Nova lei prevê “liberdade condicional” para menores condenados

Tribunais poderão colocar jovens em liberdade para "supervisão intensa" em casas de autonomização que, porém, ainda não existem. Diploma traz novo "paradigma", acelera decisões judiciais e passa a permitir cúmulo jurídico das condenações.

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Em Agosto, os centros educativos ficaram sem vagas para jovens Paulo Ricca/Arquivo

A partir de 15 de Fevereiro, os menores condenados por crimes poderão sair em liberdade, após cumprirem metade da medida de internamento em centros educativos, cumprindo o tempo restante em casas de autonomização, sujeitos a supervisão e a um conjunto de regras.

Porém, as casas não existem e os procedimentos para a sua criação ainda não avançaram, segundo informações recolhidas pelo PÚBLICO junto dos ministérios da Justiça e da Solidariedade, Emprego e Segurança Social. Serão estas as tutelas que definirão em decreto-lei a instalação destas casas cuja administração ficará a cargo da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP).

A medida consta da nova Lei Tutelar Educativa (a última datava de 1999), aprovada a 15 deste mês e que abrange menores entre os 12 e os 16 anos, podendo estes cumprirem o internamento até aos 21 anos.

O PÚBLICO apurou que os responsáveis do sistema tutelar educativo na DGRSP reúnem-se amanhã para debater a implementação das alterações trazidas por esta lei, nomeadamente a criação das casas.

“A lei traz um novo paradigma. E esse ponto é uma inovação muito positiva para o desenvolvimento dos jovens porque os centros educativos não são uma prisão, mas uma escola de educação para o direito. Isto é uma espécie de liberdade condicional”, apontou o subdirector da DGRSP, Licínio Lima.

Liberdade condicional é uma classificação com a qual Maria do Carmo Peralta, coordenadora da Comissão de Acompanhamento e Fiscalização dos Centros Educativos, concorda, mas “numa versão simplificada”. Até porque destaca existirem diferenças substanciais face ao que a lei penal prevê para os adultos. “Neste caso pretende-se prolongar o processo de educação dos menores” fora do confinamento, diz pelo que o termo mais rigoroso é o anglo-saxónico “probation”.

A também procuradora na Relação de Lisboa destaca a medida como positiva, mas revela apreensão face à inexistência de equipamentos. “A lei é instantânea, mas não havendo casas os juízes não a podem aplicar”, alerta.   

A nova lei prevê então um “período de supervisão intensiva” que “não pode ser inferior a três meses nem superior a um ano”. São os serviços de reinserção social que avaliam e propõem a duração do período para cada caso e o juiz decide. As casas de autonomia poderão ser geridas pelos “serviços de reinserção social, por entidades particulares sem fins lucrativos ou por organismos da Segurança Social, mediante formalização de acordos de cooperação”.

O diploma resulta em boa medida de um conjunto de propostas de alteração feitas já em Abril de 2013 pela comissão fiscalizadora dos centros educativos. O PS apresentou no Parlamento uma proposta em Fevereiro do ano passado à qual se seguiram propostas do PSD, PCP e CDS, considerando que era necessário actualizar e melhorar a eficácia da lei que já tinha 15 anos.

Esta lei admite a possibilidade de os jovens cumprirem este período de supervisão “no meio natural de vida”, voltando à habitação dos pais, mas reforça a preferência pelas casas de autonomia a criar. “Voltarem ao meio de onde saíram não é a melhor solução. Foi esse mesmo meio que os influenciou negativamente”, avisa Maria do Carmo Peralta que defende que as casas de autonomia devem ser criadas em ambientes “positivos e favoráveis” longe das periferias das cidades.

Nessas habitações, os jovens terão de cumprir “regras de conduta” entre as quais poderão estar a obrigação de “frequentar o sistema educativo”, “programas do tipo formativo, cultural, educativo, profissional, laboral, de educação sexual, de educação rodoviária”, obrigação de assiduidade no trabalho e proibição de frequentar determinados locais. Se alguma destas medidas for violada de forma grave ou reiterada, o juiz poderá recolocar o menor num centro educativo onde cumprirá a medida restante de internamento.

Serão técnicos de reinserção da DRGSP os responsáveis pela supervisão dos jovens. Porém, Licinio Lima admite que os 124 técnicos que actualmente estão ao serviço da DGRSP não serão suficientes. “Do ponto de vista dos recursos humanos temos de estudar a situação com a tutela, porque esta espécie de liberdade condicional obriga ao dispêndio de mais técnicos”, afirma.

Esses técnicos passam também a acompanhar, no final do internamento, os restantes jovens que não sejam autorizados a sair dos centros educativos mais cedo para casas de autonomia.

Com a nova lei, os tribunais de família e menores passam também a poder fazer o cúmulo jurídico de condenações diferentes aplicadas a um mesmo jovem, como acontecia já com os adultos, sendo que uma medida não pode ser ultrapassar os dois anos de internamento.

O diploma imprime ainda aceleração nas decisões judiciais com os tribunais superiores a terem de responder a recursos num prazo máximo de dois meses. O recurso, ao contrário de na justiça para adultos, deixa de suspender a decisão e o menor é de imediato internado.

“Isto é importante porque muitas vezes os miúdos desapareciam após a decisão do juiz em primeira instância”, defende Maria do Carmo Peralta.

O diploma prevê também agora que qualquer pessoa que tenha conhecimento de um crime cometido por um menor possa apresentar queixa mesmo quando o crime não é público. Antes só a vítima o podia fazer. “Apesar de positiva, esta alteração irá colocar mais pressão no sistema com aumento de processos e mais jovens nos centros educativos”, conclui o subdirector da DGRSP.

Também o processo pode ser arquivado, excepto se o crime for de natureza pública, se a vítima assim quiser. E no caso de crimes com pena máxima não superior a cinco anos de prisão, o próprio Ministério Público pode suspender o processo com a condição do menor cumprir um plano de conduta.

Existem actualmente 185 jovens internados nos centros educativos que têm uma capacidade total de cerca de 200 lugares. O sistema já teve 250 vagas, mas em Julho o centro de Vila do Conde, que representava 50 dessas vagas, encerrou.

O relatório de Junho da DGRSP indicava existirem 251 jovens internados para uma lotação de 233. Desde então, segundo dados da DGRSP o número de menores internados foi diminuindo de 216 em Agosto para 190 em Dezembro.

Licinio Lima destaca a aposta no acompanhamento dos menores após saírem em liberdade o que “diminuiu a reincidência” e a “redução da criminalidade” juvenil. A coordenadora da comissão fiscalizadores dos centros educativos, que confirma a redução dos internamentos, deixa porém a possibilidade de isso ser consequência de, em Agosto, a DGRSP ter informado os tribunais de que não existiam vagas para acolher mais menores condenados. 

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