Judeus franceses divididos entre ir para Israel ou ficar na Europa

O Governo de Telavive estima que, este ano, cheguem ao país 15 mil judeus oriundos de França. Não fogem de uma guerra ou de uma ameaça aniquiladora. “Aquilo a que estamos a assistir agora é ao velho sionismo, à ideia de que só há um sítio para se estar, e esse sítio é Israel”.

Foto
Uma mulher judia francesa assiste a aulas de hebraico em Ulpan Morasha, um centro educativo governamental em Jerusalém David Vaaknin/The Washington Post

Logo após a morte de quatro judeus numa mercearia kosher em Paris, no dia 9 de Janeiro, os líderes políticos de Israel foram rápidos a propor o país como um local de refúgio.

“A todos os judeus de França, a todos os judeus da Europa, quero dizer que Israel não é apenas o sítio em cuja direcção se viram para rezar; o Estado de Israel é a vossa casa”, disse o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, numa declaração transmitida pela televisão.

Se esse apelo provocar uma nova vaga de emigração, os novos habitantes irão juntar-se aos 7000 compatriotas franceses que se mudaram para Israel no ano passado. Mas esse movimento já está a reformular o debate entre os judeus, que se questionam: é melhor para os judeus franceses virem para Israel, ou ficarem em casa e insistirem que a sociedade francesa, incluindo a sua crescente população muçulmana do país, os acomode?

Este debate foi lançado com um toque moderno: se os judeus abandonarem a França em grande número, não estarão a fazer justamente aquilo que os extremistas islamistas querem – expulsar os judeus de França?

“Aquilo a que estamos a assistir agora é ao velho sionismo, à ideia de que só há um sítio para se estar, e esse sítio é Israel”, disse Smadar Bar-Akiva, director executivo do JCC Group, uma organização que congrega mais de mil centros comunitários judaicos em todo o mundo.

Aliyah é maravilhoso. Adoraríamos ter mais judeus em Israel”, disse Bar-Akiva, referindo-se ao termo hebraico recuperado aquando da fundação de Israel, em 1948, para classificar a ida de milhares de judeus para o seu país. “Mas eu também gostaria que houvesse mais judeus fortes espalhados pelo mundo. Fazer as malas e sair de França é uma espécie de derrota auto-infligida.”

Os judeus que estão a chegar a Israel vindos de França não fogem de uma guerra ou da aniquilação, como a geração fundadora que chegou imediatamente após a II Guerra Mundial. Nem os judeus franceses são como os judeus russos e etíopes que fugiram ao colapso da União Soviética e à pobreza em África nas décadas de 1980 e 1990 – um fenómeno caracterizado como uma “aliyah motivada por crises”.

A chegada de judeus franceses, diz Natan Sharansky, presidente da Agência Judaica para Israel, é “um fenómeno histórico único”, que coloca novos desafios e oportunidades a Israel. “Estamos a transitar de uma aliyah de salvaçã para uma aliyah de escolha livre”, disse Sharansky.

Pela primeira vez na História de Israel, de acordo com Sharansky, mais de metade dos imigrantes judeus que chegaram a Israel no último ano vieram de democracias ocidentais, com a migração a partir de França no topo da lista.

Alguns analistas em Israel acusaram os líderes do país de não perceberem as realidades dos judeus que vivem na Europa, e a sua profunda ligação aos respectivos países de origem.

“Acho que a situação na Europa não justifica um êxodo em massa para Israel”, disse Elie Barnavi, professor de História na Universidade de Telavive e antigo embaixador de Israel em Paris. Para Barnavi, os judeus franceses que desejem emigrar devem fazê-lo por amor a Israel, e não por pânico. “Nem o Governo, nem a população, nem os media franceses são anti-semitas. Não se pode comparar à situação na década de 1930”, disse o historiador.

“Estamos a falar de pessoas que vêm para cá por opção. A maioria das pessoas vai permanecer em França, porque têm uma vida confortável”, disse Barnavi. “Não é fácil deixar para trás a nossa cultura, a nossa língua, os nossos amigos.”

Sionismo
Mas outros analistas apoiaram a oferta feita pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

“Lamento dizer a verdade: o crime terrível que Netanyahu cometeu chama-se sionismo”, escreveu Boaz Bismuth, um antigo correspondente em Paris, no jornal Israel Today.

