe roubaram a infância. REUTERS/Kacper Pempel
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Elzbieta mostra o relógio que era do pai REUTERS/Kacper Pempel
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Janos Forgacs, de 87 anos, foi levado para o campo de concentração num vagão para gado, selado com arame farpado. Disseram-lhe para deixar para trás todos os pertences, afirmando que não iria precisar deles. REUTERS/Laszlo Balogh
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Stefan Sot, de 83 anos, estava registado com o número 192705. Tinha 13 anos na Insurreição de Varsóvia, quando foi enviado para o campo de Pruszkow e depois para Auschwitz-Birkenau. Mais tarde, foi transferido para um sub-campo onde trabalhou na cozinha para as SS. Depois da guerra, trabalhou numa gráfica. REUTERS/Kacper Pempel
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Stefan Sot segura uma foto de quando era criança REUTERS/Kacper Pempel
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Lajos Erdelyi, de 87 anos, segura um desenho feito por outro prisioneiro. Foi mandado para Auschwitz-Birkenau em Maio de 1944 e mais tarde transferido para outro campo. Quando foi libertado, pesava menos de 30 quilos, mas tentou ir a pé para a casa. Desmaiou e foi levado para o hospital por um agricultor REUTERS/Laszlo Balogh
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Halina Brzozowska, de 82 anos, estava registada com o número 86356. Tinha 12 anos quando foi levada para o campo de Pruszkow, juntamente com a irmã de seis anos. Mais tarde, foram para Auschwitz-Birkenau. Ainda hoje tem dificuldade em falar do que lhe aconteceu. REUTERS/Kacper Pempel
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Um retrato de infância de Halina Brzozowska REUTERS/Kacper Pempel

Com idades entre os 80 e os 90 anos, os últimos sobreviventes de Auschwitz viajaram até ao Sul da Polónia para assinalar o 70º aniversário da libertação do que foi o maior campo de concentração e extermínio nazi, conscientes de que, provavelmente, seria a sua derradeira homenagem às mais de 5,5 milhões de judeus vítimas do Holocausto.

“Fizemos um esforço especial para os termos aqui hoje”, admitiu o presidente do Congresso Mundial Judaico, Ronald Lauder. “Sabemos que esta deve ser a última vez que teremos uma presença tão proeminente de sobreviventes. Muitos já não vão estar connosco quando marcarmos o 75º aniversário”, observou ao diário britânico The Guardian.

Mas mais do que recordar o passado, o que estes octogenários pretendem é reflectir sobre as lições da História, num momento em que ressurgem ataques anti-semitas e se verifica expansão territorial assente em conflitos étnicos e sectários na Europa. Como é possível que, ali ao lado, os judeus sejam abatidos em ataques terroristas em França, ou que as fronteiras de um país sejam ultrapassadas e regiões sejam sumariamente anexadas, como na Ucrânia, questionam-se – será que não se aprendeu nada?

“Nós, sobreviventes, jamais esqueceremos o que se passou aqui”, declarou Roman Kent, um dos antigos prisioneiros e membro do Conselho Internacional de Auschwitz. “Mas lembrar não é o suficiente. Palavras são importantes mas acções são cruciais”, declarou, defendendo como “obrigação dos sobreviventes mas também dos líderes políticos” educar as gerações para o respeito e a tolerância, “ensinar que o ódio nunca está certo e o amor nunca está errado”.

Numa longa intervenção, a voz de Roman Kent, de 86 anos, só tremeu uma vez, quando disse que “não queremos que o nosso passado seja o futuro dos nossos filhos”. “Não queremos que o nosso passado seja o futuro dos nossos filhos”, repetiu, em lágrimas, pelo que a promoção do “pluralismo, da tolerância e dos direitos humanos tem de incluir a oposição ao anti-semitismo e ao racismo. Essa devia ser a norma e não a excepção”.

Na mesma linha, Ronald Lauder, um descendente de judeus húngaros nascido em Nova Iorque em 1944, evocou a indiferença, que leva o ódio a insinuar-se nas sociedades até ser tarde demais. “Queria fazer outro discurso aqui , mas depois do que aconteceu recentemente em Paris, não posso deixar de falar. Os judeus estão novamente a ser atacados na Europa”, lamentou. “Pensávamos que o ódio aos judeus tinha sido erradicado mas agora acordamos e em vez de 2015 mais parece 1933. Como é que isto está a acontecer outra vez? E porquê?”