Yair Lapid, líder do partido centrista Yesh Atid, e um homem que não pode ser descrito como um amigo de Netanyahu, disse: “Os judeus europeus têm de perceber que só existe um sítio para os judeus, e esse sítio é o Estado de Israel.”

O que os recém-chegados vão encontrar quando chegarem a Israel, e de que forma vão mudar a sociedade israelita, são questões importantes e ainda em aberto.

No ano passado, antes do massacre em Paris, mais de 7000 judeus franceses optaram por sair de França, deixando para trás uma nação democrática, liberal, multicultural e moderna, com um Governo que disponibiliza vários serviços – educação, saúde, reformas – aos seus cidadãos, incluindo os judeus, que têm vivido em França desde o tempo dos romanos. O motivo mais vezes referido para a saída: a fraca economia europeia e um crescente anti-semitismo.

Este ano, as autoridades israelitas prevêem que 15.000 judeus de França cheguem a Israel, e muitos mais deverão tentar obter vistos para o Canadá e para os Estados Unidos. O número total da imigração para Israel, a partir de todos os países, atingiu uma média de 20.000 por ano na última década.

Dov Maimon, um israelita nascido em França que trabalha no Instituto de Políticas para o Povo Judaico, em Jerusalém, estima que metade dos 500.000 judeus em França vai deixar o país nos próximos 15 anos. “É uma oportunidade histórica para Israel”, disse Maimon.

Mas é necessário ter uma nova abordagem: estes judeus franceses devem ser persuadidos. O sionismo – o movimento internacional para o regresso do povo judaico à sua pátria – pode não ser suficiente.

“No modelo antigo, as pessoas vinham angustiadas, da Etiópia e de Marrocos, e eram colocadas em Dimona”, uma cidade enfadonha no meio do deserto do Neguev. “Agora, se Israel fizesse isso, os franceses iriam embora”, disse.

“Se não tivermos um bom plano, os judeus mais abastados vão mudar-se para outro sítio qualquer. Os judeus mais integrados vão assimilar e permanecer onde estão. E apenas os judeus tradicionais, ideológicos e desfavorecidos virão para Israel.”

Baixar as expectativas
Nos últimos anos, os israelitas têm olhado para os judeus franceses que chegam ao país como pretensiosos que compram casas em condomínios caros na praia e nem se dão ao trabalho de falar hebraico de forma aceitável. Mas a verdade é que muitos franceses recém-chegados fazem parte da classe média, são dependentes dos seus salários que lutam como a maioria dos israelitas contra o elevado custo de vida.

“Têm de baixar as expectativas”, disse Jean-Charles Bensoussan, de 62 anos, um médico francês que chegou há cinco meses e que agora trabalha como dentista.

Aqui em Israel, diz Bensoussan, um contabilista francês arranja trabalho como guarda-livros. Um comerciante têxtil internacional gere uma empresa de atendimento ao cliente.

Os salários são baixos. Os certificados passados em França – diplomas e licenças para exercer advocacia, medicina ou arquitectura – não são aceites.

As rendas são muito elevadas, a oferta imobiliária é fraca. Os preços são tão elevados como em Paris, disse Bensoussan. A língua é difícil, especialmente para as pessoas de meia-idade: “Sentimo-nos como uns parvinhos.”

Bensoussan é de Lyon, onde diz ter sido espancado em duas ocasiões por imigrantes árabes. Segundo ele, o sentimento de hostilidade em relação aos judeus tem crescido muito. “O que acontece se usarmos kippa em França? É um suicídio”, garante.

Emmanuelle Ohnouna, de 36 anos, vivia em Paris, onde era farmacêutica. Agora estuda hebraico ao lado de Bensoussan e de uma outra dezena de novos amigos numa escola no centro de Jerusalém.

O Governo israelita dá alguma ajuda aos imigrantes – conselhos para obtenção de emprego, isenção de impostos na compra de um automóvel, hipotecas com juros baixos e seis meses de aulas de hebraico.

“Não nos mudámos para Israel por medo. Queríamos o melhor para os nossos filhos”, disse Ohnouna. “Se quiséssemos estar num país seguro, teríamos ido para os Estados Unidos ou para o Canadá. Conhecemos os problemas de Israel, e estamos preparados para viver com eles.”

Exlusivo Público/The Washington Post

 
 

   

Sugerir correcção
Ler 5 comentários