Uma realidade insuportável
As mesmas dúvidas e inquietações que afligem os judeus e os sobreviventes do Holocausto foram mencionadas ao longo do dia por alguns dos chefes de Estado europeus presentes na cerimónia em Auschwitz. Antes de viajar para a Polónia, o Presidente de França, François Hollande, homenageou os cerca de 75 mil judeus franceses deportados pelo regime colaboracionista de Vichy, numa cerimónia no Memorial do Holocausto de Paris. O anti-semitismo e o racismo serão, a partir de agora, “agravantes” a ter em conta na aplicação do código penal gaulês, anunciou.

Hollande descreveu o aumento dos actos contra judeus, que duplicaram em França em 2014, como uma “realidade insuportável”, e reconheceu que o “flagelo” do anti-semitismo está a levar muitos membros da comunidade a “interrogar-se sobre a sua presença em França”. Mas num apelo vigoroso, três semanas depois dos atentados terroristas que atingiram o jornal satírico Charlie Hebdo e um supermercado kosher, o Presidente garantiu a todos os franceses de confissão judaica que não têm de fugir: “A França é a vossa pátria. O vosso lugar é aqui. O nosso país não seria o mesmo se tivesse de viver sem vós”.

Também a chanceler alemã Angela Merkel lamentou que, 70 anos depois da libertação de Auschwitz, continue a haver quem seja “ameaçado, atacado e agredido, na Alemanha, por dizer que é judeu ou por tomar partido por Israel". "É vergonhoso”, considerou. “Temos de nos opor ao anti-semitismo e todas as formas de racismo, não podemos admitir palavras racistas contra os judeus ou contra as pessoas que encontraram na Alemanha um local de abrigo da guerra e da perseguição”.

Reconhecendo que o seu país tem uma “responsabilidade eterna” pelas atrocidades cometidas pelo regime nazi em Auschwitz e muitos outros lugares, Merkel sublinhou que a ameaça do mal continua a pairar hoje em dia, sob a forma do terrorismo islamista e do anti-semitismo. Mas “cada um deve poder viver em segurança e liberdade, independentemente da sua religião ou da sua origem”, contrapôs. “Muçulmanos, judeus ou cristãos, crentes ou ateus, não nos vamos deixar dividir”, declarou.

Onda de ódio

Tal como Merkel, Ronald Lauder fez questão de frisar durante o seu discurso em nome dos “Pilares da Memória”, que a “onda de ódio que está a varrer o mundo” não atinge só os judeus. “Os cristãos estão a ser massacrados em África. As mulheres e crianças são atacadas por ir à escola no Afeganistão e Paquistão. Os jornalistas são decapitados no Médio Oriente”, enumerou. “Todos os países deviam criminalizar o ódio. E qualquer país que defende a aniquilação de outros países devia ser expulso da comunidade das nações. Se não agirmos depressa, a tragédia deste lugar terrível voltará a ensombrar o mundo. Não deixem que isso volte a acontecer”, pediu.

O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, que se tornou uma presença incómoda por causa das acções beligerantes de Moscovo na vizinha Ucrânia, não foi oficialmente convidado para a cerimónia em Auschwitz, mas nem por isso deixou de prestar tributo às vítimas do Holocausto e de elogiar os esforços do Exército soviético na Segunda Guerra Mundial.

Numa sessão no museu do Judaísmo de Moscovo, Vladimir Putin condenou as tentativas de “silenciar, distorcer ou falsificar os acontecimentos para reescrever a História” como “inaceitáveis” e “imorais”, e ofereceu a sua própria interpretação para esse comportamento: “É o desejo de esconder a vergonha da cobardia, hipocrisia, traição, e da cumplicidade tácita, passiva ou activa, com os nazis”.

O Presidente russo nem precisou de referir explicitamente os alegados culpados dessas tentativas, uma vez que há vários anos vem acusando as autoridades ucranianas de reclamarem um falso protagonismo na libertação de Auschwitz. A discórdia aprofundou-se depois de declarações do ministro dos Negócios Estrangeiros polaco que atribuiu a soldados ucranianos a responsabilidade pela libertação de Auschwitz: perante essas palavras, o embaixador russo nas Nações Unidas clarificou que a 322ª divisão de artilharia do Exército soviético, que entrou no campo em 21945, era designada como a primeira frente ucraniana por ter “libertado a Ucrânia dos nazis antes de chegar à Polónia”.

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